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Opinião

A sociedade da abundância

Sobre a importância das escolhas e como a intencionalidade e as pausas podem beneficiar as nossas decisões


17 de janeiro de 2024 - 6h05

(Crédito: VectorMine/Shutterstock)

Ao refletir sobre o tema do meu primeiro artigo, inevitavelmente me veio à mente a ideia de compartilhar aprendizados de 2023, resoluções e os grandes desafios do novo ano. Porém, como alguém imersa em um ritmo de vida acelerado, existe uma questão que me deixa inquieta e que está relacionada à abundância, à ausência de pausas, à falta do ócio e como isso afeta diretamente as nossas escolhas.

O privilégio do poder de escolha é multifacetado, e nem todos têm essa realidade, considerando as disparidades sociais que afetam saúde, finanças e outros fatores. Para aqueles que fazem parte do círculo de privilégio da escolha, desde pequenas decisões como o que comer até decidir o horário de dormir, as opções são vastas. Podemos até escolher entre sorrir mais ou ficar mais sérios. O fato é que, se o privilégio permitir, as escolhas estão à disposição, e cabe a nós tomarmos as melhores rotas na vida.

Nos últimos dias do ano, ao revisitar algumas reflexões, encontrei falas importantes. O que será que uma neurocientista, um livro e as palavras de um padre têm em comum?

Carla Tieppo, uma renomada neurocientista brasileira com quem tive a honra de ter aula durante a pandemia, fala sobre a dopamina, a amígdala e a relação com as nossas decisões. No seu canal Nada Trivial, ela explica que a dopamina é um neurotransmissor que está relacionado ao prazer, à recompensa e à motivação. Quando estamos diante de uma possível recompensa, a dopamina é liberada no nosso cérebro, o que nos motiva a tomar a ação que nos levará a essa recompensa.

Já a amígdala é uma estrutura cerebral que está relacionada ao medo, à ansiedade e ao estresse. Quando estamos em uma situação perigosa ou estressante, ela é ativada e libera cortisol, o que nos prepara para lutar ou fugir. Isso pode nos levar a tomar decisões que não são necessariamente as melhores para nós no longo prazo. A Carla argumenta que a dopamina e a amígdala podem nos levar a fazer escolhas impulsivas e irresponsáveis.

Embora eu seja católica, somente recentemente descobri o Padre Paulo Ricardo quando uma amiga me encaminhou um vídeo do seu canal no YouTube, cujas palavras poderosas abordam o propósito da vida moderna. Ele argumenta que a sociedade contemporânea, marcada pela abundância de estímulos e pela ausência de desafios, pode resultar em tédio e vazio, que ele chama de “tédio estrutural”.

A vida fácil e confortável da era moderna, segundo o Padre, contrasta com o ambiente desafiador e perigoso enfrentado por nossos ancestrais. Ah, e lá vem ela de novo… a dopamina! O nosso cérebro é programado para buscar desafios e recompensas – quando esses elementos estão ausentes, ele pode entrar em um estado de frustração e insatisfação, destacando a sociedade da abundância.

Essas reflexões ressoaram profundamente em mim, especialmente considerando meus 10 anos de experiência na área de tecnologia. A busca por desafios está em todos os lugares, até mesmo no consumo excessivo de telas. Como mãe de dois pré-adolescentes, essas reflexões me inspiram a orientá-los para uma vida equilibrada, evitando os extremos, vícios ou excessos.

E então resgatei um livro lido há alguns anos: “Nudge” (o famoso empurrão), que discute a criação de uma “arquitetura da escolha” para facilitar decisões melhores, sem restringir a liberdade. Os autores argumentam que os seres humanos não são sempre decisores racionais, e que o ambiente influencia significativamente as escolhas. A abordagem “paternalista libertária” sugere intervenções sutis, “nudges”, cutucadas – ou como a gente quiser chamar – para orientar as pessoas em direção a escolhas que sejam do seu melhor interesse, respeitando sua autonomia.

O livro fornece numerosos exemplos de como os “nudges” foram usados com sucesso em vários contextos, como disponibilizar mais opções de alimentos saudáveis ao nível dos olhos, e de fácil acesso, pode levar as pessoas a fazerem escolhas mais saudáveis, ou como um medidor inteligente que fornece feedback em tempo real sobre o uso de energia pode ajudar as residências a gerar mais economia.

Em meio à complexidade da neurociência, todas essas referências me fizeram voltar meu olhar para contemplar nossa consciência, nossa educação e o papel como cidadãos que podem e devem moldar uma sociedade mais apta a tomar melhores decisões. 

Desejo a todos que estão lendo esse artigo um ano mais intencional, em que possibilidades, escassez, ócio, foco, aprendizado e contemplação se entrelacem em nossas vidas. Que como mulheres, mães e líderes, a gente possa promover mais “arquiteturas da escolha”. Que a sensação de recompensa não venha apenas do acelerar incessante, mas sim das decisões que tomamos (ou tentamos tomar). Um lindo e suave 2024 para nós!

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