Taís Farias
10 de abril de 2024 - 6h00
Para os especialistas, um dos fatos mais evidentes que ajudam a explicar esses choques geracionais é que essa seria a primeira vez em que tantas gerações diferentes frequentam o mesmo espaço de trabalho (Crédito: MPetrovskaya-AdobeStock)
Não é incomum encontrar pelas redes sociais memes, piadas e causos sobre o comportamento da Geração Z no trabalho. O contrário também é verdadeiro e não são poucas as reclamações sobre a rigidez dos Baby Boomers e da Geração X ou a temática workaholic dos millenials. Apesar do tom bem-humorado, as brincadeiras são efeito colateral de um problema bastante real para as lideranças.
Com profissionais permanecendo por, cada vez mais, tempo no mercado e os mais jovens tendo suas primeiras experiências profissionais, o mundo do trabalho se torna o terreno perfeito para que as diferentes expectativas e comportamentos entrem em conflito.
As lideranças, por sua vez, ganham o desafio de entender como engajar e reter públicos com aspirações que passam longe de serem as mesmas.
Para os especialistas, um dos fatos mais evidentes que ajudam a explicar esses choques geracionais é que essa seria a primeira vez em que tantas gerações diferentes frequentam o mesmo espaço de trabalho. Seriam elas: os Baby Boomers (nascidos entre 1940 e 1960), a Geração X (entre 1960 e 1980), a Geração Y ou millennials (entre 1980 e 1995) e o público da Geração Z (entre 1995 e 2010).
Os estudiosos também não descartam a entrada da GenZ no trabalho como propulsor das discussões. “É importante lembrar que a Geração Z é extremamente numerosa e, até o ano que vem, a expectativa é que ela componha 27% de todo o mercado de trabalho global. Até 2030, vai chegar a 30% do mercado de trabalho. Uma geração mais jovem que o Google”, considera Raquel Dommarco, localization manager da WGSN no Brasil.
Qual o valor do trabalho?
Uma das diferenças mais estruturantes estaria na maneira como esses diferentes grupos reconhecem o esforço laboral. Leonardo Berto, gerente da operação da Robert Half, explica: “As outras gerações veem o trabalho como uma âncora importante da vida. É o seu motor”. Já os mais jovens teriam uma relação simbólica com o trabalho ainda em construção e uma busca maior pelo equilíbrio entre as várias esferas da vida.
“A GenZ já viu que não, necessariamente, você vai conseguir ganhar dinheiro com o que ama”, concorda Januza Lemos, diretora de estratégia da BOX 1824. Desse olhar nasce uma das principais reclamações contra o grupo: a falta de engajamento. A digitalização e o contato com o mundo online também seriam marcantes nesse descompasso, por criar uma outra leitura sobre comunicação e proximidade.
“Para mim, a gestão de expectativa é o maior desafio. A Geração Z é a primeira de nativos digitais e, nesse contexto, a inquietação fala alto porque eles estão acostumados com a rapidez, informações instantâneas e esperam processos ágeis no dia a dia e sabemos que isso pode impactar diretamente as lideranças e as organizações que, por sua vez, têm processos mais lineares”, analisa Daniella Alledo, diretora de gente e cultura da Bauducco.
Essa velocidade da comunicação digital seria responsável, ainda, por fazer com que esse grupo demande feedbacks constantes, assim como novos desafios. “Em um espaço curto de tempo, ela se vê como consolidada”, reflete o gerente da Robert Half.
Saúde mental e relações tóxicas
Mais ativista e ligada a questões identitárias, a Geração Z leva o propósito e a diversidade como prioridades no trabalho. Outro grande ponto de atenção é a saúde mental. Isso acontece não só por uma valorização e popularização do tema, mas por terem acompanhado a experiência de outros profissionais. “Eles são filhos de uma geração de mães e pais burnoutados”, avalia a diretora de estratégia da BOX 1824.
Nas pesquisas realizadas pela consultoria, o respeito e a empatia aparecem como alguns dos conceitos mais valorizados por esse público. Eles também estariam muito atentos aos limites nas relações. “A geração levou esse conceito de relações tóxicas também para dentro das empresas”, acrescenta Januza.
Fabiana Ramos, CEO da PinePR, concorda: “Em comparação com gerações anteriores, essa nova geração é menos workaholic e busca ambientes que equilibram vida pessoal e profissional. As empresas precisam considerar isso e ajustar seus modelos, reconhecendo que é possível alcançar produtividade sem comprometer o bem-estar”.
Recorte de classe
É importante lembrar que as gerações e suas denominações foram agrupadas artificialmente para generalizar os comportamentos e o momento de vida de um grupo de pessoas que nasceram no mesmo período, mas existem uma série de nuances que atravessam suas realidades. O mesmo vale para a experiência no trabalho.
“Essas discussões permeiam todas as classes, mas impactam mais classes médias e altas”, explica a diretora de estratégia da BOX 1824. Ainda que a lógica seja a mesma, jovens com menor nível de escolaridade, acesso e recursos financeiros não tem o privilégio de fazer tantas escolhas quanto a entrada no mercado profissional.
Cultura do mimo
A executiva da WGSN cita um estudo da Penn State University. Seu principal argumento seria que os millenials e algumas pessoas na Geração Z tem uma atitude diferente com relação ao trabalho, porque atravessaram duas recessões seguidas, durante sua entrada e consolidação no universo profissional. Uma experiência diferente da vivida por grupos anteriores. Isso faria com que a valorização de fatores como estabilidade e constância migrasse para valores, como criatividade e paixão, que dependem menos de estruturas externas.
“Mundialmente, a Geração Z tem um poder de compra de mais de US$ 450 bilhões. Apesar de ser um mercado gigante, com enorme potencial, existe um paradoxo aí que é o aumento do custo de vida. Um fenômeno global. Então, como grupo, eles têm um grande poder de compra. Mas, no individual, o custo de vida é uma questão que os preocupa”, explica Dommarco. Nesse sentido, mais uma vez, recortes como gênero, raça, classe social e escolaridade vão impactar diretamente no nível de vulnerabilidade desse jovem trabalhador.
Nesse cenário, a WGSN destaca a ascensão de um comportamento de romantização de estilos de vida banais e o surgimento da “cultura do mimo”. Para aplacar as dificuldades de entrar na vida da adulta e no meio profissional em meio a uma policrise e com custo de vida alto, o jovem busca metas alcançáveis, uma rotina pautada no bem-estar e recompensas por atividades custosas que estejam dentro do seu orçamento.
“Isso significa que, muitas vezes, eles vão deixar de lado a glamourização da ambição, que marca as gerações anteriores no mercado de trabalho, por exemplo, os millenials. De ter ambição de ser o melhor sempre, que vem muito herdado desde os boomers. E essa geração está, conscientemente, preferindo estabelecer e idealizar estilos de vida mais simples, mais realistas”, aponta.
Assim, aceitação do banal atuaria como um antídoto à cultura do burnout que as gerações mais jovens começam a rejeitar e ganha força o tema das microalegrias, felicidades diárias relacionadas à vida cotidiana.