Jonas Furtado
28 de abril de 2023 - 8h22
Enquanto a indústria de telecomunicações comemora a marca de um bilhão de pessoas com acesso à tecnologia 5G, e já projeta o uso das redes 6G para fins comerciais em 2030, é preciso lidar, ao mesmo tempo, com a realidade de que 45% da população da Terra, algo em torno de 3,6 bilhões de pessoas, ainda não têm acesso algum a nenhum tipo de conexão móvel.
Embora complexo, o paradoxo da conectividade é similar ao de outros setores, no capitalismo de mercado. À medida que a demanda por transformação digital e conveniência aumenta, é preciso encontrar tecnologias para acompanhar o anseio dos consumidores e da indústria por inovação.
Mas, além de evitar o aumento das disparidades econômicas e a marginalização da parcela da população sem condições econômicas de, literalmente, pagar o preço de acesso aos novos mundos virtuais e híbridos, a evolução das capacidades e entregas por parte das empresas precisa vir acompanhada de soluções que levem em conta uma cadeia de produção mais sustentável, em linha com os objetivos e acordos globais de contenção no uso de matérias-primas e energias não-renováveis.
O fim da era da abundância
A consultora Kate Ancketill, fundadora e CEO da consultoria britânica GDR, acredita que a valorização de experiências imersivas e digitais, em vez de indulgências consumistas tradicionais, será uma das maneiras para o mundo lidar com o fim de uma era de abundância. Ela diz que o estímulo a chamada economia da dopamina, na qual as emoções são valorizadas em detrimento da propriedade, é uma ferramenta eficiente em tempos de escassez de recursos naturais e econômicos. E é exatamente esse o cenário de futuro a partir do qual ela faz suas projeções.
“Estamos vivendo sobre a influência dos 3C´s, a era da covid, do conflito e da mudança climática. É uma combinação de diferentes influências, ligadas à pandemia, a transformação da cadeia de suprimento, e restrições de fornecimento de energias e outros recursos essenciais”, afirma Kate, especialista em traçar cenários futuros para os negócios de grandes empresas como Microsoft, Target e P&G. “Todos esses fatores somados resultam no fato que não podemos mais confiar em uma cadeia abundante. Precisamos nos acostumar a viver com menos e a fazer mais com menos”.
A ascensão da economia circular
Além da valorização das experiências virtuais e dos produtores locais, a aplicação do design regenerativo, com o reaproveitamento de materiais, e o incentivo ao uso de artigos de segunda mão também serão motores importantes na transformação radical da cultura do consumo. É a ascensão da economia circular, da qual uma das principais vertentes é o endereçamento da responsabilidade do descarte e da reutilização de produtos para o fabricante da peça original. As soluções precisam contemplar tanto o problema dos lixões gigantescos, que hoje servem como depósito de produtos inutilizados ou defasados, quanto a redução da extração e do consumo de matéria-prima.
Uma das tendências em alta é a estratégia de resale, que não passa necessariamente por oferecer grandes descontos nos preços de artigos usados ou do serviço de reparo cobrado do consumidor final. Nas lojas da Patagonia, o conserto de uma peça pode sair quase tão caro quanto uma roupa nova, para que essa conta feche e a empresa siga obtendo lucro dentro desse modelo. Ou seja: é preciso que o consumidor esteja ciente e de acordo com a proposta de valor da marca e da dinâmica heterodoxa dessa transação, em comparação com o capitalismo como o praticamos atualmente.
A força das comunidades e o papel da publicidade
Para que esse convencimento ocorra de maneira mais orgânica, o estímulo à sensação de pertencimento a uma comunidade é uma das maneiras mais eficientes. E as melhores ferramentas para gerar esse engajamento são a transparência e comprometimento de uma empresa em assumir, junto à sociedade, responsabilidades que estejam alinhadas com sua atuação, uma versão contemporânea e altruísta, com desdobramentos além-mercado. do que foi consagrado chamar de “propósito” de uma marca.
Nesse território vasto e fértil a ser explorado por marcas criativas e compromissadas, a publicidade pode ocupar um lugar relevante, assumindo um papel mais educativo, ao influenciar as mudanças de comportamento necessárias a uma era de consumo sustentável.
Para ganharem alcance e visibilidade, as ações das empresas para reduzir o ritmo das mudanças climáticas precisam ser difundidas. Uma abordagem que envolva mensagens positivas e acessíveis ao público sem familiaridade com o tema costuma alcançar resultados melhores do que o uso de terminologias científicas, que dificultam a compreensão.
Em uma sociedade politicamente e socialmente polarizada, também é preciso vencer a resistência de parte do público, que acredita que o aquecimento global não passa de uma estratégia alarmista para mudar o fluxo global do capital e impactar a ordem vigente, contribuindo para a conversão de conservadores em progressistas.
Ao longo dos últimos cem anos, já ficou provado a eficácia da publicidade para elevar os níveis de consumo além do racionalmente necessário. Com a necessidade de reduzir as emissões de carbono praticamente à metade até 2030, antes que as consequências das mudanças climáticas se tornem irreversíveis, talvez tenha chegado a hora da propaganda mostrar sua eficiência também no sentido contrário. Nessa busca por um novo propósito para o comércio, conexão e cultura serão fundamentais.
“A mensagem pode ser muito positiva. É possível ganhar dinheiro na economia circular, é preciso somente ajustar o mind set”, pondera Kate Ancketill. “Há um papel importante que a publicidade pode prestar, mostrando como soluções práticas e simples podem ser divertidas, possíveis, envolver todo mundo e não reforçar essa ideia de que os problemas são tão grandes que uma pessoa sozinha não pode causar um impacto”.