Combate às fake news: A importância de entender como o público pensa

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Opinião

Combate às fake news: A importância de entender como o público pensa

Como as teorias contemporâneas da comunicação podem contribuir para a luta contra a desinformação

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27 de junho de 2024 - 6h00

Sou um pesquisador acadêmico e um estrategista das Ciências da Comunicação. Escrevo este texto deste lugar de fala, pois percebi um paralelo entre o combate à desinformação que ocorre hoje e a disputa que aconteceu um século atrás, quando grupos extremistas usavam os meios de comunicação massa (uma novidade na época) para ganhar popularidade e chegar ao poder. Vejo que as teorias da comunicação desenvolvidas na segunda metade do século XX têm muito a contribuir para o combate ao nosso problema atual.

Há cerca de uma década, diferentes países têm buscado combater a disseminação em massa de conteúdo malicioso doloso através de canais digitais. Os efeitos colaterais negativos do consumo deste tipo de conteúdo são imensos, afetando desde eleições à saúde pública. Entretanto, a meu ver, as políticas de enfrentamento às fake news estão ancoradas apenas nas teorias da comunicação da primeira metade do século XX, tendo muito a ganhar com as teorias da segunda metade.

Primeiro, boa parte do combate à desinformação foca na Emissão (no emissor e na mensagem emitida), assim como a Teoria da Agulha Hipodérmica. Surgida nos anos 1920, ela afirma que quando há um estímulo (uma mensagem), ele penetra nas pessoas sem encontrar resistências, da mesma forma que uma agulha entra sob a pele e inocula seu princípio ativo.

Esta teoria enxerga a Recepção (o público) como passiva, completamente à mercê da Emissão, que é quem definiria o que será recebido e como será entendido. Saindo da teoria e indo para a prática, o melhor adágio que ilustra este entendimento é a frase “uma mentira contada mil vezes se torna verdade”, atribuída a Joseph Goebbels. Ou seja, quem fala tem todo o poder, e quem ouve é completamente manipulável.

Outra perna do combate à desinformação foca no canal e no processo de compartilhamento de mensagens, o que nos traz uma outra teoria muito relevante do século passado: a da Comunicação em Dois Tempos. Atribuída a Lazarsfeld and Katz, ela demonstra que a comunicação acontece em etapas, primeiro impactando um grupo de pessoas influentes, que seria responsável por repassar a mensagem, ajustando-a, para um novo público e assim sucessivamente. Entendendo isso, as políticas de combate à desinformação atuais buscam formas de responsabilizar os canais (as plataformas) e dificultar o repasse de conteúdos.

Falta, contudo, ao combate à desinformação os textos mais modernos da comunicação, aqueles que destacam o poder da Recepção. Aqui faz sentido falar, por exemplo, de Stuart Hall, que destaca que o contexto sociocultural em que a audiência recebe uma mensagem é a base sobre a partir da qual a mensagem será entendida e utilizada. A cultura do momento (zeitgeist) é chave hermenêutica que decodifica as mensagens recebidas.

As políticas de combate à desinformação parecem preferir deixar de lado o entendimento de que é o contexto sociocultural que torna socialmente aceitável e até desejável o compartilhamento de mensagens que, noutro momento, seriam absurdas (como parecem para quem não tem as mesmas chaves hermenêuticas). Quando olham para a Recepção, como nas ações de Educação Midiática, estas políticas a enxergam de maneira infantilizada, como se a audiência não soubesse o que está fazendo ou não fosse capaz de lidar com a situação. É preciso vê-la como adulta, que escolheu conscientemente entender e agir como tem agido no contexto social, cultural e tecnológico atual.

Quem trabalha com comunicação persuasiva usando recursos digitais sabe que o melhor que o emissor pode fazer para ser bem-sucedido na sua comunicação é entender o contexto de interpretação da sua audiência e, a partir disso, desenhar a mensagem com maior chance de ter o efeito desejado. O problema é que nesse momento, pessoas mal-intencionadas perceberam isso, e tem aplicado estas técnicas com consistência e maestria (ainda aproveitando as lacunas de vigilância e punição existentes), ao contrário de quem está dedicado a evitar os malefícios da desinformação.

Importante destacar que a punição de atitudes criminosas e a busca por uma maior responsabilização de canais (plataformas) e agentes (inclusive políticos) é fundamental, mas se me pergunto o que falta para que o combate à desinformação seja mais efetivo, me vem a frase “é a audiência, estúpido”, numa paráfrase da célebre frase de James Carville.

Em outras palavras, as políticas de combate à desinformação precisam entender a percepção da audiência, para considerar o contexto interpretativo do público e, então, traçar medidas mais efetivas.

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