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Scott Galloway não foi empático, foi pragmático 

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Blog da Regina

Scott Galloway não foi empático, foi pragmático 

Fico me perguntando o que leva uma pessoa a achar que, do alto de seu privilégio masculino, branco, hétero e cis, pode ajudar a quebrar tabus se vestindo de mulher


17 de março de 2022 - 6h30

Esse é aquele momento do ano que somos abatidos pelo FOMO (Fear of Missing Out). Os privilegiados que puderem ir ao SXSW, em Austin, passam pela sensação constantemente in loco, pois o evento é feito justamente com esse propósito e sentir que estamos perdendo algo é parte importante da experiência. E, quem não pode ir a Austin, como eu, e acompanhou tudo online e pelos grupos de WhatsApp, redes sociais e coberturas dos sites especializados, também ficou com um tipo diferente de FOMO, à distância. E logo no primeiro dia do evento, a movimentação toda girava em torno de uma situação envolvendo um dos palestrantes mais aguardados do festival, Scott Galloway. 

Uma das características mais bacanas do SXSW é a possibilidade de a plateia interagir com os palestrantes ao final das sessões por meio de perguntas abertas. O provocador autor, podcaster e professor de marketing da NYU disse que pararia de aparecer vestido de mulher depois de ser confrontado pelo pai de uma criança transgênero durante a sessão de perguntas e respostas de sua apresentação “Provocative Predictions”. Galloway, que co-apresenta o podcast Pivot do Vox com Kara Swisher e ganhou notoriedade por seus comentários não convencionais sobre negócios, economia, política e tecnologia, apareceu usando perucas, batom e vestidos em vídeos do seu canal no YouTube e em sua participação como comentarista da CNN+. 

 

Scott Galloway usa batom e peruca em participação como comentarista na CNN, em janeiro deste ano (Crédito: Reprodução/Twitter)

“Estou me perguntando, como pai de uma criança transgênero, se você consideraria aposentar as apresentações transfóbicas?”, perguntou o participante Christopher Haines, segundo áudio do evento obtido pela Fast Company. “E você acha isso ofensivo?”, Galloway respondeu. Haines disse que as performances de Galloway colocam sua filha transgênero em risco, explicando que elas se baseiam em estereótipos e justificam o bullying de crianças trans e não-normativas de gênero. 

“Você tem uma voz e um impacto, e estou lhe dizendo, aprecio sua perspectiva pensativa e inteligente sobre tudo”, continuou Haines. “Mas quando vejo isso, penso na minha filha sendo intimidada. E eu lhe perguntaria, por favor: considere como isso afeta todos os nossos filhos. Especialmente no Texas, agora, onde eles estão tentando tornar ilegal a prestação de cuidados de saúde [a nossos filhos]”, concluiu, referindo-se à recente declaração do governador Greg Abbott de que fornecer assistência médica de afirmação de gênero a jovens transgêneros constitui abuso infantil sob a lei do Texas. 

Galloway disse que, apesar de não ter a intenção de ofender, entendeu que suas intenções não eram o ponto. “Independentemente do que eu acho que estou fazendo. . . Reconheço que meu privilégio pode me fazer ignorar o impacto que você acabou de descrever”, disse ele. “Falo com sinceridade: não tinha pensado nisso. Eu pensei como um homem heterossexual cisgênero, privilegiado, que eu poderia realmente estar ajudando quando fiz isso. Então, deixe-me ir direto ao assunto: eu acredito que você é sincero. Eu irei parar.” 

Em entrevista à própria Fast Company, quatro dias após sua palestra, Galloway resiste a caracterizar o que ele fez como drag, comparando-o com imitações do estilo Saturday Night Live. Antes da palestra no SXSW, ele afirmou achar que estava ajudando a normalizar pessoas de corpo masculino usando roupas femininas. 

“Tenho idade suficiente para aprender e evoluir, e sei que há muitas dimensões dessas questões que nunca consigo entender completamente”, diz ele. “Posso ser eficaz sem me vestir com roupas femininas. Eu não sou um comediante. Eu sou um acadêmico tentando trazer um ponto e ajudar as pessoas a desenvolver segurança econômica para si e suas famílias. E se um pai de uma criança transgênero sente que minhas atividades estão possivelmente prejudicando crianças transgêneros, estou disposto a acreditar em sua palavra e mudar meu comportamento”. 

Fico me perguntando o que leva uma pessoa a achar que, do alto de seu privilégio masculino, branco, hétero e cis, pode ajudar a quebrar tabus se vestindo de mulher, ou seja, reproduzindo estereótipos, em pleno ano de 2022. E não estamos falando de uma pessoa qualquer, mas de um acadêmico renomado, como ele próprio faz questão de se autoproclamar. O nome disso é arrogância. A coragem e a palavra emocionada e firme do pai de uma criança transgênero nas frentes das câmaras (o evento foi híbrido e transmitido online): isso sim merece todo o aplauso dos inúmeros elogios que vi e li de diversas pessoas sobre a atitude por elas considerada humilde e empática de Galloway. 

Em primeiro lugar, em nenhum momento o professor da NYU pediu desculpas pela sua atitude. Nos segundos em que ficou em silêncio processando tudo aquilo que ouvia, havia claramente um cálculo milimétrico sobre o impacto de sua reação transmitida ao vivo para milhares de pessoas. Deu uma resposta que acredito ser sincera e pragmática. Mas está longe de ser empática. 

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