Publicidade infantil: quais as regras, leis e polêmicas?
Tratada em resoluções do Estatuto da Criança e do Adolescente e de entidades da indústria, como o Conar, abordagem publicitária gera debate no ambiente da comunicação
Publicidade infantil: quais as regras, leis e polêmicas?
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Meio & Mensagem
17 de outubro de 2022 - 8h00
Definir o público-alvo do produto e serviço e direcionar os esforços de marketing diretamente a ele é a premissa primordial da publicidade. Essa lógica, no entanto, não é a mesma quando se trata de publicidade infantil.
Pelo fato de crianças serem um público mais vulnerável a mensagens de apelo mercadológico e, ao mesmo tempo, não terem o mesmo discernimento dos adultos para tomar decisões acerca daquilo que desejam, a comunicação mercadológica para esse grupo deve atender a um conjunto extenso de normas e regras.
Ao longo do texto, será possível entender um pouco sobre essas regras e diretrizes nacionais a respeito da publicidade direcionada às crianças.
Antes de analisar o tema pelo âmbito da publicidade é importante delimitar como é caracterizado esse público consumidor infantil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) categoriza como criança toda pessoa com até doze anos incompletos. A partir daí, até os 18 anos completos, a pessoa já é considerada adolescente.
Toda e qualquer comunicação com apelo mercadológico direcionada ao público de 0 a 12 anos é, portanto, categorizada como publicidade infantil.
Do ponto de vista do consumo, o público infantil é uma audiência interessante. Afinal, ainda que não efetuem diretamente a compra, as crianças utilizam roupas, calçados, alimentos, brinquedos, produtos de higiene e outros itens.
Com o objetivo de categorizar e entender melhor os subgrupos de consumidores presentes entre crianças e adolescentes, a Kids Corp., kidtech especializada no segmento infantil elaborou o guia “Como entender, classificar e diferenciar: público infantil & adolescente em subsegmentos”.
O relatório apresenta detalhes de como os pequenos se relacionam com as marcas, além de mensurar o quanto influenciam nas decisões de compras dos adultos. A divisão feita pelo estudo classificou as crianças e adolescentes em algumas categorias. Veja:
Do zero aos três anos de idade. Nessa fase, 100% das decisões de compras são tomadas por pais ou outros adultos, que tem total controle do contato das crianças com as marcas.
Esse grupo compreende crianças de 4 a 6 anos de idade, fase em que os primeiros gostos estão sendo desenvolvidos. Neste momento, as crianças já têm influência nas decisões domésticas: 45% influenciam na assinatura de serviços de streamings e 50% interferem na compra de alimentos ou bebidas.
A influência desse grupo, formado por crianças de 7 a 9 anos, nas decisões de consumo é ainda maior: 53% deles influenciam nas escolhas de alimentos e bebidas e 20% afirmam que já recebem um dinheiro próprio para comprar as coisas que desejam. Mais da metade desse grupo (55%) passa boa parte do tempo se entretendo com brinquedos.
O último estágio da categoria infantil é formado pelo grupo de crianças de 11 a 13 anos de idade, que já demonstram rejeições por marcas infantis e já tem seus gostos influenciados por amigos, youtubers e gamers. Desse grupo, 82% passam o tempo consumindo vídeos do YouTube, 71% jogando videogame e 53% assistindo a algum tipo de conteúdo no streaming.
Entende-se como publicidade infantil qualquer mensagem mercadológica caracterizada como um apelo para que a criança consuma algum tipo de produto e serviço.
Isso é válido para mensagens em diferentes meios, seja na televisão, revistas, redes sociais, plataformas de vídeo, cinema, jornal, mídia out-of-home ou outro meio.
Para conseguir chamar a atenção desse público, geralmente as mensagens direcionadas às crianças seguem algumas características, como o uso de cores e trilhas sonoras chamativas e, em muitos casos, a presença de personagens que geram identificação com os pequenos.
Outra estratégia, que costumava ser bastante utilizada na publicidade nas décadas de 1980 e 1990, era a presença de celebridades e personalidades do universo infantil para reforçar o apelo de consumo.
A questão da publicidade infantil no Brasil é um tema que, há anos, gera polêmica e debate na indústria da comunicação. Nos anos 1980 e 1990 era bastante comum, sobretudo na televisão aberta, a veiculação de comerciais de brinquedos, roupas, calçados e outros produtos com apelo diretamente às crianças.
Essas mensagens chegavam, em alguns casos, a explicitar que a criança deveria pedir determinado produtos aos pais e chegavam a incentivar a compra de algum item para mostrar aos amigos, aguçando, assim, a vontade de outras crianças em adquirir aquele produto.
No Brasil, há algumas leis que orientam sobre a prática de publicidade direcionada às crianças. O Código de Defesa do Consumidor, de 1990, define que “a publicidade dirigida a crianças se aproveita da deficiência de julgamento e experiência desse público”. Direcionar essa prática a esse público, portanto, seria abusiva e ilegal, pelo texto do Código.
Também de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) responsabiliza a família, a comunidade, a sociedade e o Estado pelo bem-estar e saudável desenvolvimento da infância e da juventude.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) trata do tema em seu Artigo 37, que considera: “Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança”.
