É preciso tornar visível a feminilidade da mulher com deficiência
Encurtar os caminhos e eliminar as barreiras que atrapalham a mulher com deficiência vai muito além da inclusão
É preciso tornar visível a feminilidade da mulher com deficiência
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19 de março de 2025 - 14h47
(Crédito: Shutterstock)
No Mês da Mulher, é preciso reforçar que a mulher com deficiência tem seu gênero completamente anulado. Além das opressões que as afastam do crescimento pessoal e profissional, a mulher com deficiência ainda passa pelo capacitismo, que a invisibiliza na sua feminilidade, como se fosse um ser assexuado. O capacitismo reduz nossa importância e nos rotula como seres ausentes de desejos, vontades e autonomia.
Sendo mulher com deficiência e mãe, ao circular com a minha filha, já ouvi comentários e perguntas como: “Nossa! Como você fez para ser mãe?” E eu respondo: “Quer mesmo saber? É íntimo!”
A nossa deficiência oprime nossa própria identidade de gênero. Especificamente no mercado de trabalho, ouso afirmar que a anulação do gênero oprime os dois lados. As dificuldades sentidas por homens e mulheres com deficiência são praticamente semelhantes. Segundo a pesquisa “Radar da Inclusão”, realizada Talento Incluir, Instituto Locomotiva e IO Diversidade, o capacitismo sofrido no trabalho oprime mulheres e homens da mesma forma.
O levantamento mostra que 78% das mulheres e 73% dos homens afirmaram ter sofrido capacitismo no trabalho, ou seja, a diferença é muito pequena. Também a mesma porcentagem de homens e mulheres (49%) respondentes afirma que deixou de ser promovido(a) por ter alguma deficiência.
Contudo, ainda que o capacitismo oprima quase que igualmente os dois gêneros, as mulheres com deficiência têm o desafio de conviver com a interseccionalidade sobreposta, por ser mulher e por ter a deficiência.
A pesquisa exemplifica isso quando mostra que a mulher com deficiência está mais preparada que o homem com deficiência, pois 67% delas têm curso superior completo, frente a 65% dos homens. Apesar disso, os homens com deficiência são mais promovidos, com uma diferença de 3% entre os dois. Também a maioria delas (52%) afirmam já terem sido desqualificadas no trabalho por conta deficiência, enquanto 49% dos homens citam a mesma situação.
Além das opressões que o mundo do trabalho impõe à mulher, as que têm deficiência estão mais expostas às opressões e demais violências, como:
Rótulo de assexuada e vítimas de abusadores, pois, quando não somos vistas como “não sexies”, somos vistas como objetos sexuais. O caso da ex-ginasta e tetraplégica Laís Souza, é um desses exemplos. Após sofrer um acidente que a deixou em cadeira de rodas, Laís enfrentou abusos de seus cuidadores. Essa experiência de violência, muitas vezes praticada por aqueles que deveriam cuidar da sua segurança, reflete como as mulheres com deficiência são vistas como seres passivos, sem autonomia e desejos. Tal percepção distorcida contribui diretamente para a violência que enfrentam, principalmente a sexual, e para o apagamento de sua feminilidade.
Rótulo de incapacidade, pois somos vistas como pessoas que precisam ser servidas e, assim, nas relações familiares, muitas vezes, blindadas do servir que o machismo impõe. Como podemos servir nossos maridos? São assim muitas histórias de discriminação nas famílias de nossos cônjuges.
Abuso emocional e dependência do(a) cônjuge, muitas mulheres com deficiência são vítimas de chantagem na relação por serem dependentes dos maridos. Inclusive alguns as fazem ser ainda mais dependentes do que seriam, apenas para tê-las em domínio;
O documentário “Transo”, produção do Canal Futura, que trata sobre a vida sexual de pessoas com deficiência, surge como um marco importante para desafiar tabus. Lançado no fim de 2023, é uma obra representativa da realidade das 18,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, segundo dados oficiais do governo.
No entanto, é fundamental que a discussão vá além da sexualidade. Existe uma violência silenciosa e constante que afeta essas pessoas, especialmente as mulheres: o preconceito, que frequentemente anula a feminilidade, fazendo com que sua identidade sexual, emocional e social seja minimizada.
A britânica Kat Watkins, representante da Disability Wales (DW), associação para alcançar direitos, igualdade e via independente de pessoas com deficiência no País de Gales, reforçou em entrevista à BBC que as mulheres com deficiência têm o direito de explorar sua sexualidade e afetividade sem serem tratadas como seres desprovidos de desejo, uma premissa básica que muitas vezes lhes é negada.
Ela explica que a objetificação sexual das mulheres com deficiência muitas vezes é naturalizada. A DW promove o modelo Social da Deficiência, que identifica que são as barreiras ambientais, organizacionais e atitudinais que incapacitam as pessoas e impedem sua plena participação na sociedade, e não suas condições médicas ou deficiências.
O estudo “Atlas da Violência 2024”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que as mulheres com deficiência têm até sete vezes mais chances de sofrer abusos em comparação aos homens com deficiência. O levantamento revela que essas mulheres enfrentam não apenas as formas de violência comuns a todas as mulheres, mas as vulnerabilidades específicas, como o isolamento social, a dependência de cuidadores e a limitação em sua defesa física, fatores que ampliam sua exposição ao risco.
Um levantamento publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2024 constatou que mulheres com deficiência correm maior risco de sofrer violência por parte de parceiros íntimos, além de apresentarem taxas elevadas de violência sexual.
A relação entre a deficiência e aspectos como raça, classe social, idade e etnia também cria um cenário mais complexo e perigoso. As mulheres com deficiência intelectual, por exemplo, são ainda mais vulneráveis à violência sexual, o que exige ações mais eficazes e políticas públicas que as protejam adequadamente. A gravidade dessa situação motivou a criação do Projeto de Lei 496/2020, que busca obrigar o poder público a coletar dados sobre a violência contra pessoas com deficiência. O projeto, que está tramitando no Senado, é um passo importante para garantir que essa realidade seja reconhecida e combatida com mais efetividade.
A informação e a mudança de atitude são iniciativas fundamentais para aumentar a inclusão de mulheres com deficiência e para mobilizar políticas públicas que valorizem e respeitem nossos direitos, no mundo do trabalho e na sociedade como um todo.
Mulher com deficiência não é um gênero sexual exclusivo. É mulher, também. Encurtar os caminhos e eliminar as barreiras que atrapalham a feminilidade da mulher com deficiência vai além da inclusão. É colaborar para exercermos nossa identidade feminina de forma plena, justa, igualitária e, de fato, mais humana.
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