A honestidade que vem do conflito
Falar abertamente com nossos filhos sobre nossas posições ainda é válido. E realmente acredito que só assim conseguimos contribuir para mudança
Falar abertamente com nossos filhos sobre nossas posições ainda é válido. E realmente acredito que só assim conseguimos contribuir para mudança
25 de maio de 2022 - 0h29
Estou escrevendo essa coluna a poucas horas de pegar um voo para um compromisso profissional em que vou ficar sete dias fora do Brasil. E fora de casa. Quando ela tiver sido publicada, já terá acontecido o Dia das Mães e também a apresentação na escola criada para a data. E eu não vou ter participado.
Lembro que quando fui entrevistada para a minha posição no Yahoo há exatos três anos, naquele momento de “você quer acrescentar alguma coisa?”, eu disse: “Olha, eu tenho uma filha, ainda pequena, e não gostaria de fazer muitas viagens no ano”. Isso foi automaticamente respeitado. Mas aí, após mais de 2 anos em casa, o tempo todo juntas, eu vou viajar bem no Dia das Mães.
Eu poderia recusar? Poderia.
É algo importante para a empresa? Sim.
E para mim? Sim, é um projeto legal demais e eu queria muito participar.
Conversamos em casa, os três juntos. Combinamos que meu marido vai na apresentação da escola e vai fazer uma live com o celular para que eu possa assistir a ela cantando e dançando a música especial das mães. Ela disse que vai tentar cantar mais alto do que todos para que eu escute. Ela vai fazer um passeio especial com o pai no domingo, dia 8. E vamos também adiar o nosso Dia das Mães para o domingo seguinte, 15 de maio, quando eu chegar de viagem. Sim, tenho a “sorte” de contar com uma rede de apoio que funciona.
Ela contou tudo na escola, descobriu que as mães de algumas outras crianças também não vão participar porque estão viajando. E, então, ficou tudo certo… Mas, durante o jantar, há dois dias, ela me disse: “Olha, eu preciso falar isso: todo mundo fica me falando que o Dia das Mães deve ser todos os dias, que eu deveria estar orgulhosa de você, que é importante pra você. E eu sei que você cuida muito bem de mim todos os dias e está sempre perto de mim. Mas quer saber? Eu não estou orgulhosa, eu não gosto que você tenha que ir viajar ou ir trabalhar no escritório, eu estou triste e vou ficar triste na apresentação da escola e no domingo. Eu entendi tudo, mas só queria te dizer isso.”
É claro que meu coração partiu. Mas ao mesmo tempo, foi um momento tão forte e poderoso entre a gente. E fiquei tão feliz de ela fazer exatamente aquilo que sempre ensinamos: expor seus sentimentos, dizer o que pensa e de uma forma tão madura!
No último mês tive várias conversas, treinamentos, dei entrevistas falando de diversidade, inclusão e do papel da mulher em lideranças. Ouvi mais de uma vez que continuamos lutando por um espaço mais igualitário no ambiente de trabalho, mas nem sempre fazemos o dever dentro de casa.
Uma fala em especial me fez pensar por dias. Amelia Ranson, diretora de Engagement & Diversity da Avalara, sendo entrevistada em um podcast sobre racismo e o caso George Floyd, falou: “Não preciso que você fale com mais negros, preciso que fale com mais brancos. Eu preciso que você fale com seus filhos cedo e com frequência. Não falar com seus filhos sobre raça não é a mesma coisa que dizer a seus filhos ativamente sobre como não ser racista. Você não deixaria de silenciar tópicos como sexo, ou drogas, ou álcool. Sua posição como pai é clara sobre essas coisas em sua casa se você tem filhos e diz isso com frequência. Não temos essas conversas sobre raça. Então, dizemos coisas como, ‘ah, não vemos cor. Seus filhos veem cores. Você simplesmente não está falando com eles sobre isso. As pessoas que vão influenciá-los sobre esse tópico, se você não o fizer, são os extremistas”, pontua ela.
É uma fala tão poderosa que faz a gente repensar sobre tudo e traz aquele filminho na cabeça sobre se estamos realmente falando abertamente sobre racismo com nossos filhos. Educando, tomando as atitudes certas e agindo de acordo. Mas vale não só para o racismo, e sim para todas as coisas importantes em que acreditamos, para nos posicionar também com nossos filhos e guiá-los para serem seres humanos melhores.
Para mim, neste momento, ser essa mulher/mãe significa ter que ir viajar bem no Dia das Mães. Não estou dizendo que é o certo, nem tentando ditar a outras mulheres o que fazer. Cada uma de nós faz as suas próprias escolhas do que vai nos fazer feliz. E do que conseguimos ou não conseguimos fazer. Mas o ponto de falar abertamente com nossos filhos sobre nossas posições ainda é válido. E realmente acredito que só assim conseguimos contribuir para mudança.
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