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A evolução da forma de trabalho: precisa fazer sentido

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Opinião

A evolução da forma de trabalho: precisa fazer sentido

Mais do que estabelecer se é híbrido ou não, a evolução do trabalho exige que ele seja inteligente, flexível e, acima de tudo, faça sentido para todos 


22 de novembro de 2024 - 7h38

(Crédito: Shutterstock)

De um lado, vemos empresas optando pelo retorno presencial aos escritórios, o RTO (return-to-office, na sigla em inglês), como o exemplo recente da Amazon. De outro, o estabelecimento do trabalho remoto como norma, extinguindo inclusive o escritório corporativo. 

Entre os dois polos, a maioria tem optado pelo formato híbrido, em que a frequência entre as duas modalidades fica a critério da empresa, com o TWT predominando – a sigla se refere aos funcionários que só vão ao escritório às terças, quartas e quintas-feiras (em inglês Tuesday, Wednesday, Thursday). 

Algumas pesquisas mostram os efeitos colaterais da falta de flexibilidade, ao exigirem a presença física cinco dias por semana. O estudo amplamente divulgado no início de 2024, realizado por Yuye Ding e Mark (Shuai) Ma, da Universidade de Pittsburgh, concluiu que empresas do S&P 500 que instituíram mandatos de retorno ao escritório registraram uma queda na satisfação dos funcionários sem qualquer aumento perceptível no desempenho geral da empresa. 

Outro, da Upwork, revelou que políticas rígidas de retorno ao escritório têm resultado em um aumento expressivo nas demissões de mulheres em posições de liderança. O que sugere que elas são mais propensas a apoiar o trabalho flexível do que os homens, como comprovado no estudo da Future Forum.

As razões para isso podem estar na experiência das mulheres com a dupla jornada de trabalho (profissional e familiar), maior empatia com a diversidade de necessidades dos colaboradores e uma visão mais orientada ao bem-estar dos funcionários, que o trabalho híbrido pode favorecer. 

Independentemente do gênero, está claro que a flexibilidade é o novo benefício que as empresas devem oferecer. E para compreender os motivos por trás desta necessidade, recorremos à economia comportamental e os seus vieses, que ajudam a entender o que influencia nossas decisões. 

O efeito de posse e a aversão à perda

Se pensarmos no consumo de conteúdo atual, notamos que a interrupção, antes um padrão da programação, passou a ser um inconveniente com um valor estabelecido para evitá-lo.  

O fato é que nos acostumamos a uma experiência da qual dificilmente queremos abrir mão, voltando ao modo convencional. Esse fenômeno tem um nome e atende por o efeito posse – a nossa tendência em valorizar mais algo que temos, e a dificuldade em nos desapegar desse elemento adquirido. 

Depois de experimentar por um período significativo o trabalho remoto, muitos tendem a ver essa modalidade como uma conquista, e a valorizá-la mais agora do que antes, simplesmente pelo fato de já a possuírem.  

Se pudéssemos traduzir este efeito posse em um valor monetário, dados sugerem que os trabalhadores atribuiriam até 8% de seu salário pela possibilidade de trabalhar de casa. E isso não é uma questão geracional, mas do contexto nos quais as pessoas estão inseridas. Além de valorizarem mais o trabalho remoto, por já contarem com essa vantagem, outro efeito pode amplificar a reação negativa à eventual perda, a denominada aversão à perda. 

Viés cognitivo bem documentado, e que pode atuar em paralelo ao efeito de posse, a aversão à perda indica que odiamos duas vezes mais perder do que gostamos de ganhar, segundo comprovações empíricas dos economistas comportamentais.  

Dessa forma, com uma assimetria de dois-para-um, o aumento salarial deveria ser de, no mínimo, de 16%, para compensar a perda dos 8% de remuneração que os trabalhadores atribuem a este benefício. Ou seja, um aumento mínimo de 16% do salário poderia recompensar o esforço em voltar ao escritório todos os dias. Mas será que essa conta realmente fecha?  

Em busca de um exemplo concreto, conversei com Aline Rossin, CEO da agência Live, que após certo tempo provando o modelo híbrido, decidiu não ter mais escritório físico. Segundo ela, “a flexibilidade que o trabalho remoto oferece traz benefícios na qualidade de vida, já que permite aos pais acompanhar o filho/a na escola, fazer uma atividade física com mais regularidade, etc”. Após experimentar essa harmonia pessoal-profissional, fica realmente difícil abrir mão dos benefícios conquistados, reflexo do efeito posse. 

