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Olimpíadas

Os jogos da humanização

Assuntos em voga na agenda da sociedade, como diversidade, saúde mental e equidade de gênero, destacam-se na competição e embalam comunicação das marcas


9 de agosto de 2021 - 10h38

Neozelandesa Laurel Hubbard, do levantamento de peso: primeira mulher trans na Olimpíada (Crédito: Stanislav Krasilnikov/TASS/GettyImages)

Tóquio 2020 foi marcado pela maior participação feminina (49% das competições para mulheres, índice que será de 50% em Paris), pela equidade de gênero, com a estreia de provas mistas na natação, no atletismo e no judô, por exemplo; e pela diversidade, com a participação da primeira atleta trans. Além disso, o tema saúde mental esteve em evidência. “Seria muito diferente, mas acabou sendo histórica. A verdade é que ninguém vai se esquecer dessa Olimpíada”, descreve Maria Fernanda Albuquerque, diretora de comunicação global de Havaianas, patrocinadora dos comitês Olímpico e Paralímpico do Brasil nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Tóquio 2020.

Após ser adiada pela primeira vez na história, devido à pandemia de Covid-19, a Olimpíada ficará marcada como um momento cheio de lições a serem deixadas para as próximas gerações. “Vimos pautas como a saúde mental sendo colocadas em evidência a partir da experiência dos atletas, diversidade e equilíbrio de gêneros sendo discutidos pela população em geral e o sentimento de um recomeço a cada triunfo dos atletas, que se prepararam em meio a um período de pandemia nunca visto por essa geração”, afirma Constanza Novillo, diretora de marketing da Asics América Latina, patrocinadora máster dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Tóquio 2020.

A Olimpíada lançou luz sobre a importância da saúde mental na vida de todos, principalmente, na dos atletas que vivem sob constante pressão. Toda a discussão acerca desse tema começou quando uma das maiores ginastas da história, a norte-americana Simone Biles, desistiu de disputar a final individual geral da ginástica artística. Em nota enviada por meio das redes sociais, a equipe de ginástica americana afirmou que a decisão foi tomada após uma avaliação médica em que a atleta optou por cuidar do seu bem-estar emocional. “Apoiamos de todo o coração a decisão de Simone e aplaudimos sua bravura em priorizar seu bem-estar. Sua coragem mostra, mais uma vez, por que ela é um modelo para tantos”, afirmou a equi’pe. Dias depois, Simone também desistiu da final do salto, barras assimétricas e solo. Apesar disso, a ginasta disputou a final da trave e ganhou medalha de bronze, como tinha feito nos Jogos do Rio 2016.

Assim como Simone, a japonesa Naomi Osaka, vencedora de quatro torneios de Grand Slam, desistiu de participar de Roland Garros e Wimbledon, que aconteceram antes da Olimpíada. Apesar de competir nos Jogos de Tóquio 2020, acender a pira Olímpica e ser esperança de ouro para o Japão, Naomi foi eliminada nas oitavas de final da chave de simples feminina. “Certamente, casos como o de Simone Biles repercutirão na rotina de treinamentos e na forma como os atletas precisam lidar com a pressão. Isso mostra que não dá para nenhum segmento ficar à margem das discussões que tocam a sociedade”, ressalta Fernando Taralli, CEO da VMLY&R, agência de publicidade da Visa, patrocinadora da Olimpíada desde 1986.

Simone Biles, inclusive, pertence ao Time Visa, e é apoiada pela empresa de tecnologia de meios de pagamento, assim como outros 101 atletas ao redor do mundo, incluindo os brasileiros Alison Cerutti, do vôlei de praia; Gabriel Medina, do surfe; e Daniel Dias, nadador paralímpico e recordista mundial. “Apoiamos muito a decisão, porque a questão não é apoiá-la simplesmente por sua imagem, mas sim   como um atleta, com todo cuidado e pensamento sobre sua saúde mental”, comenta o diretor de marketing da Visa do Brasil, Rodrigo Bochicchio.

Além da preocupação com a saúde mental dos atletas, outros temas como a equidade de gênero, a diversidade e o companheirismo entre os competidores foram pautas desta edição. “Agora as empresas patrocinadoras têm a oportunidade de abordar assuntos não relacionados ao esporte quando estão envolvidas com as Olimpíadas. Os jogos, graças a sua imensa visibilidade, são o momento perfeito para qualquer marca promover sua associação com questões sociais importantes para o seu negócio e para o seu propósito”, analisa Ricardo Fort, founder da Sport by Fort Consulting.

