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Opinião

A beleza do contraponto

A evolução não acontece apenas ao lado de quem concorda conosco, mas também por meio da fricção saudável


30 de setembro de 2024 - 9h46

(Crédito: Shutterstock)

Lembro como se fosse hoje em uma terça-feira qualquer, durante a aula de história da professora Miriam, uma das preferidas, no colégio onde estudava em Jundiaí. Fizemos uma atividade onde simulamos o debate presidencial daquele ano.

Os candidatos eram fictícios, mas precisávamos, em grupo, desenhar propostas, posicionamentos e argumentos para exemplificar figuras diametralmente opostas. Cheguei mais cedo à escola para preparar algumas fichas que iríamos utilizar para guiar a conversa, quando me deparei com um grande desafio: meu grupo decidiu seguir a linha do candidato cujas ideias não eram as minhas favoritas. Para minha surpresa, fui a escolhida para representá-lo no debate. Naquele momento, me senti contrariada, irritada, e até um pouco frustrada. Contudo, a tarefa contava na nota e tive que exercitar uma das coisas que considero uma das lições mais importantes daquela ocasião: ouvir e se conectar com o contraponto.

Algumas dezenas de anos depois da atividade da Dona Miriam, vivemos um contexto histórico em que a polarização tem marcado nossa sociedade e, aos poucos, estamos desaprendendo a dialogar com pensamentos diferentes dos nossos e perdendo a capacidade de escuta.

O consumo de informação e os algoritmos cada vez mais afiados nos colocam em contato com conteúdos que reforçam nossas crenças e nos ajudam ainda mais em construir argumentos para fortalecer as narrativas que contamos e recontamos para nós mesmos. E o que acontece quando estamos em contato com o diferente?

Uma pesquisa da Edelman Trust Barometer, divulgada em 2023, mostra que 78% avaliam que o país está mais dividido que no passado, e 80% apontam que a falta de respeito mútuo cresceu no país. Os dados revelam, por exemplo, que apenas 29% estariam dispostos a ajudar alguém que pensa diferente e apenas 21% estão abertos a morar na mesma vizinhança de quem tem um ponto de vista diferente.

E o que isso tem a ver com nosso mercado corporativo? Absolutamente tudo. Estamos enfrentando uma dificuldade crescente em desenvolver diálogos construtivos e trabalhar em equipe a partir da discordância. Estamos perdendo a oportunidade de apreciar a beleza no contraponto.

Observo desde a minha cadeira (que prometo não jogar em ninguém) que estamos perdendo a capacidade de promover conversas difíceis para aprimorar processos, projetos e conexões porque estamos todos à flor da pele, mais agressivos do que nunca e impacientes com o que não concordamos. Em muitos casos, temos evitado promover conversas difíceis, aquelas que são essenciais para o crescimento.

Precisamos refletir o quanto este comportamento é sustentável e como iremos formar uma nova geração de profissionais diversos que consigam construir coletivamente. Temos que exercitar nossa escuta, dialogar com respeito e buscar se conectar com as pessoas de forma mais profunda. Aprender a ouvir o que não concordamos e também refletir se nossas verdades absolutas ainda não carecem de revisão é parte do dever de casa de todos.

A evolução não acontece apenas ao lado de quem concorda conosco, mas também por meio da fricção saudável.

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