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Futurologia conquista espaço diante de cenários mais incertos

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Futurologia conquista espaço diante de cenários mais incertos

Reconhecida pelo Fórum Econômico Mundial e impulsionada por festivais de inovação – além de figuras como Faith Popcorn e Amy Webb –, futurologia conquista espaço no mercado corporativo para ajudar as marcas a navegar em cenários cada vez mais complexos


14 de junho de 2023 - 6h00

Há 42 anos, a nova iorquina fundadora da consultoria BrainReserve, Faith Popcorn, introduzia ao mercado um novo termo: o cocooning. O conceito, que foi parar até no dicionário, representava o desejo das pessoas de se proteger das duras e imprevisíveis realidades do mundo exterior, transformando sua casa em um casulo. Para Faith, o cocooning era parte de uma mudança profunda na maneira como as pessoas viviam. Exaustos e superestimulados, eles voltavam-se para as suas casas. Mais do que apontar a tendência, a BrainReserve aconselhou empresas a como aproveitá-la. Em um material próprio, a consultoria diz ter colaborado com a IBM no PS1, primeiro computador doméstico. Teria ajudado ainda uma companhia a desenvolver um modelo para jantares entregues em casa sob demanda e uma marca de bebidas a centrar seu posicionamento na família e no consumo dentro de casa.

O cocooning não foi a única tendência apresentada por Faith. Ao longo de sua carreira, ela foi apontada pela revista Fortune como “o Nostradamus do marketing” e publicou livros como The Popcorn Report, Clicking, EVEolution e Dictionary of the Future. A BrainReserve, por sua vez, criou um Banco de Talentos com mais de dez mil pensadores, que vão de profissionais de marketing e artistas a alquimistas. No seu modelo colaborativo, não só as companhias pensam sobre as tendências do setor, mas são também provocadas por esses talentos.

teatro imersivo da Rito.CC

Teatro Imersino, feito pela Rito.CC, no Festival Hacktown: foco é inspirar transformações culturais (crédito: divulgação)

A história e a relevância de Faith Popcorn, assim como as filas quilométricas criadas pelos interessados em assistir à apresentação da futurista e CEO do Future Today Institute, Amy Webb, no festival de inovação South by Southwest, são símbolos do interesse do mercado em chegar mais perto do futuro. Em contrapartida, o desejo é acompanhado por muita discussão e dúvidas. Afinal, o que é ser um futurista? E de onde surgem essas tendências?

Captando ideias

O próprio nome usado para intitular esse campo de estudo pode variar. Apesar de comum para se referir ao desenvolvimento de cenários futuros e identificação de tendências, o termo futurismo dá nome ao movimento artístico iniciado em 1909, que faz parte das vanguardas europeias. Por isso, muitas companhias preferem tratar o campo de estudo como futurologia e seus profissionais, por sua vez, como futurólogos. Há ainda quem opte por alternativas. “Reconheço que tem essa disputa, mas ambos são vagos. Eu prefiro falar em estudo de cenários futuros”, aponta Flávio Ferrari, professor da ESPM e fundador da SocialData.

Os nomes variam, mas o significado mantém um eixo comum, como define Paulo Renan, diretor de arte da Rito.CC. “A futurologia é o conjunto de métodos que têm a intenção de mapear, imaginar, sistematizar, ilustrar e experimentar possibilidades de futuros. É importante dizer que a futurologia não tem o objetivo de acertar um futuro, mas, sim, de explorar as várias possibilidades de futuros, a fim de antecipar cenários e situações complexas e, assim, melhorar nossa capacidade de tomar decisões no presente”, explica.

Enquanto uma pesquisa de mercado, por exemplo, busca produzir uma fotografia do presente, a futurologia se debruça nos sinais emergentes que ajudem a entender o que está por vir. “Não é um exercício criativo, mas de captar sinais”, define Henrique Paes Dias, líder da unidade de futuros da Box 1824.

A “medida” do futuro também pode mudar. Parte do trabalho de análise é entender o tempo que será necessário para que tais sinais se desenvolvam, assim como a sua intensidade e probabilidade. Para Sabina Deweik, professora da Fundação Dom Cabral (FDC) e consultora que trabalha com a metodologia de cool hunting desde 1999, a futurologia também acelera futuros possíveis. “Porque, na realidade, não existe um futuro. Existem futuros, no plural. Esses futuros dependem da nossa escolha, daquilo que nós fazemos aqui e agora”, aponta.

Sabina Deweik

“Na realidade, não existe um futuro. Existem futuros, no plural. Esses futuros dependem da nossa escolha, daquilo que nós fazemos aqui e agora”, diz Sabina Deweik, professora da Fundação Dom Cabral (FDC) e consultora (crédito: divulgação)

Possibilidades metodológicas

Sabina acrescenta: “Os futuros são afetados por diversos fatores que impulsionam essa mudança. Nós chamamos de drivers de mudança. São forças internas e externas que vão moldando o desenvolvimento de futuros. Podem ser movimentos sociais, inovações tecnológicas, novos desafios ambientais, desafios da sociedade, novos comportamentos. Tudo isso pode acelerar ou não esse desenvolvimento de futuros”, explica a professora da FDC.

Cada empresa ou especialista tem a sua metodologia própria para decodificar esses sinais e futuros possíveis. Henrique Paes conta que na Box 1824, por exemplo, o trabalho começa com a escuta aos especialistas e acadêmicos da área estudada. Entra também a volumetria do mercado, dados, índices, parâmetros. Depois, é feita uma busca a respeito das iniciativas inovadoras de startups, faculdades, assim como insights da cultura, ficção e eventos de inovação. “O futuro não é um ponto de chegada. É algo construído. Você tem que fazer um grande funil”, explica o executivo.