Para Tiago Lara, vice-presidente de estratégia e gestão de dados da Leo Burnett Tailor Made, é impossível deslocar as Olimpíadas do contexto em que elas estão inseridas. Neste sentido, acredita que esta edição foi marcada pela desconstrução do arquétipo do herói, em que os atletas são imbatíveis, quase deuses gregos. “Essas Olimpíadas foram marcadas pela humanização dos atletas”, reforça. Lara entende, ainda, que o evento esportivo é muito mais do que só entretenimento: tem o real compromisso de passar uma mensagem de postura, de humanização e companheirismo. “Pensando para as marcas, é uma grande evolução de narrativas”, completa, enfatizando que essa humanização deve ser acompanhada pelas marcas que estão presentes nesse universo.

Assim como Lara, a diretora de comunicação global de Havaianas, Mafê, compreende que os próprios atletas estão dando uma aula de humanidade para a sociedade. “Eles foram os primeiros do mundo a se juntar. O mundo se conectou de novo através deles. Então, acredito que todos estão junto com eles”. A diretora também enfatiza que esta edição dos Jogos Olímpicos foi marcada pela palavra empatia, que reflete muito o que o mundo está vivendo.

Apoio de ouro
Entender os legados deixados pela Olimpíada é importante para as marcas patrocinadoras, mas, além de só entender, é preciso agir e apoiar, de fato, o esporte e os atletas. “As marcas discutem a humanização há muito tempo, mas agora elas são obrigadas a colocar na prática, a ajudar, participar, ter responsabilidade social corporativa de verdade e não só como uma razão de argumento e isso entra também no papel da Olimpíada”, afirma Tiago Lara.

Como uma das principais apoiadoras do evento, a Visa, que sempre prevê contrato com seus atletas até o fim do ano da Olimpíada, desta vez, estendeu os contratos em mais um ano, para apoiar o desenvolvimento pessoal de cada um deles. “Pelo propósito do evento, da união dos povos, inclusive, da preocupação que o evento tem tido de acompanhar as mudanças que a sociedade tem passado, esse propósito é muito similar com o da nossa empresa”, afirma o diretor de marketing da companhia. Além disso, a empresa tem um número maior de mulheres sendo patrocinadas, 56%, em relação aos homens.

A Panasonic, apoiadora das Olimpíadas há mais de 30 anos, nesta edição escolheu Pamela Rosa, do skate; Silvana Lima, do surfe; e Luiza Fiorese, do vôlei sentado, para serem as representantes brasileiras do Time Panasonic, que também tem Naomi Osaka, do Japão. “É justamente no período dos jogos que os atletas mais precisam de apoio e, como marca, é a nossa missão incentivar nomes que já representam muito bem o Brasil em diversas competições e nem sempre têm o devido reconhecimento”, afirma Fabio Ribeiro, diretor de marketing da marca no Brasil. O potencial de contribuição e transformação social que o evento proporciona é o que motiva a companhia a incentivá-lo. “Nossa campanha com os atletas, inclusive, reforça esse perfil mais humano dos competidores, exaltando as outras paixões que cada um deles traz consigo quando não está disputando o pódio”, ressalta, afirmando que a imagem do herói imbatível antes atrelada ao esportista não cabe mais para a atual geração.

Ana Marcela Cunha, ouro na maratona aquática: desempenho feminino em evidência nos jogos (crédito: Clive Rose/GettyImages)

O esporte e a preocupação com a saúde mental são temas que originaram a Asics, empresa japonesa de artigos esportivos. Até seu nome explicita isso, pois é um acrônimo para a frase em latim “Anima Sana In Corpore Sano”, mente sã em corpo são. “A Asics já vem trabalhando globalmente e localmente para elevar o esporte como ferramenta fundamental para atingir uma mente sã”, comenta Constanza Novillo. Em linha com esse pensamento, em janeiro de 2021, a marca lançou a plataforma “Sound Mind, Sound Body”, que resgata suas origens. “A luz que tem sido colocada nos temas e questões sociais só aumenta o nosso senso de responsabilidade e compromisso em contribuir para uma sociedade melhor através de nossa comunicação, serviços, porta-vozes e, claro, sempre oferecendo os melhores produtos para que a experiência da prática esportiva seja excelente”.

Assim como a equidade de gênero, outra questão levantada por essa edição da Olimpíada foi a  diversidade. Rebecca Quinn, medalhista de bronze na Rio 2016 pelo futebol feminino canadense, anunciou no fim do ano passado que é um homem transgênero e, neste ano, se tornou a primeira pessoa transgênero a conquistar uma medalha nas Olimpíadas (o ouro no futebol feminino). Além disso, a neozelandesa Laurel Hubbard, do levantamento de peso feminino, se tornou a primeira mulher trans a disputar a competição na edição deste ano.

