Beyoncé ou Taylor Swift?
Já reparou como sempre somos levadas a escolher uma mulher para se destacar perante a outra?
Já reparou como sempre somos levadas a escolher uma mulher para se destacar perante a outra?
14 de dezembro de 2023 - 8h31
Depois que escrevi a coluna anterior falando sobre a relação entre as divas pop, o U2, o mundo dos games e o ambiente corporativo, várias pessoas vieram me perguntar: mas e aí, quem é a melhor: a Taylor Swift ou a Beyoncé?
Mas eu acho que a pergunta deveria ser outra. Ou melhor, outras: por que eu preciso escolher? Por que para uma mulher se destacar em sua área, seja ela o show business ou o mercado corporativo, outra precisa ser colocada para baixo? Não deveria ser ao contrário? Quanto mais mulheres no topo, mais elas “puxam” as demais e incentivam o crescimento de outras? Essa foi uma questão que me incomodou. Então, eu decidi escrever.
Para começar, eu nem acho que as duas artistas têm a mesma proposta, nem necessariamente o mesmo público. Embora ambas sejam divas pop talentosíssimas, de alguma maneira suas músicas têm estilos e propósitos diferentes. Cada uma tem seu público fiel e construiu uma comunidade engajada em torno de si mesma. Não há a menor necessidade de uma batalha entre divas.
Beyoncé usa seu trabalho para lançar pautas raciais. Ela utiliza o palco de seus shows como um palanque para dar luz a essas questões, e suas músicas como um panfleto em prol da emancipação das pessoas pretas, sobretudo as mulheres.
De alguma maneira, todos os seus projetos têm esse enfoque. Dos clipes ao filme/álbum visual, passando por sua fundação BeyGood e por projetos como a oferta de bolsas de estudo para jovens pretas e apoio a empreendedores. Sua militância está presente dentro e fora das músicas.
As letras de Beyoncé são, por assim dizer, mais engajadas politicamente. Suas músicas são uma bandeira, sem nunca deixarem de ser empolgantes. Tudo é feito de modo a encantar os fãs, ao mesmo tempo em que nos faz refletir e nos mover para a ação.
Taylor, por sua vez, tem outra proposta que não passa por uma militância política tão engajada quanto a de Beyoncé – embora o tema feminismo perpasse toda a sua obra. Seu foco está em outro lugar: nos relacionamentos, nos sentimentos e nas próprias experiências, incluindo a de ser uma mulher procurando ser owner no show business e buscando ser devidamente paga por seu talento. E ela explora esses temas com uma habilidade incrível de contar histórias e manter os fãs envolvidos.
Sua ascensão foi importante para nos mostrar que as coisas ditas “de mulherzinha”, normalmente mencionadas de modo pejorativo, têm o seu valor. Falar de amor, de sentimentos, de relacionamentos e términos sempre foi uma constante na música. Porém, quando um artista homem abordava essas temáticas, era visto como sensível e tocante, enquanto as mulheres que traziam os temas em suas obras muitas vezes eram tomadas como fúteis.
Fenômenos como o filme “Barbie”(sobre o qual também já falei na coluna) e a The Eras Tour, da Taylor Swift, nos mostram que essa mentalidade está mudando. A cor rosa, o glitter, os brilhos, a maquiagem, falar abertamente sobre os próprios sentimentos e outras coisas que fazem parte do estereótipo do que é ser mulher estão deixando de ser consideradas frivolidades e passando a ser mais valorizados.
Se há pouco tempo, as mulheres tinham que se mostrar “duronas” e adotar um comportamento que no senso comum é associado ao gênero masculino para serem respeitadas, hoje artistas como Taylor e Beyoncé – e obras cinematográficas como “Barbie” – nos provam que elas podem performar feminilidade e, ainda assim, serem respeitadas.
A própria Taylor Swift faz piada sobre isso em sua performance de “The Man” no show da Eras Tour, trajando um paletó e exibindo o muque. Nesse caso, porém, o traje em questão é de paetês, numa versão girlie, para mostrar que tudo bem gostar das coisas ditas “de menina”, isso não afeta o seu valor como pessoa ou como profissional. Não é preciso se “masculinizar” para ter poder.
Ou seja: Beyoncé e Taylor Swift têm origens e vivências totalmente diversas. Então, como elas traduzem suas experiências nas próprias músicas e em projetos nos quais se engajam, é claro que uma é bem diferente da outra.
Não acho que seja possível compará-las, pois as duas são geniais, cada uma do seu jeito e em seu espaço. Não tem porque acharmos que uma precisa “destronar” a outra.
Não dá para pensar nessas questões sem associar à velha rivalidade feminina que nos é incentivada desde sempre, e que está presente também em nossa vida profissional.
Essa ideia de que para uma mulher estar “no poder” outras precisam estar abaixo dela, ao meu ver, é muito errada. Até porque, convenhamos, dificilmente vemos as pessoas incentivando um homem (seja ele artista ou qualquer outro profissional) a “destronar” outros. Pelo contrário, a cooperação entre homens é amplamente incentivada, e isso deveria nos fazer pensar.
Então, para responder à pergunta-título do texto, entre Beyoncé e Taylor Swift eu fico com as duas! As duas cantoras são expressões incríveis do feminino, mas são mais distintas entre si do que parecem à primeira vista. E nós podemos admirar ambas, cada uma por um motivo diferente.
E eu fico não somente com a duas, mas aplaudo de pé todas as mulheres que conseguirem trilhar o caminho todo – que, sabemos, não é fácil – e conseguir chegar em um lugar de destaque. Seja esse lugar um palco, um cargo, a apresentação na feira de ciências do colégio, ou onde quer que seja. Afinal, lugar de mulher…
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