Depois de criar esse mapa sobre o que está acontecendo no mundo, a análise começa a ser decantada para aquilo que faz sentido para o mercado e segmento em questão. Depois, entra-se no negócio do cliente e começam as trocas e recomendações.

As possibilidades metodológicas são muitas. Especializada em experiências imersivas, a Rito.CC busca conectar as empresas e os profissionais com os cenários futuros de maneira emocional e sensorial. “Os clientes têm acesso às nossas pesquisas através das experiências. Não criamos relatórios de mapeamento de tendências. Nosso papel é tornar tangíveis esses cenários, transformando-os em objetos, cenas, jogos, arte”, descreve Renan.

Ferramentas para o futuro

Nesse sentido, a aproximação das companhias com os estudos de futuro se deu por uma necessidade de antecipar oportunidades e crises. “Eu vejo as empresas pensando em inovação. E, ao fazer isso, tem que pensar em futuro”, explica Flávio Ferrari. O profissional conta que, hoje, existe uma busca de companhias cujos negócios têm natureza de longo prazo, como saneamento básico e agronegócio. Outras áreas como tecnologia e comunicação também se aproximaram do campo de estudo.

“O grande problema de não saber o que tem lá na frente é que você pode encontrar uma tempestade ou um céu de brigadeiro”, aponta o líder de futuros da Box. Assim, o estudo de cenários futuros se torna uma ferramenta de trabalho que ajuda os negócios a navegarem no tempo e nos contextos.

“Vivemos em um cenário onde os avanços tecnológicos nos surpreendem diariamente, impactando muitas vezes de forma transversal a indústria e a sociedade. Antecipar cenários pode gerar insights poderosos para inovação, novos processos, novas áreas de atuação, novos produtos e serviços, para mapear as possibilidades de relevância do seu produto ou marca nos mais variados cenários”, analisa o diretor da Rito.CC.

Soma-se a isso o fato de que a pandemia foi responsável por acelerar uma série de tendências e mudanças de comportamento, o que parece ter corroborado com esse olhar do mercado para a análise de comportamento. “Eu sinto que a minha profissão era um pouco incompreendida antes da pandemia. E, durante a pandemia e depois, teve um aumento de interesse por essa disciplina de futuros, cool hunting, análises de tendências, antecipação de cenários”, relata Sabina Deweik.

Em 2020, o Fórum Econômico Mundial apontou a alfabetização para futuros como uma das principais habilidades para lidar com o mundo pós-pandêmico.

Vitrine global

Outra mola propulsora dessa disciplina são os festivais de inovação e os profissionais que, de alguma forma, se tornaram referência no assunto. Mercados mais abastados, como a Europa e os Estados Unidos, estão mais acostumados a trabalhar com essa cadeira. Empresas, como a Ikea, contam com departamentos internos dedicados ao estudo de futuros e a posição de chief future officer se popularizou nos últimos anos. “No mercado latino, isso é muito novo e chegou via empresas e profissionais do hemisfério norte”, aponta Henrique Paes.

O líder da unidade de futuros da Box 1824 acrescenta: “Quando eu comparo 2005 com hoje, o cliente médio brasileiro não conhecia a Box, mas também não conhecia a Amy Webb ou o SXSW”, analisa. Isso fez com que a curiosidade pelo tema crescesse, sugere.

O fundador da SocialData concorda com a importância das celebridades futuristas para gerar atenção sobre o tema e o desenho de futuros, mas destaca que parte de sua função é, de fato, estar sob os holofotes. “Elas vão falar sobre as coisas que geram atenção”, salienta Ferrari. Ele também lembra que, apesar de poucas pessoas terem a projeção de nomes como Amy Webb ou Faith Popcorn, em cada mercado existem os profissionais com capacidade de indicar futuros.

Henrique Paes Dias

Henrique Paes Dias, líder da unidade de futuros da Box 1824da Box 1824: “Não é um exercício criativo, mas de captar sinais” (crédito: divulgação)

Subjetivo versus objetivo

Apesar do interesse crescente, a futurologia ainda precisa vencer alguns obstáculos. “O primeiro desafio é tirar a subjetividade de algo que não é subjetivo”, aponta o executivo da Box 1824. Isso porque, apesar de gozar de métodos e se basear em dados, a área ainda é encarada com desconfiança. Outras necessidades são a formação de profissionais e, efetivamente, encontrar a verba nas empresas. “Muitas vezes essa linha não está orçada no budget desse cliente”, acrescenta Henrique.

Além disso, a própria ideia de projetar futuros pode parecer antinatural. “A tendência que nós temos, enquanto sociedade, é de pensar em utopia ou distopia. Isso nos distancia da possibilidade de protopia. É menos comum falar: o futuro não existe. Vamos construir isso aqui”, aponta o professor de análise de cenários futuros da ESPM.

Já Sabina enxerga um desencontro entre os níveis de consciência e evolução. “Nossa sociedade evoluiu muito mais rápido do que as organizações estão evoluindo. Então, nós, como futuristas, precisamos pegar na mão e trazer um pouco essas pessoas para o futuro que nós estamos enxergando”, opina.

Para o futuro da própria área, a previsão dos analistas é que a futurologia ganhe espaço no cenário corporativo e atraia profissionais. “Será entendido como uma cadeira ainda de suporte, mas um suporte extremamente importante”, projeta Henrique Paes para o setor daqui a cinco anos. Também deve se mostrar estratégico para um dilema atual: a atração e retenção de talentos. “Quando você convida as pessoas a pensarem juntas no futuro, e as escuta, traz para a conversa, você dá um sentido de participação”, afirma Ferrari.

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