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“Brain rot”: Como enfrentar a exaustão mental em 2025

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“Brain rot”: Como enfrentar a exaustão mental em 2025

A psicanalista Elisama Santos reflete sobre a condição e aponta maneiras práticas de desacelerar e reencontrar o equilíbrio


10 de janeiro de 2025 - 9h30

Elisama Santos, psicanalista, escritora e apresentadora (Crédito: Divulgação)

O ano de 2024 foi marcado pela ascensão de um termo que reflete o esgotamento mental coletivo em uma era de excesso digital. “Brain rot” (“cérebro podre” ou “podridão cerebral”, em inglês), escolhido pelo dicionário inglês Oxford como a expressão do ano, tornou-se símbolo de um fenômeno global: a deterioração mental e intelectual causada pelo consumo incessante de conteúdos superficiais e pouco desafiadores, sobretudo nas redes sociais.  

Com 130 mil buscas ao longo do ano, a expressão revela uma angústia compartilhada por milhões em um mundo hiperconectado.  

Para entender as raízes desse problema e buscar caminhos para enfrentá-lo em 2025, conversamos com Elisama Santos, psicanalista, escritora e apresentadora do “SAC das Emoções”, do GNT. Ela explora as razões por trás dessa exaustão mental e reflete sobre como a aceleração do tempo, a ilusão da produtividade e a ausência de limites claros entre trabalho e vida pessoal têm contribuído para o cenário atual. Além disso, Elisa aponta maneiras práticas e coletivas de desacelerar e reencontrar o equilíbrio. 

Confira a entrevista completa e inspire-se com reflexões e estratégias para lidar com um dos maiores desafios dos nossos tempos. 

Você concorda que estamos vivendo uma exaustão do nosso estado mental? Se sim, por que acredita que isso está acontecendo?

Estamos vivendo uma aceleração do tempo que é incompatível com o funcionamento humano. Temos a tendência de querer funcionar na velocidade do processador dos nossos smartphones, mas isso não vai acontecer. Muitas informações têm vindo para nós de maneira acelerada. A tecnologia chegou em nossas vidas, e, inicialmente, achávamos que seria para facilitar.  

O tempo que perdíamos fazendo determinadas coisas lá atrás, como na fila do banco ou mandando uma carta, não ganhamos agora, porque não precisaríamos fazer outras coisas nesse tempo ganho. Ele serviria para descansar, aproveitar a vida, namorar, ficar com os filhos. Mas não foi o que aconteceu. Agora, esse tempo ganho foi preenchido pela ilusão da produtividade. Acreditamos que todo o nosso tempo deve ser usado para ganhar coisas. Caminhamos enquanto escutamos um podcast, lavamos louças enquanto assistimos a uma aula. Estamos sempre com a sensação de que estamos perdendo algo, de que nosso tempo e nosso funcionamento são insuficientes. 

Isso não é mentira. Nosso funcionamento é insuficiente se tivermos a intenção de acompanhar a velocidade do processamento das redes sociais e dos computadores. Não estamos aceitando os ciclos que fazem parte da existência humana. Acredito que, em algum momento, vamos precisar desacelerar e entender que a tecnologia não pode ser o modelo para seguirmos enquanto seres humanos. Ela deve facilitar a nossa vida, e não o contrário. 

Quais efeitos e sintomas indicam que nossa relação com os conteúdos das redes sociais não está saudável?

As redes sociais não nos dão tempo de processar a vida. Imagine uma vasilha com água e terra: se você sacudi-la, tudo se mistura e você não consegue enxergar com clareza. Mas, se deixá-la parada, a terra assenta e, com o tempo, é possível ver melhor o conteúdo.

Nós funcionamos assim. A vida acelera nossos sentimentos, embaralha tudo. Precisamos de tempo para assentar, decantar e entender o que é importante para nós. As redes sociais tiraram isso de nós: tempo, solidão e espaço para processar o que acontece. Estamos o tempo todo diante de informações que se sobrepõem, sem dar espaço para raciocinar e entender como a primeira nos afetou.

Enquanto vemos no feed que um ex-colega da faculdade morreu, descobrimos que a filha de uma amiga nasceu. Antes mesmo de processar essas informações, aparece uma guerra em outro país e, logo depois, vemos alguém de que não gostamos muito mostrando como está bem de vida. E aí comparamos a vida dela com a nossa.

Mas a verdade é que vemos frames da vida dos outros e comparamos nosso “todo” com aquela sala de estar que mostram. E vemos muitas salas de estar ao mesmo tempo, sem espaço entre um conteúdo e outro para nos questionarmos. Isso impede que as informações se assentem, e essa ausência de tempo para processar o que nos acontece causa uma ansiedade imensa.

