Casting ganha relevância no combate à falta de diversidade
Empresas de casting investem em diversidade na luta contra a falta de representatividade nos filmes publicitários
Casting ganha relevância no combate à falta de diversidade
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Caio Fulgêncio
8 de setembro de 2023 - 6h00
Entre as muitas escolhas criativas ao redor da construção de uma campanha publicitária, o casting representa, além da estética, mensagem e valores da marca, a possibilidade de conexões emocionais com o público, que cada vez mais quer se ver representado nas produções. Por isso, nos últimos anos, pegando carona no crescimento de debates acerca de pautas sociais, a representatividade passou a ocupar posição importante nessas decisões do mercado.
Mais do que impactos de cunho social e cultural, existe comprovação de que enredos de campanhas com personagens diversificados são mais efetivos. Foi o que mostrou, por exemplo, o Effie Report 2023, parceria entre Meio & Mensagem e Ipsos, que analisou os cases inscritos, finalistas e vencedores do Effie Awards Brasil 2022.
Dentre os demais temas levantados, o estudo apontou que 87% dos trabalhos premiados pelo Effie tiveram a diversidade como característica. Além disso, considerando todas as campanhas inscritas, o índice de casting representativo aumentou de 61% em 2021 para 70% na edição do ano passado. Por trás de um filme publicitário pronto, em linhas gerais, há uma cadeia bastante delimitada, sobretudo em projetos custeados por grandes anunciantes.
Após o briefing e criação da campanha, a agência de publicidade contrata uma produtora, que escolhe um produtor de casting, normalmente, terceirizado. É esse profissional que aciona empresas de casting em busca de quem poderá compor o elenco.
Atravessamentos nesse procedimento, no entanto, já são comuns a fim de cortar custos, principalmente depois da pandemia da Covid-19, crise responsável pelo fechamento de várias empresas. Kleber Oliveira, fundador da agência de casting Clan27, conta que, em alguns casos, o elenco acaba sendo contratado diretamente pelas agências ou produtoras, sem passar pelo produtor de elenco.
Já os castings das agências especializadas são formados, normalmente, tanto por pessoas interessadas, que entram em contato por conta própria, quanto por pesquisa ativa — quando um projeto demanda um tipo específico de profissional e torna-se necessária a busca detalhada de candidatos em diferentes contextos e localidades.
A agência de publicidade e produtora Silva tem como propósito mostrar o Brasil real em suas entregas, inclusive, por meio da produção de elenco, um dos serviços oferecidos. “O nosso casting está muito alinhado com o que acreditamos, que é representar a maioria da população brasileira”, afirma a diretora de operações Helena Gusmão.
Por ter a diversidade como premissa desde a fundação e ser reconhecida por isso, a Silva costuma, conforme a executiva, atrair clientes com propostas alinhadas às diretrizes corporativas, o que facilita no processo de elaboração de casting.
“Tem sido mais frequente esse alinhamento entre o que o mercado quer apresentar e o que acreditamos em um trabalho”, revela. Entre os exemplos, Helena cita as campanhas realizadas pela Silva para Chás Leão e Kuat Guaraná, bem como editoriais próprios e para marcas como O Boticário.
No caso da Clan27, além da representatividade, existe a busca por promover a democratização de oportunidades para pessoas periféricas, assim como por assumir um papel educativo, questionando as decisões do setor publicitário em relação à aprovação dos elencos. A empresa aprovou casting para campanhas como “Todas Marias”, feita pela Talent Marcel para Claro, e “Beijos Icônicos”, da Gut para Mercado Livre.
“Em tempos de pink money ou black money, é fácil falar de diversidade e inclusão, mas queremos elevar essa conversa, questionando qual é o caminho do dinheiro. Por que é fácil incluir um preto ou um gay de Perdizes ou do Jardins (bairros de São Paulo), ainda mais quando eles têm milhões de seguidores, pagá-los bem, mas os cachês de figuração, por exemplo, continuam baixos?”, questiona.
O desequilíbrio em relação à valorização de modelos e atores menos conhecidos é, para o empresário, umas das principais dificuldades enfrentadas quando o assunto é inclusão. “Quantas pessoas conseguem sustentar a família trabalhando como ator ou atriz? É uma pequena parcela que vive disso”, salienta.
Manu Menezes, CEO da Darling, plataforma online de produção de casting para publicidade, defende que grande parte da responsabilidade sobre campanhas consideradas diversas é do próprio produtor de elenco. No contexto atual, diz a executiva, “pensar diversidade” no momento de montar uma lista de sugestões precisa ser uma prática comum.
“A publicidade tem algumas garras perigosas, porque, hoje, a diversidade vende. Nos anos 90, o que vendia era a imagem de pessoas magras, loiras e com olhos azuis. Porém, o mercado já entendeu que sem identificação não há venda e espero que essa tendência não se apague”, opina.
A busca por castings representativos tem se naturalizado também dentro das agências. Renata Sayão, head de produção da Publicis Brasil, identifica que, em um período de cinco anos, muita coisa mudou no dia a dia da criação. Antes, havia a necessidade de incluir no briefing as características físicas de quem estaria em frente às câmeras, prática que deixou de ser necessária na atualidade.
