O que as crises do Carrefour ensinam sobre gestão de reputação
Os últimos seis anos - e os acontecimentos mais recentes - mostram que novembro não tem sido um mês favorável para a rede varejista
O que as crises do Carrefour ensinam sobre gestão de reputação
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29 de novembro de 2024 - 9h05
Antes que esse mês acabe, vale aqui um registro importante. Novembro definitivamente não é um bom mês para o Carrefour. Elenco aqui três fatos que aconteceram com a rede varejista nesse mês ao longo dos últimos seis anos:
Um segurança terceirizado agrediu um cachorro na unidade paulista do Carrefour em Osasco. O Centro de Zoonoses foi chamado e o animal desmaiou durante sua remoção e veio a óbito. As agressões foram filmadas por testemunhas. A reação negativa do fato nas redes sociais gerou ampla comoção. O Carrefour divulgou algumas notas com seu posicionamento, todas evasivas.
Dias depois, o Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito civil para apurar o caso de agressões e maus tratos. E novo comunicado oficial foi divulgado, esse sim com um tom um pouco mais de acordo com a gravidade da situação, mas, ainda assim, sem um pedido formal de desculpas, mesmo que de forma preventiva.
João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, morreu na noite da véspera do Dia da Consciência Negra, após ter sido espancado por dois seguranças brancos na porta de uma unidade da rede do Carrefour em Porto Alegre. A morte de Beto, como era conhecida a vítima, gerou reações na sociedade civil. Protestos antirracistas foram organizados em diferentes cidades, e movimentos de boicote à rede de supermercados Carrefour começaram a ser organizados nas redes sociais.
Dois dias depois do ocorrido, o presidente mundial do grupo Carrefour, Alexandre Bompard, utilizou as redes sociais para comentar o fato. Escrevendo em português, o executivo francês afirmou: “Meus valores e os valores do Carrefour não compactuam com racismo e violência”.
Bompard pediu para que a rede de supermercados no Brasil faça “uma revisão completa das ações de treinamento dos colaboradores e de terceiros, no que diz respeito à segurança, respeito à diversidade e dos valores de respeito e repúdio à intolerância”. O Carrefour fechou a loja nos dias seguintes ao fato, destinou toda a renda da rede para o combate ao racismo e afirma ter garantido todo apoio à família da vítima.
O CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard (olha ele aí de novo!), divulgou um comunicado em que afirma que a varejista se compromete a não comprar e revender carnes do Mercosul.
O anúncio aconteceu em meio a protestos de agricultores franceses contra acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Eles dizem que o acordo abre uma concorrência desleal da carne brasileira e argentina no mercado francês.
O texto gerou boicote de frigoríficos e restaurantes brasileiros ao Carrefour no Brasil e reações do ministério da Agricultura. Dias depois, a tensão atingiu um novo patamar, adquirindo dimensões diplomáticas e políticas, com integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária estudando um projeto de lei de reciprocidade econômica que limitaria a assinatura de novos acordos comerciais com a França.
Essa escalada fez Bompard rever sua posição e na última terça pediu desculpas formais ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Na quarta-feira, o Carrefour publicou anúncio de página inteira nos principais jornais brasileiros em que afirma que é graças à parceria com diversos setores nacionais, incluindo o segmento agropecuário, que consegue oferecer acesso à alimentação saudável no país. “Todos os meses, os nossos mais de 130 ml colaboradores recebem 60 milhões de clientes nos 26 estados e no Distrito Federal, em mais de 1.000 lojas”, diz o anúncio, que não faz referência às falas de Bompard.
Esses fatos suscitam algumas reflexões importantes para quem traballha com branding e reputação de marcas. O Carrefour ostenta mundialmente uma mesma marca. Isso significa que o que acontece em Osasco ou Porto Alegre reverbera na sede situada na França, na Ásia ou em qualquer lugar que ostente seu logotipo com marca homônima.
Nem todos os grupos, apenas para ficar nos de varejo, possuem uma marca mundial predominante. Preferem adotar diferentes nomes locais, sob o guarda-chuva de uma holding comum. Como se vê, em situações de crise de imagem, há procedimentos que podem ser traçados preventivamente, inclusive a própria forma de adoção do nome da marca e seu impacto futuro, em caso de exposição negativa perante a opinião pública.
A principal premissa da gestão de crises é de que elas têm um padrão. E, se têm um padrão em termos de como começam, evoluem e terminam, é possível planejar antes os seus desdobramentos – e se preparar para elas, quando tudo está calmo. No caso do Carrefour, a verve francesa parece indicar o oposto dos manuais de crise.
Dos funcionários terceirizados ao CEO global, há também um roteiro que se repete: após manifestações fortes de indignação do público ao ato que detonou a crise, há a associação a valores positivos e de ampla aceitação pela sociedade, ações intempestivas para remediar o estrago, e um comunicado reconhecendo o fato e propondo algum tipo de revisão do ato que detonou o processo.
Para a consultora em gestão de imagem Olga Curado, autora do livro “Viver sem Crise” (Editora Leya, 2013), cerca de 80% das crises são evitáveis e ocorrem por erro de gestão. O Carrefour parece seguir essa regra preciosa à risca.
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