Correndo por fora
Ações de marketing de emboscada têm fiscalização rigorosa, mas existem formas de marcas que não são patrocinadoras do evento entrarem no clima dos Jogos sem quebrar as regras
Ações de marketing de emboscada têm fiscalização rigorosa, mas existem formas de marcas que não são patrocinadoras do evento entrarem no clima dos Jogos sem quebrar as regras
Victória Navarro
19 de julho de 2016 - 9h08
Reportagem publicada na edição Meio & Mensagem Marketing na Olimpíada em novembro de 2015.
Por Teresa Levin
As regras são claras, e o rigor, altíssimo. A princípio, não há espaço para qualquer tipo de associação aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos para quem não é patrocinador destes dois eventos. E mesmo para os parceiros oficiais há restrições consideráveis: não são permitidos logotipos em uniformes, ou qualquer exposição de um anunciante nas arenas de competição.
O fato de os espaços onde as disputas acontecem serem uma espécie de território neutro torna mais desafiador o trabalho de quem se associa legalmente aos Jogos, tanto em termos de garantir o retorno do investimento feito, quanto para a fiscalização do uso indevido das propriedades por concorrentes. São altas as cifras investidas e imponentes as contrapartidas: apenas os patrocinadores podem fazer alusão aos lemas, termos e símbolos olímpicos. O Comitê Olímpico Intrnacional (COI) e o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 fazem uma varredura ampla para cobrir qualquer eventual tentativa de associação comercial indevida, restringindo a participação de atletas em diversas iniciativas.
“Quando recebemos o direito de sediar os Jogos, o governo assumiu compromissos em várias esferas, entre eles garantir os direitos dos patrocinadores”, explica Daniela Araújo, gerente de proteção à marca do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016.
Como prevenção às ações de marketing de emboscada, o comitê promove um programa de educação e engajamento, apresentando as regras dos Jogos. A iniciativa já alcançou quase cinco mil pessoas em mais de 150 encontros e continuará até meados de 2016. “Vamos para agências de publicidade, feiras, eventos e qualquer lugar onde achamos que vale passar a mensagem de proteção às marcas, principalmente para anunciantes. Explicamos todo o porquê de proteger as propriedades olímpicas e paralímpicas”, afirma.
A estratégia para a proteção aos patrocinadores, todavia, começa antes. Assim que um contrato com um anunciante é assinado, o COI solicita que ele informe os nomes de seus principais concorrentes. A organização dos Jogos envia uma carta para estas empresas apresentando suas regras, como forma de precaução.
“Na Copa de 2014, os concorrentes dos patrocinadores -foram todos muito respeitosos e acho que vai ocorrer um respeito das grandes marcas na Olímpiada também. A guerrilha no nosso mercado deve ficar para marcas fun, voltadas para jovens, que têm pegada para brincar e liberdade”, acredita Teixeira, que indica caminhos para se participar da festa mesmo sem ter alguma propriedade oficial. “Valores intrínsecos de excelência, bem-estar e respeito são valores olímpicos e podem ser explorados”, avalia. Outro caminho é se associar a esportes que não estão nos Jogos Olímpicos. “Futsal, karatê e surf, por exemplo, não são olímpicos, mas são queridos aqui”, ressalta.
Teixeira viu ainda muitas marcas brincando justamente com as restrições que os Jogos impõem. “Utilizaram esta censura para brincar, mostrar ao mundo, satiricamente, que tudo estava proibido”, recorda.
Hora de esporte
Armênio Neto, head de esportes da MBA Brasil, agência do Grupo WPP especializada em modelos inovadores de business science e marketing esportivo, também acredita que existem caminhos para se conectar aos Jogos mesmo sem ser patrocinador. “Marketing de guerrilha, por definição, é uma ação invasiva. O que propomos são alternativas. Posso falar isso porque estamos desenvolvendo plano para patrocinador olímpico também”, ressalta. “O esporte é tão rico, envolve respeito, saber ganhar e perder — dentro da quadra não existem diferenças, pobre, rico, bonito, feio. Há maneiras de aproveitar este momento sem burlar a regulamentação, respeitando as regras”, diz.
Esse é o mesmo pensamento de Fernanda Lobão, sócia da Go4it. A empresa começou sua operação recentemente no Rio de Janeiro, mas a executiva tem larga experiência com os Jogos. Na Embratel, onde atuou por oito anos, esteve à frente da parceria que levou a empresa, juntamente com a Claro, a ser patrocinadora olímpica.
