A voz potente de três mulheres negras em Cannes
Issa Rae, Lupita Nyong’o e Regina Hall deixam claro a força das narrativas construídas a partir de perspectivas diversas e femininas
A voz potente de três mulheres negras em Cannes
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23 de junho de 2022 - 10h13
Em um esforço inédito de ampliar as vozes (e as histórias) da indústria publicitária global, a organização do Festival Internacional de Criatividade de Cannes e as empresas que protagonizam os principais painéis do evento estão trazendo aos palcos do Palais personagens mais diversas em um trabalho intencional de mudar as narrativas e desconstruir estereótipos que essa mesma indústria lapidou ao longo de décadas. Três dessas vozes ressoaram sua potência por aqui, fazendo os líderes criativos do mercado refletirem sobre o atual estado das coisas.
A IBM levou ao palco, no painel chamado “The Mirror Only Has One Face”, a escritora Issa Rae, consagrada pela série da HBO “Insecure” da qual é roteirista, atriz e produtora. Entrevistada por Liz Taylor, diretora global de criação da Ogilvy, Issa foi enfática: “Encarregamos pessoas diversas de divulgar a diversidade, quando sabemos o que já é. Meu desafio é responsabilizar as pessoas brancas a também participarem dessa conversa. Certifique-se de que essas conversas estejam sendo feitas em todos os níveis e especialmente no board”.
Rae deu seu próprio exemplo ao citar um executivo da HBO ao questioná-la sobre o título da série quando se sentou para sua primeira reunião sobre a produção. “Ele me perguntou: ‘Por que você quer chamá-la de Insecure? Eu vejo essas mulheres negras fortes e ferozes…”, contou. “A ideia de que as mulheres negras não podem ser vulneráveis acaba nos prejudicando. É isso que pretendemos mostrar. Uma vez que eu expliquei, ele não teve nenhum problema. Percebi que estávamos mostrando essas mulheres de uma maneira que não eram vistas há muito tempo e tínhamos um público cujos olhos estão potencialmente se abrindo”.
Em todas as suas produções, Issa disse que é importante incluir pessoas que façam parte da comunidade que está sendo retratada na história, tanto nos bastidores quanto entre o time de roteiristas. Ela enfatizou o fato de que esse público tem dificuldades de ascender no meio, então ela tem como missão dar oportunidades para que esses profissionais tenham uma carreira que evolua. Além disso, a atriz e produtora disse que exige ao menos 60% de diversidade em todos os sets de filmagem e que ainda nega trabalhos cujas equipes sejam formadas somente por pessoas brancas – o que, segundo ela, ainda ocorre com frequência.
O painel encabeçado pela Meta levou ao palco Lupita Nyong’o, atriz vencedora Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “12 Anos de Escravidão”. Segundo ela, a experiência pessoal é um dos trampolins mais poderosos para aprender lições. Em uma conversa muito bem conduzida por Nicola Mendelsohn, vice-presidente da Meta para Europa, Oriente Médio e África, a atriz ofereceu vários pontos-chave que os presentes em Cannes, em especial anunciantes e suas respectivas agências, deveriam anotar nas agendas do futuro.
“É essencial que estejamos abertos a uma infinidade de histórias”, disse ao enfatizar que o “superpoder” da humanidade é, justamente, contar histórias. A publicidade está repleta de estereótipos que ainda não conseguimos extinguir, como reflexo da sociedade em que vivemos. Nyong’o contou sua experiência com Pantera Negra, um filme da Marvel que conseguiu arrecadar milhões de dólares nas bilheterias. “Quando foi lançado, repetia-se constantemente que Hollywood finalmente havia percebido que filmes com protagonistas negros eram lucrativos. Que epifania”, destacou, para enfatizar que isso “já aconteceu antes”.
“As pessoas que movimentam a indústria falam constantemente sobre o fato de que filmes com negros não funcionam, e temos que provar que funcionam, quando há muitas evidências ao longo do tempo de que isso não é verdade”, disse. “Cresci sendo infeliz com a cor da minha pele. Todos os anúncios publicitários que via quando criança e adolescente diziam que com a minha cor de pele eu não conseguiria nada porque era indesejável”, contou a atual embaixadora da marca de cosméticos Lancôme.
Revelando que um de seus maiores prazeres é sua capacidade de aprender, Lupita indicou que gosta de fazer isso por meio de sua profissão de atriz, que a obriga a se colocar no lugar de outra pessoa, expandindo sua capacidade de ter empatia e de reconhecer a humanidade de cada um. “Não passo o dia pensando em mim como uma pessoa diversa, apenas tenho minha perspectiva como ser humano”, disse.
Encabeçada pela diretora de marketing global, Ukonwa Ojo, a Amazon Prime, por sua vez, levou ao palco do Palais um painel que tinha como foco explorar o impacto das mulheres na construção de narrativas. A convidada foi a atriz Regina Hall, protagonista de produções como “Master”, “Black Monday” e “Girls Trip”, que revelou como o aprimoramento de suas habilidades de atuação e escrita a ajudou a superar um período em que os papéis que ela conseguiu pareciam “estagnados e não mostravam meu alcance”.
“Eu sempre quero fazer coisas interessantes e complexas, e mostrar uma variedade do que é ser humano. Houve um ponto em que as oportunidades não estavam lá para desempenhar esses papéis.” Regina revelou também que superou esses desafios continuando a atuar enquanto também escrevia. “Isso mantém você ativa e motivada. Você precisa ter certeza de que está sempre trabalhando para não ser marginalizada, fazendo filmes menores, mostrando algo diferente. Espero que as pessoas da indústria assistam a isso e vejam o alcance.”
Agora trabalhando como produtora em sua própria empresa, Rh Negative, Hall se juntou a Ojo para aplaudir o crescente número de mulheres criativas trabalhando nos dois lados da câmera. Ela disse que o mundo mudou para permitir mais equilíbrio entre narrativas masculinas e femininas. “Ambos são poderosos, e é maravilhoso experimentar o yin e o yang disso. Traz diferentes qualidades como artista”, disse ela.
Hall produziu recentemente o filme de terror “Master”, da Amazon Prime Video, um drama sobre um professor e um calouro em uma faculdade da Nova Inglaterra enfrentando desafios institucionais que se tornam cada vez mais sobrenaturais. Hall, que estrela o drama, empregou uma equipe só de mulheres. “Foi ótimo ver aquelas pessoas criativas apaixonadas, que por acaso são mulheres trazendo sua sabedoria, inteligência e energia feminina para o set”.
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