Em busca de sentido: o escritório como ferramenta

Em projetos de treinamento de lideranças que desenvolvo dentro das empresas, percebo, com frequência, a necessidade do trabalho remoto como forma de ganhar concentração e produtividade em ambientes muitas vezes barulhentos ou repletos de distração.  

O trabalho remoto passa a ser uma opção necessária, e deveria estar disponível sempre e quando o trabalho exija um momento de maior isolamento. Por outro lado, o trabalho no escritório pode fazer sentido quando se tem um objetivo de trabalho síncrono em equipe.  

A definição sobre estar ou não no escritório, portanto, tem menos a ver com calendário e mais com necessidade. O escritório pode passar a ser uma ferramenta importante de trabalho, oferecendo recursos para que cada colaborador seja ainda mais produtivo do que seria sozinho à distância, seja por meio de insumos, equipamentos e ambientes.  

Essa é uma forma de oferecer sentido, evidenciando como o trabalho é mais produtivo se trabalhado em equipe no escritório. É menos sobre mesas de sinuca e ping pong, e mais sobre espaços que potencializam novas ideias, promovam aprendizado contínuo a partir de trocas e provocações, e fortaleçam a autonomia ao incentivar o compartilhamento de pontos de vista e divergência construtiva. 

Busca por autonomia e flexibilidade

As organizações estão (ou deveriam estar) cada vez mais priorizando a experiência geral dos funcionários, reconhecendo a necessidade de criar ambientes que acomodem estruturas em evolução, ao mesmo tempo em que promovam satisfação, engajamento e bem-estar de sua força de trabalho. Repensar os escritórios é parte deste processo de evolução cultural. 

Se a pandemia acelerou a transformação digital das empresas, o pós-pandemia exige uma evolução física e logística, com novos formatos e acordos de trabalho. Por que não pensar em novos espaços que sejam potencialmente rentáveis, entendendo que rentabilidade pode ter um caráter financeiro ou reputacional?  

Esses novos espaços são o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chamou de “terceiro lugar”, indicando que, para além do nosso “primeiro” espaço de referência (a casa), e o tradicional “segundo” ambiente em escala de importância (o trabalho), existia ainda um “terceiro” lugar em nossa vida, ou seja, tudo aquilo que se encontra fora dos ambientes domésticos e de trabalho. 

Em relação aos novos acordos de trabalho, vejo um movimento de busca por mais autonomia, principalmente da liderança em relação à sua equipe. No livro “Reinventando Organizações”, Frederik Laloux usa o termo “autogestão” para descrever um modelo organizacional no qual as hierarquias tradicionais e o controle centralizado são substituídos por sistemas de trabalho baseados na confiança, responsabilidade individual e colaboração.  

Para que o trabalho híbrido ofereça sentido, é preciso uma mudança-chave: a da cultura baseada na desconfiança (comando e controle), para a fundamentada em confiança. Como Laloux defende, “trate as pessoas com práticas baseadas na confiança, e elas devolverão essa confiança com um comportamento responsável”. 

Isso me leva de volta à conversa com a Aline Rossin, que ilustra bem essa forma de autogestão pela confiança: “Temos um turnover muito baixo, muito em função dessa liberdade e forma de trabalho, focada na entrega, mas dando liberdade para cada um se organizar como achar melhor”. 

No cenário híbrido, o escritório não deve ser apenas uma obrigação, mas um ambiente que enriqueça as trocas, promova interações significativas e valorize o tempo e a energia dos colaboradores. A criação de um “terceiro lugar” pode inspirar o futuro dos escritórios: um espaço de conexão, aprendizado e criatividade, acessível não só aos funcionários, mas à comunidade ao redor. Essas transformações não só retêm talentos, mas também reforçam a cultura e a identidade da empresa. 

Mais do que estabelecer se é híbrido ou não, a evolução do trabalho exige que ele seja inteligente, flexível e, acima de tudo, faça sentido para todos. Decidi empreender, criando a Human/Rise, pela crença de que é possível ser feliz no trabalho — e que o desempenho genuíno nasce dessa felicidade.  

Como afirma Laloux: “Para sermos felizes, precisamos estar motivados. Para estarmos motivados, precisamos ser responsáveis. E, para sermos responsáveis, precisamos entender por que e para quem trabalhamos, além de termos liberdade para decidir como fazê-lo”. 

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