“As propriedades do logotipo, símbolos e designações oficiais são restritos aos patrocinadores, mas temos elementos positivos e de associação com o cunho de celebração, união, a transformação da cidade que recebe o megaevento. São caminhos que não são vedados a nenhuma empresa”, aposta. “As marcas que não são patrocinadores oficiais, mas têm plataforma esportiva, devem buscar identificar uma causa ou território que gere uma associação genuína da marca ou posicionamento ao megaevento. Respeitando regras e criando uma causa para se associar de forma positiva”.
Fernanda lembra a campanha da Fiat durante a Copa das Confederações no Brasil, em 2013. “Foi um case bem-feito, com senso de oportunidade. Um ponto importante de sucesso da estratégia deles foi justamente que trouxeram uma causa, o Manifesto Vem pra Rua, e criaram uma mensagem de torcida e convocação com uma estratégia de mídia muito forte”, recorda. Mas ela acrescenta que, neste caso, parte do sucesso da estratégia também veio de um alto investimento em mídia. “Houve uma carga de mídia muito grande. Eles compraram o pacote da TV Globo, mas seguiram todas as regras”.
Quem é craque em fazer este tipo de ação é a Nike. Com campanhas memoráveis, a empresa tem se associado tanto à Copa do Mundo da Fifa, quanto aos Jogos Olímpicos, sem quebrar as regras — mas aproveitando o calor desses eventos.
Um grande êxito da marca ocorreu justamente em Londres em 2012. Um belo filme de um minuto foi veiculado pela marca esportiva, que não era patrocinadora do evento, posição esta ocupada pela Adidas. O caminho encontrado foi justamente a associação a diversas modalidades esportivas, mostrando cenas de atletas amadores ao redor do mundo. O tom bem-humorado ficou por conta dos locais escolhidos: um ginásio, um campo, uma rua, entre outros espaços, todos com o nome Londres. Com o título de “Find your Greatness”, a ação colocou a Nike no clima olímpico mesmo sem a marca ser patrocinadora dos Jogos.
Para Matthieu Fenaert, diretor executivo da Octagon Brasil, a melhor forma de combater ações de emboscada é ativar o patrocínio o quanto antes. “Criando uma conexão impactante que deixe clara a ligação entre a marca e o evento. Se a marca patrocinadora ativa, comunica, faz várias ações fortes, a associação na mente do consumidor estará clara e não deixará brecha e espaço com marca concorrente” explica. Ele alerta que, independentemente de ações de marketing de guerrilha, o tempo em que o patrocinador assinava um contrato com a Olimpíada ou a Copa e “sentava em cima do acordo”, dependendo apenas da visibilidade do evento, acabou. “Têm de ativar, e muito.”
Celso Schvartzer, Latin America Lead da GMR Marketing, que atende marcas como Visa, P&G, E&Y, GE, Nielsen, Cisco e Omega na Olimpíada, lembra que é o patrocínio que viabiliza o movimento olímpico. “Por isso existem as regras que tentam bloquear o máximo possível o ambush marketing”, fala.
Em 2011, durante uma busca por ações que ferissem os direitos de seus clientes, a GMR encontrou uma peça veiculada no México que violava as regras. O anúncio da Colgate mostrava um atleta vestindo o uniforme olímpico mexicano após ganhar uma medalha no Pan de Guadalajara. “Não haveria problema se estivesse só com as cores do país. Eles têm o patrocínio do atleta. Mas, correndo com o uniforme da delegação, não pode em nenhum momento, pois os patrocinadores dos Jogos têm os direitos sobre os comitês e a P&G é patrocinadora TOP (The Olympic Partner, grupo das 12 empresas parceiras prioritárias do COI)”, alerta. A GMR mandou carta à P&G do México que acionou o Comitê Olímpico Mexicano para que notificasse a Colgate.
Caminhos possíveis
Além do direito sobre os Jogos, os patrocinadores TOP ganham ainda os direitos sobre todos os comitês olímpicos nacionais, como citado no caso do atleta mexicano. O Comitê Organizador tem direito de vender patrocínios locais, mas estes não podem ser conflitantes com os globais — e direitos de atuação se restringem ao país-sede. O Banco do Brasil, por exemplo, é patrocinador do vôlei brasileiro e continuará sendo mesmo com os Jogos sendo uma propriedade do Bradesco. Com isso, pode seguir usando a associação com uma das modalidades mais queridas pelos brasileiros, respeitando regras e prazos durante a competição.
