A perfeição contraditória de Martha Stewart
A “decana da vida doméstica”, primeira mulher norte-americana não herdeira a se tornar bilionária, foi pioneira na arte de vender um estilo de vida
A “decana da vida doméstica”, primeira mulher norte-americana não herdeira a se tornar bilionária, foi pioneira na arte de vender um estilo de vida
4 de novembro de 2024 - 8h37
Famosa na virada do século por ser a primeira mulher norte-americana não herdeira a se tornar bilionária, a trajetória de Martha Stewart é um prato cheio para muitas reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, relevância cultural e o que hoje se denominou ser uma influenciadora: alavancar o desempenho da vida pessoal para comercializar uma estética, articulando negócios em uma marca pública imaculada.
Agora, do alto de seus 83 anos, Stewart é objeto do documentário Martha, que acabou de estrear na Netflix, dirigido por R.J. Cutler, experiente diretor que coleciona cinebiografias de famosos, dentre elas a de Billie Eilish, Elton John, Anna Wintour e Marlon Brando.
A “decana da vida doméstica” foi pioneira na arte de vender um estilo de vida — como ser uma anfitriã chic sem esforço, uma cozinheira experiente, uma jardineira glamorosa e uma decoradora astuta, ao mesmo tempo em que ainda é uma mulher moderna. Ou, para colocar na linguagem da época em que ela transformou sua empresa de catering sediada em Nova York no ponto de partida para a construção de um império de mídia centrado na sua imagem: “como ser uma mulher e ter tudo”.
Como a influenciadora extraordinária que é muito antes dessa palavra existir, Stewart nunca é menos do que convincente. É agradável como um conto verdadeiramente americano de ascensão, queda e ascensão novamente, após ter sido condenada e presa por insider trading (uso de informações privilegiadas), episódio que quase destruiu sua reputação.
Aparentemente, Martha Stewart concordou com a proposta do documentário da Netflix com a expectativa de que incluísse aspectos mais positivos de sua vida e trabalho. Mas, após o lançamento, teria ficado desapontado com o resultado final, o que é de se esperar de alguém retratada como controladora contumaz.
O filme de quase duas horas é afiado, embora irregular, mas claramente bem fundamentado no arquivo pessoal de Stewart. Para quem, como eu, não conhecia em detalhes a vida de Martha Stewart, o filme é interessante ao levantar questões importantes e mais atuais que nunca. Ser a bilionária self-made vendendo a perfeição nos afazeres do lar fez dela uma feminista? Ela era implacável ou prisioneira de seu próprio perfeccionismo? Até que ponto o ideal de perfeição que Martha Stewart simbolizou nos tempos de seu império de mídia e agora como influenciadora é realmente saudável?
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