As CEOs: mulheres mudam realidade de diversidade nas agências
Carol Boccia, Karina Ribeiro, Renata Bokel e Tatiana Marinho fazem história ao ocupar o posto mais alto de agências de publicidade do País
As CEOs: mulheres mudam realidade de diversidade nas agências
BuscarCarol Boccia, Karina Ribeiro, Renata Bokel e Tatiana Marinho fazem história ao ocupar o posto mais alto de agências de publicidade do País
Michelle Borborema
8 de março de 2024 - 16h42
Há 20 anos, as agências de publicidade brasileiras eram dominadas por homens em cargos de liderança. Nas reuniões, mulheres que trabalhavam desde aquela época relatam que não tinham voz. Quando falavam, eram pouco escutadas. A tomada de decisão era deles. Além disso, o departamento de criação, historicamente muito masculino, costumava ter a palavra final.
Aos poucos, o cenário tem mudado. A visão ecossistêmica passou de tendência a agente de mudança de resultados. Dados, planejamento, mídia e atendimento foram ocupando espaços mais relevantes e interdisciplinares. Com a força do digital, a consolidação de novas mídias e o controle de consumo de mensagens publicitárias cada vez mais na mão dos consumidores, as agências começaram a repensar seus modelos de negócio. Criação não se sustenta isoladamente, ao passo que estratégia e inteligência passaram a ganhar protagonismo.
O valor agregado de uma agência de publicidade ficou calcado, então, na composição de estratégias inovadoras que substituem métodos invasivos de comunicação por modelos mais interativos, nativos e fragmentados. Mas, o que isto tem a ver com a mudança de cenário de equidade de gênero em agências de publicidade?
Para Tatiana Marinho, CEO da Gana, tudo. A executiva baiana, que está na posição desde junho de 2023, avalia que os grandes grupos multinacionais, ao comprarem nos últimos anos as agências locais dominantes no mercado publicitário brasileiro, começaram a movimentar a diversidade e inclusão da indústria, e, como consequência, trouxeram essa visão de ecossistema para as operações e a comunicação das agências.
“Eles já têm uma cultura mais consolidada em relação a isso lá fora, e acho que essa visão movimentou muito nosso mercado. Até porque as lideranças femininas de lá chegavam aqui e falavam com os homens como gestoras. E aí veio compliance, metas de diversidade e inclusão, mais movimentos de compra. Ajudou muito, não só no que diz respeito às mulheres, mas à diversidade como um todo”, analisa.
Ao lado de Tatiana, várias outras mulheres foram nomeadas CEOs nos últimos meses, o que deve ajudar a mudar o cenário apontado pelo último levantamento realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda, em parceria com a Gestão Kairós. O estudo concluiu que, em 2023, apenas 15% dos cargos de CEOs em agências de publicidade eram ocupados por mulheres.
Os movimentos foram muitos, sobretudo nas agências dos grandes grupos internacionais. Renata Bokel acaba de assumir a cadeira de comando da WMcCann. No início do ano, Carol Boccia foi nomeada copresidente da BETC Havas ao lado de Diego Alonso, após três anos como chefe de operações da Africa Creative. Já Karina Ribeiro ocupou em janeiro a cadeira de CEO na nova VML, resultado da fusão repentina entre VML Y&R e Wunderman Thompson.
Juntas, elas mudam o cenário das agências e do mercado, mas também representam uma visão de transformação do futuro para toda a indústria.
Carol Boccia começou a carreira cedo, no primeiro ano da faculdade. Trabalhou em grandes empresas, mas logo percebeu que tinha perfil de agência. Quem deu o toque para ela foi Sérgio Caruso, que atendia a Phillips quando ela era trainee da companhia. Carol então foi para a primeira agência do Grupo Havas no Brasil, a Carillo Pastore, que hoje não existe mais.
A partir de então, nunca mais saiu do mercado de publicidade. Vinte e cinco anos depois, após ter passado por agências como Leo Burnett, AlmapBBDO e Africa, voltou para o grupo de origem, onde desde janeiro ocupa a cadeira de co-presidente da BETC Havas. O desafio é grande: transformar a maior agência compradora de mídia no País em uma potência criativa da mesma altura. “Somos pouco reconhecidos pela nossa criatividade. E uma agência muito criativa não vem apenas da criação, mas da agência como um todo.”