Essa transformação, de acordo com a executiva, pode ser explicada pelo também recente movimento vivenciado pela publicidade de retratar “o Brasil de verdade”, com pessoas reais em locações reais, um interesse compartilhado por muitos anunciantes. “Isso fez com as campanhas começassem a ter muito mais diversidade”, comenta.
Dentre os cases que se propuseram a abordar diferentes facetas da diversidade, a head cita o trabalho feito para Dorflex, com o título “Vai em frente e deixe a dor com a gente”, gravado inteiramente em Salvador, na Bahia, e lançado no final de junho. Além desse, a Publicis também é responsável pela criação das campanhas “Aprender no Ninho”, da Nestlé, em comemoração ao Dia das Mães deste ano, e “Novalgina 100 anos”, de aniversário da marca em 2022.
Apesar de comemorar a mudança, Renata vê com cautela a abertura de oportunidades para não profissionais. Ela defende que, para resultar em uma boa entrega, não se pode abandonar o profissionalismo de atores e atrizes.
“Não podemos ignorar os talentos, ou seja, as pessoas que estudaram para isso. É muito bonito esse momento de mostrar a verdade, mas isso não impede que tenhamos representatividade e, ao mesmo tempo, profissionais. Eles não podem ser ignorados na publicidade”, analisa.
Do lado das marcas, a Kraft Heinz passou a lidar com a diversidade de influenciadores
parceiros como um KPI a ser mensurado. Dessa forma, no Brasil, a empresa começou a medir e analisar gênero, raça e sexualidade. “O que nos motiva é garantir a não manutenção do racismo ou da homofobia”, afirma André Mendes, gerente de diversidade na América Latina. “Asseguramos que não estamos investindo a maior parte do nosso orçamento em um único grupo, que, na sua maioria, não contempla as pessoas minorizadas”, completa.
Os esforços resultaram na campanha “Outros MC’s”, criada pela Africa Creative, que recebeu no Cannes Lions deste ano um Leão de Bronze, na categoria Social & Influencer. “Tivemos 100% das pessoas dentro de algum recorte da comunidade LGBTQIA+, enquanto 70% se autodeclararam negros e não era uma campanha sobre diversidade”, relata.
No cenário atual, a crescente quantidade de mídias e a alta demanda de profissionais foram alguns dos responsáveis pelas mudanças no mercado de casting. De acordo com as empresas, no passado, os trabalhos eram mais direcionados e, com a internet, as possibilidades de veiculação estão entrelaçadas. Porém, os cachês não evoluíram de forma condizente com essa realidade conectada e múltipla.
Claudia Ghiurghi e Gache Monteiro, sócias-fundadoras da Nossa Senhora do Casting, dizem que o ambiente digital ainda é um território complexo de quantificação dos valores dos profissionais. No mercado há 30 anos, a empresa é uma das mais conhecidas do País, com “descobertas” para cinema e publicidade.
“Um grande nome tem seu valor e o cliente decide se vai pagar ou não. No entanto, para atores de teatro, por exemplo, ainda não se valorou direito. Em publicidade, os cachês diminuíram muito e é difícil esses artistas terem outra renda. Há uma desvalorização não só nesse, mas em vários mercados. Tem uma oferta muito grande”, analisa Gache.
Aliado à questão dos pagamentos, segundo as sócias, a relação produto e tempo de veiculação também sofreu alterações significativas nos últimos anos. Contratos com renovação automática, poucas chances de renegociações de cachês e exigências de exclusividade são algumas das práticas.
Manu, da Darling, complementa que, mesmo com a importância do online, ainda existe a prática de orçamentos menores para elencos de campanhas na internet. Para ela, esse impasse se potencializa ainda mais em um contexto marcado pela popularização da presença de grandes influenciadores na publicidade. “Às vezes, a marca, ao invés de gastar em uma propaganda, decide chamar uma pessoa que viralizou para fazer uma dança e impactar a venda. São complexidades desse tempo de redes sociais”, complementa.
Sobre a parte contratual, o fundador da Clan27 afirma que as agências de casting representam a base da cadeia produtiva. Logo, elas têm pouco poder de negociação. De fato, reitera, os contratos são fechados, sem grandes margens de alteração. Assim, declinar ou questionar são atitudes que afetam tanto a imagem das agências quanto o acesso do ator ou modelo a oportunidades de trabalho. “Como estamos na ponta fraca da corda, ficamos muito reféns. Não tem muita margem”, lamenta.
Mesmo assim, o aprofundamento necessário de discussões sobre o papel educativo das empresas requer, de acordo com o executivo, a união da categoria. Ainda não existe um sindicato ou outra instituição que represente as empresas especializada em casting.
“Não conseguimos, por exemplo, fazer uma greve. Mesmo se pudéssemos, se uma agência decidisse não fazer indicações, os contratantes poderiam ir às redes sociais das pessoas para contratar direto. É importante deixar claro que não temos força e, infelizmente, não conseguimos ir muito além desse processo educativo”, finaliza.
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