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A misoginia nos alcança até depois da morte

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Opinião

A misoginia nos alcança até depois da morte

“Aracy Balabanian fez aborto e não quis se casar nem ter filho para cuidar da carreira“


15 de agosto de 2023 - 8h47

(Crédito: divulgação)

De tudo que Aracy fez ao longo dos seus mais de 50 anos de uma carreira brilhante e irretocável, um dos maiores jornais do Brasil escolheu dar luz às escolhas pessoais da atriz, que não dizem respeito a nenhum de nós. 

Enfatizar o fato de Aracy não ter casado e nem tido filhos é um exemplo claro de como o machismo continua enraizado em nossa sociedade até depois da nossa morte. Acho espantosa a facilidade com que tentam minimizar suas conquistas artísticas e sua contribuição para a cultura brasileira, trazendo como pontos centrais da notícia a ausência do casamento e dos filhos. 

 Ela se destacou ao longo das décadas como uma das atrizes mais respeitadas e queridas no cenário artístico do Brasil. Sua carreira abrange tanto o teatro quanto a televisão e o cinema. Sua habilidade em capturar nuances emocionais e sua autenticidade contribuíram para sua longevidade e relevância na cena artística. Ao longo de sua carreira, Aracy recebeu diversos prêmios e reconhecimentos por sua contribuição para a cultura brasileira. Sua capacidade de interpretar personagens complexos e sua empatia com o público a tornaram uma atriz querida e respeitada por gerações de brasileiros. 

Com a Rita Lee aconteceu algo semelhante. Ela que foi uma mulher muito maior e mais fantástica do que preconceituosos são capazes de alcançar, foi tratada numa manchete como “Rebelde desde a infância, se deixou guiar por drogas e discos voadores”. 

Rita foi um turbilhão de criatividade e rebeldia que trilhou caminhos que reverberaram além das fronteiras musicais, erguendo-se como uma das vozes mais influentes e icônicas da cultura brasileira. Sua importância transcende as notas das canções e penetra na essência da sociedade, quebrando paradigmas e desafiando normas estabelecidas. Ela abriu portas para um novo entendimento do papel da mulher na música e na sociedade, desafiou estereótipos de gênero mostrando que uma mulher poderia ser tão selvagemente autêntica quanto qualquer homem. 

 A capacidade da mulher de escolher seu próprio caminho muitas vezes é reduzida a uma narrativa de conformidade aos padrões estabelecidos, e qualquer desvio dessas normas é frequentemente recebido com críticas implacáveis. 

Quando é que as contribuições e realizações profissionais das mulheres, independentemente de suas escolhas mais íntimas e pessoais, passarão a ser tratadas com o devido respeito? 

A carreira, a maternidade, os relacionamentos e a forma de expressão sexualidade, tudo é alvo de avaliações superficiais e frequentemente contraditórias. Esses julgamentos mascaram uma realidade mais profunda: que mulheres são seres complexos, capazes de fazer escolhas significativas e ponderadas que refletem seus próprios desejos, sonhos e realidades. 

Desafiar esse ciclo de julgamento requer uma mudança cultural profunda e a adoção de uma mentalidade mais empática e respeitosa. Reconhecer a diversidade de experiências e perspectivas das mulheres é essencial para quebrar as correntes da expectativa social e permitir que cada mulher viva sua vida com autenticidade e dignidade. 

 A sociedade parece sempre sussurrar, a cada conquista feminina: “Seu lugar foi definido por outros e sempre será”. É passada a hora de silenciar esse sussurro e permitir que cada mulher defina seu próprio lugar no mundo. 

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