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Aparência feminina no trabalho: ferramenta de opressão ou empoderamento?

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Opinião

Aparência feminina no trabalho: ferramenta de opressão ou empoderamento?

A expectativa de como as mulheres devem se portar e se apresentar fisicamente continua sendo uma ferramenta de controle social e econômico


27 de junho de 2022 - 10h30

(Crédito: Antonio Guillem/Shutterstock)

A beleza é feminina. Muito mais do que dos homens, espera-se que as mulheres estejam sempre belas e bem arrumadas. Há o “mito da beleza” das mulheres: ainda que tenham conquistado maior liberdade política, sexual, profissional, a expectativa de como elas devem se portar e se apresentar fisicamente continua sendo uma ferramenta de controle social e econômico. Além de padrões, que podem gerar uma série de danos como distúrbios alimentares, psicológicos e um número crescente de intervenções estéticas, por exemplo.

E quando olhamos para o recorte do ambiente de trabalho, a questão não é diferente. Para a mulher ser bem-sucedida, precisa dedicar muito tempo em se cuidar para ser aceita (quase um mês a mais por ano com cuidados em comparação aos homens, segundo cálculo da revista Glamour americana).  Não seguir os códigos implícitos, principalmente em ambientes mais formais, pode custar um preço alto: a ascensão profissional.

Um estudo de Harvard de 2016 mostrou que, por exemplo, o uso de maquiagem para valorizar a beleza leva à uma percepção de profissional mais agradável e competente, o que, inclusive, pode ser premiado com maior reconhecimento e até mesmo salários mais altos. Porém, ainda de acordo com o estudo, se o uso de maquiagem é exagerado, muito “glamuroso”, o efeito é o oposto: a mulher é desvalorizada e tem a percepção sobre suas capacidades diminuída.
O mesmo aponta o estudo Negative Effects of Makeup Use on Perceptions of Leadership Ability Across Two Ethnicities, (Efeitos Negativos do Uso de Maquiagem na Percepção da Capacidade de Liderança em Duas Etnias, em tradução livre), coordenado pelo Dr Christopher Watkins do Departamento de Psicologia da Abertay University no Reino Unido. Ou seja, há um espaço muito pequeno de “acerto” e poucas são as mulheres que vencem nesta questão.

Para mulheres negras, as expectativas são ainda mais difíceis de serem atingidas. Há questões graves que refletem o racismo estrutural, com a expectativa de mudanças estéticas que alterem traços físicos associados à raça (como afinar o nariz ou alisar os cabelos). Segundo estudo realizado pela Fuqua School of Business da DUKE University, mulheres negras com cabelos crespos naturais, incluindo cachos e tranças, tem menos possibilidade de conseguirem uma entrevista de emprego do que mulheres brancas ou negras com cabelos lisos.

Assim como a grande maioria, eu já recebi diversos feedbacks ao longo da minha carreira sobre a minha vestimenta e a minha aparência, sendo que nenhum deles têm qualquer relação com minha competência e capacidade (ou seria algum requisito para eu exercer meu cargo). Já ouvi que não usar maquiagem me fazia parecer “descuidada”, que roupa colorida não me deixava séria o suficiente e já solicitaram que eu refizesse um vídeo, pois minha unha não estava feita e isso afetava a imagem da empresa. E à medida que somos promovidas, existe uma maior expectativa de que você se arrume mais, fique mais elegante e, ao mesmo tempo, séria. Com o passar do tempo, fui tentando romper esses padrões, quebrando alguns paradigmas, e uso a forma de me vestir para passar mensagens. Eu acho fundamental desconstruir isso e mostrar que existe simplicidade no luxo e que nossa rotina, como qualquer outra, é feita de trabalho.

Hoje, como diretora da divisão de Luxo da L’Oréal Brasil, sinto-me privilegiada em poder contribuir na construção de uma nova perspectiva para as mulheres e na diminuição da pressão que sofremos constantemente. Ainda que a indústria da beleza tenha, no passado, atuado na construção de padrões, vejo mudanças significativas em iniciativas cada vez mais voltadas à valorização de cada uma em toda a sua individualidade. Não mais como uma ferramenta de opressão, mas de empoderamento.

Se posso deixar alguns conselhos para as leitoras, seriam os seguintes:

– Conheça a si mesma. Entenda primeiro o que você faz por você ou o que você faz por expectativa externa e pressão – separar esse “joio do trigo” é fundamental para uma vida mais leve e feliz.

– O ato de se vestir para o trabalho precisa ser um aliado e uma fonte de prazer, e não uma forma de controle e opressão na sua rotina.

– Uma vez com esta visão clara, entendendo seu posicionamento de vida e valores, o autocuidado vira uma arma poderosa de amor e empoderamento. Use-o sem medidas para dizer ao mundo quem você é.

Consigo hoje ver a forma de me arrumar, além, claro, de uma ferramenta de proteção e conforto, como uma maneira de cultivar minha autoestima. Como uma guerreira que vai para a batalha, escolho minha melhor armadura para o dia que virá.

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