Sempre convido as pessoas a notarem, fisicamente, onde a ansiedade fica nelas. Como está o sono, a alimentação? Consigo ficar só e aproveitar a vida um pouco? Consigo deitar e olhar para o teto sem achar que deveria fazer algo? O experimento de limitar redes sociais já mostra o quanto elas são nocivas para nossa saúde mental.

Há alguma relação entre trabalho e carreira com esse processo?

Interessante como ainda acreditamos que existe uma separação muito clara, nítida e concreta entre a vida pessoal e a profissional. Não existe. A mesma Elisama que está ansiosa enquanto lê os e-mails, vê as redes sociais e é muito exigida em casa é a Elisama que vai trabalhar, lida com o cliente e sofre uma cobrança absurda da equipe do líder. É a mesma que vai chegar em casa e pedir para a criança tomar banho. Não trocamos a skin quando transitamos entre os setores da nossa vida. O que vivo em uma área vaza para a outra.  

Então, essa exaustão que tenho nas redes sociais, com o uso da internet, vai para a minha vida e para a carreira. A internet deixou invisível aquela linha que separava nosso trabalho da nossa vida pessoal. “Mas é só uma mensagem”, “estou escrevendo agora para você ver amanhã, não precisa me responder”. No momento em que mando uma mensagem corporativa fora do horário comercial, a pessoa vê e começa a pensar no trabalho. Não é o momento para ela fazer isso, mas para namorar, estar com o filho. As redes sociais misturaram tudo. Agora, vamos com o trabalho para todos os lugares. 

Antes, seus documentos ficavam no escritório, a não ser que você pegasse várias pastas e levasse para casa. Agora, as pastas vivem com você, no seu e-mail, na nuvem. Você consegue acessar tudo de casa. Essa ausência de limite do horário em que começo e paro de trabalhar nos adoeceu muitíssimo. Nós também ainda não sabemos usar as redes sociais e as tecnologias de uma forma que nos ajude na carreira, em vez de nos sobrecarregar.

O que podemos fazer para amenizar essa exaustão, na vida pessoal e na carreira? 

É importante entender que amenizar a exaustão não é algo que fazemos sozinhos. Por mais que eu quisesse dar dicas para aprendermos a lidar com isso no cenário micro, estamos falando de um problema que é coletivo e macro. É nosso, enquanto sociedade. O indivíduo, sozinho, não vai resolver esse problema.

Podemos ter paliativos para nos ajudar a suportar a dor, mas não para curá-la. Individualmente, podemos começar a dizer mais “não”; deixar o celular no automático em determinados períodos e dizer às pessoas que só respondemos mensagens em horários específicos; e determinar um momento para usar o celular.  

Também é importante acrescentar momentos de prazer na rotina, porque quando estamos sobrecarregados, nossa tendência é fazer apenas o que precisa ser feito, que geralmente é árido, duro, pesado e torna a vida pior. A pergunta é: o que refresca a minha vida e a deixa melhor?  

Podemos também criar redes, na nossa casa e na empresa, de apoio, conversa, troca e suporte, para conseguir lidar com os momentos mais difíceis. Aprender a pedir ajuda. Temos muitas pequenas ações que são mais poderosas se partem da liderança e da empresa. Porque se eu aprender a dizer “não”, mas tenho medo de perder o emprego e minha liderança me cobra absurdamente, é injusto achar que o meu desejo individual será suficiente para proteger a minha sanidade mental. 

Para você, qual será o termo da vez em 2025 no que diz respeito à saúde mental e à nossa relação com carreira e trabalho?

Infelizmente, acredito que o burnout e a exaustão ainda serão a tônica de 2025. Quando o lucro for atingido de maneira mais expressiva, precisaremos desacelerar enquanto comunidade, mas não acredito que isso vai acontecer esse ano. Estou vendo um movimento corporativo de ajustar e trazer mais saúde mental e cuidado para os colaboradores, mas acho que ainda não estamos caminhando para o melhor.  

Quando vemos a redução do trabalho híbrido, a exigência de que o funcionário continue pegando duas horas de trânsito para exercer uma função que ele poderia fazer de casa, sem opção de escolha, encaramos a realidade. Há retrocessos, em vez de avanços, em torno da saúde mental. Simplesmente ofertar psicólogos e vários benefícios que o colaborador não tem tempo ou condições emocionais para utilizar não vai nos ajudar.  

Mas acho que as corporações ainda não perceberam isso como deveriam. Em algum momento, vamos ver essa estrutura ruir. Quando isso acontecer, teremos palavras mais esperançosas do que hoje.

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