A jornada de Carmela Borst em prol do impacto social
CEO da edtech Soul Code acredita que inovação e diversidade caminham juntas e a guiaram ao longo de sua carreira em tecnologia
A jornada de Carmela Borst em prol do impacto social
BuscarCEO da edtech Soul Code acredita que inovação e diversidade caminham juntas e a guiaram ao longo de sua carreira em tecnologia
Marina Vergueiro
11 de outubro de 2023 - 12h15
Para Carmela Borst, fundadora e CEO da Soul Code Academy, existe vida após uma longa jornada profissional nas grandes multinacionais. Filha de mãe nordestina e pai italiano, nascida e criada no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, a executiva atuou por quase 20 anos no departamento de marketing da empresa de tecnologia Oracle. Com passagens pela Infor e Aon, decidiu converter-se em uma empreendedora social de educação para apoiar vulneráveis a entrar no mercado de trabalho.
O interesse pelo ativismo social começou ainda na infância, por influência de sua mãe, que acolhia pessoas em situação de rua. Ela se recorda de uma enchente em 1988 que aconteceu no Rio de Janeiro e cujo ponto de arrecadação para as vítimas era a sua casa. Ainda no meio corporativo, não tardou para que começasse a atuar em conselhos de organizações não governamentais, como Casa do Zezinho, Gerando Falcões, Instituto Capim Santo e Instituto Ser+, que, segundo ela, definitivamente precisam de apoio de pessoas que tenham uma cabeça focada em negócio.
Premiada pela ONU Mulheres nos Estados Unidos na categoria Educação com Qualidade, em 2022, Carmela iniciou sua jornada corporativa na EAN Brasil, a empresa responsável por introduzir o código de barras no mercado brasileiro. Era década de 1990, quando praticamente não havia internet, e a automação comercial ainda gerava muita insegurança entre os empresários. A tecnologia sempre foi uma área muito masculina, e desde o princípio a executiva se comprometeu a levar mais diversidade para o setor, ao passo que também se ocupava em fazer treinamentos sobre como implementar o código de barras.
“Era muito engraçado, porque o pessoal de design e publicidade não queria colocar aquele código, pois atrapalhava a embalagem. Eu precisava ensinar que aquilo criava uma rastreabilidade, que era uma forma de passar rapidamente pelo check-out do supermercado. Foi quando nasceu o intercâmbio eletrônico de dados.”
No início dos anos 2000, assumiu a posição de gerente de atendimento ao cliente na agência Incentive House, do grupo Accor, onde atuou na área de marketing de incentivo e fidelização. Um de seus clientes era a Oracle e, após cerca de dois anos, ingressou na gigante de tecnologia como analista de marketing, onde atuou por quase duas décadas, até chegar ao cargo de vice-presidente da área para América Latina e Caribe.
Carmela conta que ao longo de sua trajetória na Oracle testemunhou a transformação da empresa, incialmente focada basicamente em banco de dados até se tornar, por meio de aquisições, em uma companhia de tecnologia com visão para os mais distintos negócios. Lá, liderou um projeto em parceria com a ONG Gerando Falcões e contribuiu para a formação da primeira classe de programação para a favela. Após quase duas décadas, recebeu uma proposta para integrar a startup Infor, liderada por seu ex-chefe na multinacional, Charles Phillips, o primeiro homem negro na tecnologia.
Como CMO da Infor para América Latina e Caribe, Carmela atuou por cerca de dois anos, até sentir que precisava buscar novos desafios e encontrou na indústria financeira um ambiente para novos aprendizados. Foi quando ingressou na Aon com o cargo de vice-presidente de marketing para a América Latina.
Ainda como executiva, começou a estudar o mercado das edtechs, startups focadas em educação. As constantes viagens corporativas a ajudaram a entrar em contato com empresas do tipo ao redor do mundo, o que a levou a um autoquestionamento se já era o momento de empreender. A semente para o que viria a ser a startup Soul Code começava a germinar. “Depois de conhecer edtechs em vários países, entendi que o cenário brasileiro é bastante particular. Temos aqui uma questão de desigualdade bastante forte, com milhões de invisíveis – os vulneráveis digitais que, definitivamente, necessitam de oportunidades para poderem sair dessa situação”, explica.
