Violência contra a mulher e a cobertura da imprensa

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Opinião

Violência contra a mulher e a cobertura da imprensa

O jornalismo mira no engajamento e acerta na banalização do ódio

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12 de agosto de 2024 - 16h00

Ao abrir um portal de notícias, assistir um telejornal ou ouvir um podcast, existe uma alta probabilidade de se deparar com um caso de violência contra as mulheres. A cada 6 horas, 1 delas sofre com agressões que vão de ofensas a torturas, de estupro a feminicídio – na maioria dos casos, pelas mãos do próprio companheiro. E infelizmente, as chances da barbaridade desse crime ser banalizada pela cobertura midiática sem nenhum debate sobre o problema também é grande. 

O estudo “Desfocadas: como opinar e informar melhor sobre a violência de gênero”, feito pela LLYC, analisou mais de 3 ,4 milhões de notícias que abordavam a violência de gênero e concluiu que cerca de 20% delas justificam as agressões sofridas pelas mulheres. Além disso, 1 a cada 50 notícias traz alguma inclinação negacionista relativizando o fato e/ou suas consequências, enquadrando os casos como isolados e transmitindo a ideia de serem episódios de exceção ao invés de um problema comum. Como se não bastasse, 1 a cada 6 expõe os dados da vítima, o que é uma violação à sua privacidade. O estudo olhou ainda para 14 milhões de mensagens publicadas no X (ex-Twitter) em 12 países, incluindo o Brasil. Por aqui, a taxa de notícias que justificam a agressão foi de quase 14%.Fonte: LLYC, 2024

Espetacularização: 1 em cada 5 notícias trazem argumentos que justificam a agressão (Fonte: LLYC, 2024).

 

Entre as práticas negativas está o foco sensacionalista em atributos da vítima como a sua idade ou comportamento. O estudo da LLYC constatou que há 75% mais menções aos atributos da vítima do que do agressor. O enfoque importa porque, como resultado, temos histórias contadas com um holofote em quem sofreu ao invés de uma responsabilização no criminoso.

Além dos motivos listados, a escandalosa e insistente cobertura midiática sobre a violência contra a mulher gera um efeito paisagem, que provoca a exaustão emocional em quem lê e que aos poucos normaliza o absurdo como forma de se proteger. Outro efeito dessa espetacularização é a influência no comportamento dos leitores em seus próprios contextos. Uma síntese reuniu 284 estudos sobre o tema e concluiu que há evidências robustas de que a exposição prolongada a programas policialescos durante a infância está associada a comportamentos violentos na vida adulta. De acordo com o estudo, a cada 10 pessoas que consomem estes conteúdos, 3 têm comportamentos agressivos influenciados por eles. 

Para avançarmos na ação e responsabilização coletiva, é necessário sensibilidade e cuidados específicos na divulgação dos casos. Proteger a privacidade de crianças, omitir informações socioeconômicas e a raça do agressor ou da vítima, não expor ou questionar a saúde mental da vítima e evitar elementos que gerem empatia com o agressor são algumas das práticas recomendadas. O debate não é novo, tanto que há alguns anos a Think Olga lançou o Minimanual de Jornalismo Humanizado, com orientações para a cobertura midiática sobre violência contra as mulheres.

Vale destacar que há demanda por esse conhecimento e conversa qualificados. Nos últimos 5 anos, houve um aumento expressivo de buscas sobre a “Lei Maria da Penha”. No Instagram, apuramos mais de 464 mil publicações com a #violenciadegenero e mais de 453 mil com #violenciadomestica. As pesquisas e conversas demonstram interesse na pauta ao longo de todo o ano.

(Fonte: Google Trends – 2019 a 2024, pesquisa em agosto de 2024)

Sabemos que o jornalismo é fundamental para uma conscientização e aprofundamento que as redes sociais raramente alcançam. E também reconhecemos profissionais que cumprem esse papel com excelência, como a jornalista Cris Fibe, responsável por uma coluna no Universa dedicada às mulheres e questões de gênero, bem como o Portal Catarinas e a Revista AzMina, publicações feministas que impulsionam a mudança social por meio do jornalismo 

Mas o caminho ainda é espinhoso: apenas 1 a cada 10 notícias mostram que o problema é coletivo. Por isso, precisamos vir até aqui fazer um apelo por uma cobertura mais responsável e ética. A vida de uma mulher precisa valer mais do que os cliques. Esperamos que nesse Agosto Lilás e ao longo de todo o ano, a mídia priorize notícias que reforcem a importância do cuidado e da proteção de mulheres, qualificando o debate público em prol de mudanças concretas.

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