A vulnerabilidade
Como podemos nos conectar de forma legítima e nos aproximar?
Como podemos nos conectar de forma legítima e nos aproximar?
14 de julho de 2022 - 9h31
Adoro egrégoras, essa tal força criada a partir da junção da energia de duas ou mais pessoas. É muito interessante observar esse troço, como ele se forma e o que acontece depois.
Um casal é uma egrégora fortíssima, um grupo de amigos, família, comunidade e tantos outros. Tem também as egrégoras formadas a partir de uma agenda, de um encontro marcado na sala de aula, na igreja, num funeral. Elas parecem artificiais porque não nos aproximamos a princípio por afinidade, mas porque todos que estão ali tinham um encontro marcado naquele lugar, naquela hora.
Fui em um curso presencial esses dias, fazia tempo que não fazia isso. A pandemia está nos fazendo reinaugurar muitos hábitos e criando uns completamente diferentes. Não era um curso qualquer, era da Universidade da Nasa e do Google, que se posiciona como a mais disruptiva do mundo.
Chego lá para o primeiro de alguns dias intensos. Somando alunos, palestrantes e equipe, mais de cem pessoas formavam nossa egrégora, nosso campo energético. Desde o primeiro momento, entendi que tínhamos um retrato socioeconômico de liderança no Brasil: maioria de homens, brancos (na verdade nenhum negro entre os alunos) e héteros.
Logo mapeei com os olhos todas as mulheres que estavam por lá. Era uma pequena parcela do grupo, mas o olhar simpático é sempre uma maneira de nos conectarmos. Fiz isso o tempo todo, me aproximei de todas, fiz um reforço positivo da maioria das palestrantes, alunas e equipe. E, pasmem, eventualmente, mesmo uma palestrante de uma universidade desse nível, por exemplo, pode se sentir insegura.
Como podemos nos conectar de forma legítima e nos aproximar?
Muitas conexões aconteceram ali, a egrégora na egrégora, o grupo que se junta por afinidade mesmo nos encontros marcados.
E que caminho eu escolhi para começar essa conexão legítima? Bem, primeiramente, eu não exatamente escolhi. A tal magia do campo energético fez sua parte. Na segunda noite do curso, em uma roda de conversa no pé de uma fogueira, um novo campo se uniu em torno de três pessoas. Elas estavam misturando música, falas, participação das pessoas, dores… estavam se expondo. Fiquei olhando para aquilo e pensando que era um momento muito disruptivo, como o curso se propunha a ser. Uma experimentação, uma experiência ao vivo, sem medo de exposição. Que beleza de se presenciar.
Naquele momento minha alma escolheu um coletivo de vulnerabilidade e eu queria contribuir com a minha. Veio no meu coração a poesia visceral de uma mulher, a confissão mais bonita que eu conheço, e declamei a céu e peito aberto.
Era a música e poesia da Flaira Ferro, uma pernambucana incrível, que começa assim:
Sou a maldade em crise
Tendo que reconhecer
As fraquezas de um lado
Que nem todo mundo vê
Fiz em mim uma faxina
E encontrei no meu umbigo
O meu próprio inimigo
Que adoece na rotina
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim
(…)
Sou má, sou mentirosa
Vaidosa e invejosa
Sou mesquinha, grão de areia
Boba e preconceituosa
Sou carente, amostrada
Dou sorriso e sou corrupta
Malandra, fofoqueira
Moralista, interesseira
E dói, dói, dói me expor assim
Dói, dói, dói despir-se assim
Mas se eu não tiver coragem
Pra enfrentar os meus defeitos
De que forma, de que jeito
Eu vou me curar de mim
(…)
Acredito que a confissão da Flaira, que ali foi minha também, fez o seu encanto. Ela se despiu de um jeito que não tem como não comover o mundo. Essa nudez, se olharmos de perto, é nossa também. Podemos assumir que não somos só isso, mas somos também. Precisamos acolher nossa sombra.
E assim segui nesse ambiente corporativo, porém de gente. Sempre no final da respiração, não somos mais que gente. Fui uma mulher forte, exposta e pronta para vivenciar o que a experiência de se vulnerabilizar assim poderia trazer. E, deixa eu contar para vocês… foi incrível!
E para fechar, minha oração de desejo:
Que sejamos fortes,
Que sejamos vulneráveis,
Que sejamos intuitivas,
Que sejamos a experiência que queremos ter.
Compartilhe
Veja também
Como as marcas podem combater o racismo na publicidade?
Agências, anunciantes e pesquisadores discutem como a indústria pode ser uma aliada na pauta antirracista, sobretudo frente ao recorte de gênero
Cida Bento é homenageada pela Mauricio de Sousa Produções
A psicóloga e ativista vira personagem dos quadrinhos no projeto Donas da Rua, da Turma da Mônica