Para ela, alcançar o objetivo requer muita profundidade e consistência de toda a agência. “Não é sobre relações, mas sobre relevância. E isso exige um trabalho intenso de conversar com todos da cadeia para entender do negócio, das vendas, do público, da jornada. Porque, quando você senta para discutir uma ideia, precisa agregar de verdade.”
Ao olhar para trás, a executiva diz que muita coisa mudou para as mulheres, e avalia o aumento da liderança feminina nas agências como o início de um novo modelo. “Antigamente, até existiam muitas mulheres na publicidade, mas os cargos de liderança eram ocupados por homens. Hoje, já vejo uma predisposição e uma vontade de ter esse olhar feminino na gestão, e isso traz outro jeito de fazer. É um olhar mais acolhedor, humano e empático, mas também muito crítico.”
Se depender de Carol, a mudança de todo o ecossistema de comunicação em prol da equidade de gênero parece um caminho sem volta. “Há muita ocupação de cargos e de áreas, inclusive nos clientes. Antes, o diretor de marketing de uma grande empresa, nosso cliente, era homem. Agora, a maioria é mulher. Vamos ganhando força e ocupando esses espaços, e essa rede contribui muito.”
Karina Ribeiro é nascida e criada no Grupo WPP. Começou nova, como estagiária na Ogilvy, e lá cresceu. Agora, depois de quase 20 anos, acaba de assumir a posição de CEO da VML, a maior operação do grupo no Brasil. Além de publicitária, ela também é formada em gastronomia e fez estágios em alguns restaurantes. A relação entre as duas áreas faz muito sentido para ela.
“É muito engraçado porque são coisas separadas, mas consigo relacionar as duas em termos de intensidade de entrega, criatividade e trabalho.”
No Grupo Ogilvy, Karina sempre foi muito reconhecida. Quando voltou de um tempo que passou em Portugal por conta própria, foi convidada por Fernando Musa para montar a operação da David, que foi muito bem-sucedida em seu comando como Manager Director. Foi um momento importante na carreira da executiva, que passou a entender mais sobre como montar um negócio. Depois, ficou à frente dos novos negócios e do crescimento do grupo, ao lado de Sérgio Amado, na época Country Manager do Grupo WPP.
Agora na VML, Karina é mais uma vez reconhecida pelo grupo, e conta que a nomeação foi muito bem recebida por todos do mercado, dentro e fora da WPP. “Sou um talento nascido, criado e desenvolvido aqui dentro, e isso é muito bacana. Não foram buscar lá fora alguém do mercado para assumir essa posição, mas aqui dentro mesmo, e uma mulher. Para mim é uma grande responsabilidade, mas uma honra.”
Karina acredita que, do início de sua carreira para cá, algumas coisas mudaram para as mulheres no mercado publicitário, mas ainda há muito a ser feito. “Temos cada vez mais representatividade e segurança no trabalho, mas muita coisa ainda precisa mudar. Infelizmente o mundo corporativo ainda é muito masculino, porque estamos em um processo. O que antes era aceito como piada é muito mais questionado, mas ainda existe. E acho que, como liderança, temos de lutar pelas outras pessoas, porque é mais improvável que esse tipo de coisa aconteça com CEOs, mas acontece, sim, com profissionais que não se sentem incluídos e sofrem algum tipo de desconforto.”
Para a executiva, o grande desafio é fazer a diferença no mercado para que mais mulheres e outros grupos se sintam incluídos e fiquem à vontade, sobretudo entre os quase mil colaboradores da VML. Ao mesmo tempo, ela acredita que representatividade não é suficiente.
“Ser mulher e chegar na liderança é importante, mas existe uma responsabilidade muito grande de como nos comportamos e impactamos o ambiente. Como ajudamos as pessoas a serem livres no trabalho. Todo mundo tem uma história, coisas para contar e fazer, mas, se você não souber olhar e escutar, não vai extrair o melhor de cada um e criar uma cultura de pessoas que pertencem a um todo.”