Como uma empresa conhecida por apoiar temas como equidade de gênero e diversidade, a TIM, que  patrocina a parada LGBT e recentemente lançou o projeto Mulheres Positivas, fez sua estreia nos  Jogos Olímpicos com o patrocínio ao Time Brasil. “No patrocínio ao COB, no momento da escolha dos atletas-embaixadores da marca, buscamos refletir nossa preocupação com a diversidade, com representantes de grupos socialmente minorizados, como negros, pessoas com deficiência e LGBTQIA+. Contamos essas histórias na nossa campanha, em minidocumentários dos atletas”, afirma Ana Paula Castello Branco, communication and branding director da empresa no Brasil. Os atletas escolhidos foram a dupla de velejadoras Kahena Kunze e Martine Grael, bicampeãs olímpicas; os canoístas Isaquias Queiroz e Erlon de Souza; a dupla de vôlei de praia Ana Patrícia e Rebecca; e o lutador de taekwondo Ícaro Miguel.

Apesar dos desafios impostos pela pandemia da Covid-19 a uma Olimpíada sem público, audiência e torcida não faltaram. As diferentes marcas que estavam de certa forma associadas aos jogos sentiram que, por meio das redes sociais, puderam estar mais próximos de seus seguidores. “Este é um momento em que valores como excelência e espírito de equipe são ressaltados e a população se une na torcida pelos atletas, superando as diferenças do dia a dia. Estar presente em um contexto tão marcante para as pessoas significa fortalecer o vínculo emocional com elas”, enfatiza Taralli. Panasonic, TIM e Havaianas sentiram esse vínculo emocional com seus seguidores. “Sem dúvida, o maior aprendizado é saber que a internet e as redes sociais nos permitem proporcionar experiências muito ricas para o público e para o consumidor, mesmo que de forma virtual, e quem está acompanhando os jogos à distância percebe isso”, enfatiza Fabio, da Panasonic.

Antes e durante o período dos jogos, a TIM percebeu um grande engajamento com seus consumidores nas redes sociais. O mesmo aconteceu com a Havaianas, que estava presente no pé de Bruninho, do vôlei, e Ketleyn Quadros, do judô, na abertura dos Jogos Olímpicos. Neste momento, a marca ficou em sexto lugar entre os assuntos mais comentados no Twitter Brasil, com mais de 20 mil tweets. Além disso, de 19 a 26 de julho, a marca foi a mais comentada na plataforma. “Apesar de obviamente ter um valor para o brasileiro enorme, as nossas ações de Olimpíada reverberaram no mundo. Teve muitas histórias e tweets no mundo”, conta Mafê.

Construindo a mudança
Todos esses legados trazidos pela Olimpíada de Tóquio, diversidade, equidade, companheirismo, humanização e preocupação com a saúde mental dos atletas, estão, de fato, gerando frutos e construindo mudanças efetivas na comunicação das marcas. Para Tiago Lara, da Leo Burnett, o maior legado que as marcas podem levar desses jogos é a renovação da narrativa. “Ela vira mais humana, mais normal. Ela tem a força que ela deveria ter, ela tem o apelo que deveria ter, tem o engajamento, só que agora ela também pode ser acompanhada por alguns outros ganhos”, comenta.

O poder que as Olimpíadas têm de engajamento poderia fazer com que elas significassem muito mais do que apenas conquistas olímpicas. “Elas poderiam ser uma ferramenta de engajamento popular para muitos assuntos e discussões globais, seja de saúde, seja questões humanitárias, seja questões sociais, e não preciso nem entrar no âmbito político”, completa Tiago. Fernando Taralli, acredita que a  organização já está percebendo essa necessidade de mudança, tanto que o Comitê Olímpico Internacional (COI), neste ano, atualizou o lema olímpico adicionando a palavra “juntos”: “Mais rápido, mais alto, mais forte – Juntos”. “Isso mostra uma adequação às demandas da sociedade, que exige uma cultura mais colaborativa para que possamos evoluir coletivamente”, diz.

A principal lição, segundo Ricardo Fort, é a de nunca apostar contra os Jogos Olímpicos. “Muitas marcas hesitaram em investir e promover o evento acreditando que as limitações impostas pela Covid iriam diminuir o interesse do público. A marca das Olimpíadas é muito forte e resistiu a todas as adversidades impostas nos últimos meses. Quem deixou de investir, perdeu uma oportunidade importante de negócios”, afirma.

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