Outro caminho muitas vezes adotado é o patrocínio a atletas. Este apoio é fundamental para o desenvolvimento destes esportistas. Recentemente, houve até um pedido de atletas ao COI para que um outro olhar fosse dado a essas marcas. Parte desses esportistas alegou que quem está ao longo dos quatro anos anteriores à Olimpíada viabilizando efetivamente treinamentos e, por consequência, o movimento olímpico, são estes patrocinadores, e não os que estão nos Jogos. Apesar do apelo, o COI ainda não mudou suas regras, mas discussões para uma possível flexibilização chegaram a acontecer. A previsão é que o assunto volte a campo no futuro. Em Londres, por conta desta proibição, alguns esportistas posaram com olhos e boca tapados nas redes sociais, em uma alusão a essa censura.
Redes sociais, um cuidado à parte
A Olimpíada de Londres ficou marcada como a primeira onde o marketing de guerrilha invadiu com força as redes sociais, o que acarretou em mudanças para os Jogos do Rio de Janeiro.
“Sentamos com Facebook, Twitter e todos os principais players de internet para fechar parcerias a fim de tomar ações mais imediatas. Além da imagem do atleta, na mídia social monitoramos muito a venda irregular de ingressos”, conta Daniela Araújo, da Rio 2016, acrescentando que produtos pirateados também estão constantemente no radar dos organizadores. “Monitoramos sites de venda online, redes sociais e temos uma parceria com o Arquivo da Propaganda para analisar toda publicidade na mídia online e off-line. Recebemos boletins semanais dentro de um briefing de palavras-chave e imagens. Avaliamos semanalmente tudo que é veiculado.”
Como parte do trabalho preventivo do Comitê Organizador Rio 2016, será veiculada em breve uma campanha online, assinada pela Ogilvy, voltada para o mercado publicitário. “Traremos à tona o tema marketing de emboscada, com um selinho que criamos como um alerta”, revela.
As regras do COI
O que é permitido e o que é proibido para as marcas na associação com os Jogos Olímpicos
Uma série de restrições é definida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) com o intuito de preservar todos os símbolos ligados aos Jogos, considerados valiosas propriedades de marketing. Confira abaixo algumas das regras apontadas em um guia elaborado pelo Comitê Organizador Rio 2016:
• Somente os parceiros comerciais podem utilizar as marcas Rio 2016 com o propósito comercial e, mesmo assim, sempre de acordo com autorizações prévias e específicas;
• É possível utilizar as marcas Rio 2016 para expressar opiniões e para ilustrar manifestação popular e/ou cultural, desde que não haja propósito ou associação comercial com os Jogos;
• Não é permitido o uso das marcas Rio 2016 associado a qualquer tipo de propaganda, seja de cunho partidário, religioso, político e/ou principalmente com o objetivo de promover produtos e serviços;
• Não é permitido fazer qualquer tipo de promoção, concurso e/ou loteria que tenha como tema ou foco as marcas Rio 2016 ou que crie uma associação direta com os Jogos;
• A regra número 40 da Carta Olímpica restringe a participação dos atletas que competem nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em campanhas publicitárias, durante os períodos de competição e ainda 15 dias antes e 15 dias depois destes eventos. Eles só podem participar de campanhas publicitárias neste período com autorização do COI. O mesmo vale para treinadores, árbitros ou qualquer pessoa que integre oficialmente a delegação do país;
• Não é permitido produzir qualquer tipo de produto ou material para fins promocionais, institucionais e principalmente comerciais com as marcas Rio 2016;
• Não é permitido utilizar as marcas Rio 2016 para dar título a um projeto ou programa, mesmo que não tenha finalidade comercial, sem a prévia autorização do Comitê Rio 2016;
• Entre 5 de julho e 29 de setembro, toda a mídia out-of-home da cidade do Rio de Janeiro será operada pela organização dos Jogos. Até 5 de março, os espaços serão vendidos exclusivamente para patrocinadores. Após esta data, os que não tiverem sido comercializados podem ser oferecidos para marcas não concorrentes destes patrocinadores, mas os contratos serão fechados mediante aprovação do Rio 2016. O mesmo vale para os aeroportos do Rio de Janeiro e das cidades que receberão partidas de futebol.
10 cases emblemáticos de marketing de guerrilha
Ações de não patrocinadores já causaram muito barulho nos Jogos Olímpicos
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