Acessibilidade: indiferença ou falta de empatia?

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Opinião

Acessibilidade: indiferença ou falta de empatia?

Promover a acessibilidade é uma estratégia vencedora para empresas e a melhor maneira de medir a real intenção ESG em contribuir para um mundo mais inclusivo, justo e sustentável


15 de julho de 2024 - 7h17

(Crédito: Adobe Stock)

Lá no começo de minha carreira como empreendedora do negócio de inclusão para pessoas com deficiência, uma empresa me contratou para selecionar pessoas surdas para vagas de trabalho e para isso fui visitar uma ONG de pessoas surdas. Conversei com o presidente da ONG na ocasião, também uma pessoa surda – para buscar talentos indicados por eles. No processo seletivo eu levaria intérprete de libras, mas no dia a dia a empresa não oferecia.

O presidente surdo me disse então que não indicaria ninguém. Eu ainda tentei convencê-lo, dando exemplo de que as pessoas cadeirantes como eu vão a lugares nem sempre preparados para recebê-las e reforcei o quanto seria bom as pessoas surdas participarem para que a gente pudesse mostrar o quanto faz falta ter intérprete. E aí ele me trouxe uma realidade que me impactou muito: “não ter intérprete de libras para pessoas surdas é como não ter cadeira de rodas para a pessoa cadeirante”. Isso me despertou uma empatia e me fez refletir que a acessibilidade é necessária, mesmo que não seja para me atender.

Desse momento em diante, passei a entender ainda mais que a promoção da acessibilidade é ter empatia. É mostrar de fato que não somos indiferentes às necessidades das pessoas ao redor. É o respeito que demonstramos ao olhar o próximo. Hoje, entendo que é essencial para empresas, produtos e serviços que querem firmar compromisso social dentro das práticas ESG.

Ao garantir que todas as pessoas possam participar plenamente da vida econômica, social e cultural, as empresas não apenas cumprem suas obrigações éticas, mas se beneficiam em termos de reputação, inovação e competitividade. A acessibilidade é um direito que beneficia muitas pessoas, além das que têm deficiência, e significa muito mais que apenas a acessibilidade arquitetônica.

Romeu Sassaki, consultor e especialista em inclusão, descreveu as oito dimensões da acessibilidade. A arquitetônica é somente uma delas. Todas permeiam esferas diversas de nossas vidas — a da família, a da educação, a do trabalho, a da saúde. São elas:

1. Arquitetônica: é uma nova leitura do ambiente físico, sem barreiras físicas nas residências, nos edifícios, nos locais de trabalho, nos espaços e equipamentos urbanos, nos meios de transporte individual ou coletivo.

2. Atitudinal: é a prática interpessoal que elimina barreiras sociais e favorece a inclusão. Ter atitudes acessíveis é tão importante quanto ter espaço e tecnologias acessíveis.

3. Comunicacional: acesso à informação sem barreiras na comunicação entre as pessoas, na expressão escrita, no conteúdo de papel, audiovisuais e virtuais.

4. Digital: recursos que possibilitam a navegação, a compreensão e a interação de qualquer pessoa na web, sem ajuda de ninguém.

5. Instrumental: a acessibilidade que deve existir em todos os instrumentos. Desde uma caneta, um compasso, uma régua. Tudo que envolve o uso de um instrumento deve envolver acessibilidade.

6. Metodológica: acessibilidade nas técnicas e métodos de ensino e de trabalho para atender a todas as inteligências.

7. Natural: barreiras naturais, não construídas pelo homem, interferem na acessibilidade, como areia, pedras e penhascos, e, de alguma forma, impedem a presença das pessoas com deficiência.

8. Programática: planos, projetos, leis, normas de serviços, decretos, tudo que for operacional, com aspecto de normatizar condutas, não pode ter barreiras programáticas, como palavras ou informações que causam a exclusão das pessoas com deficiência.

No universo do trabalho, a carência de metodologias inclusivas aparece em várias circunstâncias, como nos processos de recrutamento, seleção e avaliação de profissionais. A falta de acessibilidade na comunicação exclui as pessoas com deficiência. Por isso sempre alertamos o “nada sobre nós sem nós”, instituído pela ONU. Sem a participação das pessoas com deficiência nos projetos surgem distorções, como rampas inclinadas demais ou elevadores cujas portas não conseguimos abrir sem a ajuda de alguém.

A acessibilidade digital permite que qualquer pessoa possa aproveitar atividades, conteúdos ou produtos oferecidos nesse meio. Sites e todos os serviços online devem oferecer tecnologias assistivas que possibilitem o acesso de forma inclusiva, para que qualquer pessoa — com ou sem deficiência — possa utilizar.

A acessibilidade programática é fundamental no contexto de digitalização em que vivemos, e a acessibilidade atitudinal é que combate o capacitismo em favor da pessoa com deficiência. Ela que providencia mudanças que beneficiam e naturalizam o convívio da população com deficiência. A quebra da barreira atitudinal é a que precede o rompimento de todas as outras.

Promover a acessibilidade é uma estratégia vencedora para empresas de qualquer porte e a melhor maneira de medir a real intenção ESG em contribuir de fato para um mundo mais inclusivo, justo e sustentável.

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