Assim, em 2020, nasceu a Soul Code Academy, que oferece formações de três meses para pessoas do Brasil inteiro, baseada no tripé hard skills, soft skills e inglês para tecnologia. São aulas diárias de 10 horas, ao vivo e online. O curso é gratuito, e tem e todo o financiamento feito por empresas parceiras que contratam os alunos. A maioria das impactadas são mulheres e, com a intenção de atrair mulheres negras, que hoje são apenas 5% do universo da tecnologia, a Soul Code firmou parceria com o site Notícia Preta.
Nos dois primeiros anos da startup, a operação era liderada por Fabricio Cardoso, seu marido. Quando o negócio já estava mais desenvolvido, Carmela deixou o cargo de CMO na AON para se dedicar totalmente à Soul Code, como CEO. O terceiro sócio é Silvio Genesini, ex-presidente da Oracle e conselheiro de diversas empresas.
Outro recorte de diversidade que a edtech está de olho é de pessoas acima de 50 anos, que normalmente não iriam entrar no mercado de tecnologia. “Elas tiveram profissões que hoje estão defasadas, então precisamos levar essas pessoas para uma profissionalização digital para que elas ressignifiquem a carreira e possam voltar ao mercado de trabalho”, afirma.
A edtech opera sob a metodologia Tech For Good, que está ancorado em quatro pilares: educação, empregabilidade, sustentabilidade e longevidade. A intenção é usar a tecnologia para mudar a vida das pessoas para o bem. “Quando digitalizamos uma mulher, fazemos algumas transformações, além de, obviamente, gerar renda. Ao levar conectividade para uma mulher, não apenas transformamos a vida dela e do entorno, mas também muitas vezes a tiramos de uma situação de violência”.
Como os cursos são online e o Brasil apresenta diferentes níveis de acesso à internet, a Soul Code costuma se unir a uma organização que irá receber os estudantes e que também possa auxiliá-los a ter uma autonomia mínima. Um exemplo dessa parceria é com a Casa do Zezinho, ONG que atua no Capão Redondo, em São Paulo, e recebe cerca de 1.200 crianças e adolescentes. “Lá eles têm uma sala com computador, internet, assistência social… enfim, é uma verdadeira rede de apoio”.
Outra grande parceira da edtech é a CUFA (Central Única de Favelas), com a qual desenvolveu o projeto Favela Code com a intenção de democratizar a educação tecnológica no território de favela. “É um ambiente que gera na economia mais de R$ 120 bilhões por ano. Quando olhamos para as startups dessas áreas, é impressionante as possibilidades existentes que nós, que estamos no asfalto, jamais conseguiríamos criar e entender, porque não vivemos essa realidade. Ao oferecermos essa oportunidade, geramos uma grande possibilidade de renda, de crescimento em torno desse território e de transformação desses vulneráveis digitais em profissionais”, explica.
Recentemente a Soul Code entrou para o Pacto Global das Nações Unidas, buscando um intercâmbio de soluções de impacto social com outros países a fim de acelerar processos internos e também compartilhar conhecimentos. “Eu venho desse universo de multinacionais, nas quais aprendemos a pensar globalmente. Às vezes estamos olhando para um problema aqui e a solução já está acontecendo em outro lugar, e precisamos somente importar ou tropicalizar”. Carmela não descarta a possibilidade de levar a edtech para outros países da América Latina, que segundo ela têm desafios estruturais muito similares aos brasileiros, como alto índice de desemprego, fome, inflação e uma educação precarizada.
A CEO da Soul Code acredita que executivos de grandes empresas têm o dever de retribuírem à sociedade as oportunidades que tiveram, e cita os diversos aprendizados que adquiriu atuando em conselhos de ONGs, o que começou há décadas. Visando deixar um legado de transformação social, Carmela afirma que inovação e diversidade caminham juntas e a guiaram ao longo de toda sua carreira em tecnologia, marcada por um ambiente masculino, machista e majoritariamente branco.
“Hoje, atuando no mundo das startups, é como se eu tivesse voltado 30 anos, porque os desafios são exatamente os mesmos. O que difere é que eu tenho maturidade, muito mais coragem de inclusive falar quando acho que algo não está correto e a certeza de que também estou no momento certo de fazer essa mudança para as próximas gerações”, conclui.
Compartilhe
Veja também
Protagonismo de mulheres negras cresce no entretenimento da Globo
Kellen Julio, diretora de diversidade e inovação em conteúdo dos Estúdios Globo, fala sobre iniciativas da emissora para que o Brasil esteja refletido em suas obras
Maioria dos assédios no Brasil ainda ocorre no trabalho
Pesquisa "Mapa do Assédio", realizada pela KPMG, aponta ainda que tipificação de gênero é a segunda mais recorrente