São vetados pelo Conar, anúncios que:
– desmereçam valores sociais positivos (amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente);
– provoquem deliberadamente qualquer tipo de discriminação;
– associem crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição;
– imponham a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;
– provoquem situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, com o propósito de impingir o consumo;
– usem crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;
– utilizem formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia;
– apregoem que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares;
– utilizem situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.
O código de autorregulamentação ainda condena a ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado. Além disso, diz que, nos conteúdos segmentados, criados, produzidos ou programados especificamente para o público infantil, qualquer que seja o veículo utilizado, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a esse público estará restrita aos intervalos e espaços comerciais. Por fim, estabelece que crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição, tais como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais igualmente afetados por restrição legal.
O tema da publicidade infantil motivou a publicação da resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que caracterizou algumas práticas como abusivas.
De acordo com a resolução, “considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviços” utilizando-se dos seguintes aspectos. Veja:
1- Linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;
2- Trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
3- Representação de criança;
4- Pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
5- Personagens ou apresentadores infantis;
6- Desenho animado ou de animação;
7- Bonecos ou similares;
8- Promoção com distribuição de prêmios ou brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;
9- Promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.
Na visão de alguns anunciantes e empresas, tantas restrições prejudicam a economia e os negócios de várias empresas da cadeia publicitária e, também, dos veículos de mídia.
Do lado de quem sustenta essa ideia, há o argumento de que as restrições em torno da publicidade infantil teriam sido responsáveis pela redução do conteúdo destinado às crianças na televisão aberta.
Há cerca de duas décadas, praticamente todas as grandes emissoras comerciais de TV tinham uma faixa de programação infantil, composta essencialmente por desenhos animados ou programas de auditório. Nos últimos anos, contudo, esse tipo de conteúdo infantil começou a rarear.
Entre os críticos das restrições à publicidade infantil, a razão para isso é que a maior parte dos anunciantes de programas infantis eram empresas de produtos direcionados às crianças. Sem poder anunciar diretamente para seu público-alvo, portanto, não haveria razões em investir em anunciar nos intervalos dessas atrações, o que acabaria tornando a exibição insustentável para as emissoras.
Essa ideia, contudo, é refutada pelas entidades defensoras do consumo consciente, sobretudo o Instituto Alana, uma das mais proeminentes vozes em torno da proteção infantil.
Desde 2005, o Instituto passou a debruçar-se sobre o tema da publicidade infantil e criou, posteriormente, o Programa Criança e Consumo, uma plataforma que visa orientar a sociedade a respeito da importância de preservar as crianças dos apelos mercadológicos a fim de formar uma sociedade menos consumista e mais ciente de suas escolhas.
Segundo o Instituto Alana, a razão para as emissoras de TV aberta terem praticamente eliminado a programação infantil da grade está na mudança do comportamento dos consumidores e na própria alteração da dinâmica do mercado, que passou a concentrar os programas infantis nos canais pagos especializados, deixando a faixa da TV aberta para atrações voltadas ao público de todas as idades.
Se o tema da publicidade infantil já gerava divergências há alguns anos, com a pulverização das mídias digitais, a discussão ganhou contornos mais complexos, uma vez que as crianças estão mais expostas a conteúdos em diferentes janelas.
Por essa razão, grandes players do segmento de tecnologia vêm procurando voltar sua atenção ao tema do conteúdo publicitário direcionado aos pequenos.
Em outubro de 2021, o Google, junto com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), lançou um manual de orientações gerais para criadores de conteúdo, anunciantes e agências a respeito da publicidade infantil.
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O conteúdo foi elaborado com a participação do Ministério Público do Estado de São Paulo e pretende alinhar a indústria nas mesmas diretrizes. No guia, o Google aponta que um dos fatores a serem levados em consideração, ao elaborar uma publicidade direcionada ao público infantil, é a importância de observar a condição da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, com cuidados especiais em relação à segurança, preservação de identidade e proteção de dados pessoais.
O guia identifica que todo material publicitário voltado ao público infantil deve ser identificado de forma clara e acessível e ser condizente com a faixa etária do público-alvo, o que inviabiliza, por exemplo, a divulgação de anúncios de bebidas alcoólicas ou armas de fogo.
Outra área que tem um peso importante no âmbito do consumo infantil é a dos produtos licenciados. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Licenciamentos (Abral), de 2017, apontava que 80% de todos os produtos licenciados no País são destinados ao público infantil.
O licenciamento tornou-se uma importante fonte de receita para diversas empresas e marcas, que aproveitam o sucesso de personagens de animações, filmes e séries para lançar produtos de variados segmentos, desde brinquedos até roupas e artigos para a casa.
Entre as empresas que têm forte atuação no segmento de licenciados estão gigantes como Disney, Barbie, Marvel, DC Comics, e outras.
A questão da publicidade infantil, portanto, está longe de estar resolvida e ser consenso entre as partes envolvidas na indústria da comunicação.
O que é importante observar é que a sociedade, bem como as grandes marcas anunciantes, vem se dispondo a enriquecer o debate com informações e ideia que possam direcionar os caminhos para que as empresas encontrem formas de impactar seu público-alvo sem infringir regras ou direcionar apelos de consumo desmedidos a um grupo sem discernimento acerca do que seria apropriado ou não em termos de consumo e escolhas.
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