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“Ah, mas o Web Summit está muito político”

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Opinião

“Ah, mas o Web Summit está muito político”

É tudo sobre nossa existência e existir é político. Sinto dizer a quem ainda não entendeu


2 de novembro de 2022 - 13h24

Em sua segunda edição “pós-pandemia”, o Web Summit Lisboa 2022 começou com todos os ingressos esgotados e deve reunir, ao longo desta semana, mais de 70 mil pessoas. A conferência, que é classificada por alguns jornais americanos e europeus como “o lugar onde o futuro vai nascer” e “o evento que reúne os sacerdotes da tecnologia de todo o mundo”, sempre traz em sua noite de abertura o tom do que esperar das conversas. Ano passado, um dos destaques foi para Frances Haugen, a ex-funcionária que denunciou o Facebook; e Ayo Tomit, cofundadora do movimento Black Lives Matter.

Ambas trouxeram em suas falas provocações sobre quem seríamos quando saíssemos daqui e o que faríamos com isso – além de um reforço sobre a construção da tecnologia em cima da verdade, num mundo que acabava de sair de discursos recheados de fake news sobre a vacina e um dos momentos mais doloridos da contemporaneidade.

Esta terça-feira, 1º, primeiro dia de 2022, não foi diferente. Paddy, fundador do evento, começou agradecendo a maior delegação presente – nós, os brasileiros – e parabenizando pelas as últimas eleições no Brasil. Olena Zelenska, primeira-dama da Ucrânia, foi o destaque da noite com seu discurso emocionado: “eu acredito que a tecnologia deveria ser usada para criar e para salvar as pessoas – não ajudar a destruir o mundo. Eu acredito que a tecnologia é o futuro (…), mas o mais difícil é vê-la sendo usada a serviço do horror. Ajudando a Ucrânia, vocês ajudam o mundo a seguir na direção certa. Vamos fazer isso juntos”.

Antes dela, líderes de Apple, Binance (corretora de criptomoedas) e do governo português pareciam repetir a questão o que temos escutado do ano passado pra cá, seja no WebSummit, no SXSW ou em Cannes: nesse cenário de mundo incerto, de crise social e ambiental, de pós-verdade e insegurança sobre o futuro coletivo, ao que se preza esse tipo de conferência e o que cada um de nós pode fazer ao ter o privilégio de estar aqui?

Num Google rápido vocês podem achar as falas principais deles, mas aqui nesse artigo quero atentar para o que ouvi pelos corredores do evento e olhando as redes sociais e grupos de WhatsApp de quem está pelas bandas de cá. Há quem critique a vinda da Olena (“mas ela não deveria estar lá na Ucrânia?”) ou diga que a abertura foi “muito política”. Será que essas pessoas realmente entenderam a proposta do evento?

Há uma sensação geral de que os últimos eventos estão “flopados”, ou mesmo com conteúdos que se repetem. Todos querem um termo novo, a tendência de última hora, a sacada de algum futurista. Acontece que não há futuro sem presente, essa frase clichê de milhões. Avançamos nas teorias, mas não na prática e aplicabilidade dos discursos.

Todos os grandes palestrantes dessas conferências estão, há pelos menos um ano, reforçando que não há como olhar para tecnologia se não olharmos para a responsabilidade de quem está por trás da construção dela e dos algoritmos. Ou seja: nós. Não há como falar de Web3, essa tal transição da internet dos usuários para membros, sem falar de como construir comunidades, diversidade e inclusão. Sem falar de nós. Não há como falar de blockchain, crypto e regulamentações que protejam consumidores sem barrar inovação e sem falar… de nós. Por fim, não há como ver a pauta de ESG dominando os eventos recentemente sem falar sobre aquecimento global, responsabilidade coletiva e meio ambiente. É tudo sobre nossa existência e existir é político. Sinto dizer a quem ainda não entendeu.

O Web Summit, inclusive, inaugurou algumas novas frentes de painéis este ano: um palco só para discutir marketing de influência e outro para crypto. Pegou a visão? Palco para quem influencia linguagem, comunicação e venda no mundo hoje, assim como novas formas de falar/usar o dinheiro. Fora isso, há um incentivo para que 50% do público seja feminino, com a iniciativa Women in Tech, e o aumento do número de palestrantes negros foi foco da curadoria desse ano, comparado aos últimos. Ah, e esses últimos, não falando de diversidade, mas sim das pautas onde são especialistas.

Então, deixo aqui um convite aos amigos brasileiros privilegiados que, assim como eu, em sua maioria são brancos e sudestinos, que sentem à mesa de uma Europa que está abrindo a sala de casa para que a gente possa se inspirar nos próximos dias para a aplicabilidade dos discursos de inovação e impacto. Somos um povo muito criativo, que domina a internet e a tecnologia como poucos, e temos uma grande responsabilidade nas mãos com tudo isso.

Olhando para o dicionário e para a semântica da palavra “político”, estamos falando que o termo significa “uma pessoa que influencia a maneira como a sociedade é governada”. Que sejamos as pessoas que podem influenciar a construção de um futuro melhor. Sim, o Web Summit é político.

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