Renata Bokel é mãe do Bento, como sempre faz questão de iniciar suas apresentações, e um tanto corajosa. Advogada de formação, é especialista em direito ambiental, mas, aos 27 anos, já com uma década de profissão, decidiu se tornar estagiária de comunicação, em uma virada de carreira que a trouxe até aqui.
Depois, descobriu uma nova vocação. Atuou 20 anos como estrategista, foi VP de estratégia na BETC Havas e Isobar, e passou ainda pela Africa e pela IBM. Jurada de várias premiações, em 2019 integrou o júri de Cannes Lions na categoria Creative e-commerce. No mesmo ano, foi eleita uma Women to Watch, além de ter recebido o Prêmio Caboré na categoria Profissional de Planejamento no ano seguinte.
Para ela, ser uma liderança feminina em uma agência de publicidade significa muita responsabilidade. “Chegar nesse cargo é mostrar para outras mulheres que elas também podem. E eu acredito muito na nossa capacidade de trazer uma visão diversa e eficiente para a mesa. Afinal, novos tempos pedem novos olhares, e por que não um olhar feminino e contemporâneo para o futuro dos nossos negócios?”
Hoje, a WMcCann tem 63% de líderes mulheres, e alguns dos movimentos já foram feitos por Renata na nova função. Agatha Kim, que estava afastada do mercado publicitário, retornou após um ano como CSO da agência, a convite da executiva. A presidente também nomeou Carol Escorel como chief operating officer (COO), sua primeira contratação na nova posição.
Para ela, esse novo olhar feminino dá uma cara diferente para todo o negócio, e representa uma resposta a um novo momento da publicidade e da realidade no Brasil como um todo, que também requer novas soluções e maneiras de pensar e agir.
“Nossas marcas falam com o Brasil, que é um País matriarcal. Mulheres já chefiam mais da metade dos lares brasileiros. Quando você tem líderes, e um time feminino trabalhando para as marcas, você tem um olhar empático e consegue produzir uma comunicação que fala com a realidade do Brasil hoje. Eu sempre brinco que não há nada mais produtivo que uma mãe. Para mim, uma liderança feminina é uma vantagem estratégica. Existem diversos estudos que comprovam que mulheres na liderança são mais eficazes e trazem resultados de negócios. Essa combinação de competência, feminilidade e gana da mulher brasileira é muito inspiradora.”
Tatiana Marinho tem uma trajetória intensa e solitária na publicidade. Desde que a baiana decidiu se mudar de Salvador para São Paulo, em 2001, ainda recém-formada, os desafios não pararam de surgir. Como mulher nordestina que teve de diminuir a convivência com a família para se dedicar à carreira, ela lembra que aterrissar em solo paulistano foi um choque de realidade e sentiu na pele como as coisas não eram fáceis como pareciam.
Mesmo assim, ela não esmoreceu. Procurou emprego por três meses até ter a primeira oportunidade já no mercado de publicidade, mas na área financeira. Depois de superar inúmeros obstáculos e resistências do mercado, Tatiana atuou por quase seis anos como diretora de operações em diferentes agências do Grupo Dentsu, mas seu propósito de vida falou mais alto e ela largou a estabilidade de uma multinacional quando recebeu um convite para um desafio incerto: levantar a operação de uma agência independente brasileira, a Gana.
“Há momentos na vida em que você chega a um patamar onde pode trabalhar para o que acredita. Foi como um chamado. Muita gente na época me chamou de louca, pois corri um risco ao ir para uma agência que não fazia parte de grupo algum. Na pior das hipóteses, pensei que começaria tudo de novo. Mas, se desse certo, estaria fazendo uma coisa única para os meus.”
Deu certo. Em seis meses de agência, Tatiana se tornou sócia e CEO, posição que ocupa até hoje. Não por acaso, 63% das lideranças da empresa são femininas. “Temos 3 anos. Nosso grande desafio é manter nosso propósito, o nível de qualidade de entrega e, principalmente, o time unido. Também sempre tento trazer mulheres para posições de liderança, e sou muito respaldada pelos meus sócios nisso. Quando me tornei CEO, me senti mais empoderada para seguir com essa missão. E há várias com muita capacidade que, por diversos motivos, não tiveram oportunidades.”
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