Cinthia Oliveira: o desafio de liderar ESG em empresas tech
A nova head global de ESG da CI&T reflete sobre como aliar sustentabilidade a soluções tecnológicas nesse mercado
Cinthia Oliveira: o desafio de liderar ESG em empresas tech
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Lidia Capitani
24 de janeiro de 2025 - 6h34
A trajetória profissional de Cinthia Oliveira teve início como recepcionista bilíngue em um salão de beleza, onde surgiu a primeira grande oportunidade: um convite de uma cliente para participar de um processo seletivo em uma multinacional americana, a Policom. Essa transição marcou o salto do subsolo do shopping para o décimo andar de uma grande organização, o que representou uma conquista significativa para alguém nascida na periferia de São Paulo.
Após quase quatro anos na Policom, Cinthia seguiu para a Uber, onde, além de evoluir de recepcionista para diversas funções, adquiriu experiência em grupos de afinidade, comunicação e políticas públicas. Posteriormente, foi convidada a integrar o Nubank, assumindo novos desafios em diversidade, inclusão e ESG. Mais recentemente, Cinthia recebeu o convite para liderar a área de ESG globalmente na CI&T, continuando sua trajetória de crescimento e impacto em grandes organizações.
Nesta entrevista, Cinthia Oliveira fala sobre os novos desafios que enfrentará na posição que assume, mas também comenta sobre seus projetos paralelos, como Black HR Brasil, e suas visões sobre a combinação entre ESG e tecnologia.
Quando falamos de ESG, estamos lidando com três questões principais: ambiental, social e de governança. Em uma empresa de tecnologia, embora não trabalhemos diretamente com setores como mineração, que impactam diretamente a natureza, também enfrentamos desafios relacionados ao uso de tecnologia. Pensando em aspectos como consumo de energia, água, data centers, entre outros, é fundamental entender o impacto do setor na sociedade.
O maior desafio hoje é compreender melhor esse impacto e como os profissionais de ESG podem contribuir para tornar a organização mais sustentável nesses três pilares. É importante também refletir sobre o legado que a tecnologia deixará para as gerações futuras. Estamos em um momento de aprofundar o entendimento do setor e como ele afeta a sociedade, para, a partir daí, identificar maneiras de mitigar os riscos.
Empresas de tecnologia focaram muito em diversidade e inclusão, mas agora percebemos que podemos expandir essa abordagem para incluir questões ambientais, como pegada de carbono, uso responsável de energia, água e data centers. Além disso, a governança ética, compliance, canais de denúncia, responsabilidade social, programas de voluntariado e incentivos fiscais também precisam ser contemplados.
Os desafios estão, portanto, na compreensão mais profunda de como o setor contribui, de maneira positiva ou negativa, para a sociedade, e em como podemos melhorar esse relacionamento para garantir que a empresa se torne realmente sustentável, para além da diversidade e inclusão.
Quando pensamos em inteligência artificial, entendemos que o treinamento da máquina parte de uma perspectiva humana. Se tivermos times diversos colaborando na criação dessas soluções e pessoas diversas as consumindo, conseguimos evitar vieses e impedir que a inteligência artificial replique os modelos sociais naturalmente desiguais. Há uma grande oportunidade de criar soluções inovadoras, e quanto mais diverso o time, mais inovadoras serão as soluções. Isso amplia a abrangência das soluções, refletindo melhor a realidade da sociedade, sem reproduzir desigualdades sociais.
Times diversos são fundamentais para que nossas soluções tecnológicas, desde sua concepção, já tenham uma perspectiva inclusiva. Não podemos continuar a replicar o modelo mental do homem branco, cis, hétero e sem deficiência, que não é a realidade da maioria da população brasileira. Sabemos que, segundo dados do IBGE, mais de 50% da população brasileira é autodeclarada negra, composta por pretos e pardos. Portanto, como podemos garantir que nossas soluções atendam a essa população diversa se nossos times também não forem diversos?
Um exemplo disso foi quando trabalhei na Uber. Quando a Uber chegou ao Brasil, a única opção disponível era o Uber Black, um serviço mais caro, com carros SUVs, voltado para pessoas com renda mais alta. Isso significava que o produto não chegaria às periferias. Eu me questionava: “Estou aqui, mas não consigo usar o produto. Quem está sendo atendido por essa solução?” Foi então que, trazendo minha perspectiva, que vinha de fora da realidade de quem estava criando, começamos a testar novos modelos de negócio, como UberX, UberPool, UberMoto, UberPatinete, e outros. Isso expandiu o market share da empresa, pois passou a atender a maior parte da população.
Hoje, a Uber está presente em comunidades como Paraisópolis, Heliópolis e outras favelas, justamente porque, lá atrás, alguém pensou: “Quem estamos atendendo com essa solução?” E isso, de forma colaborativa, foi ajustado, ampliando o alcance. Por isso, acredito que times diversos em empresas de tecnologia são essenciais, pois ampliam as possibilidades de criar soluções mais acessíveis, que atendem a todas as pessoas.
Está muito gostoso. Embora seja uma empresa de tecnologia, ainda estou me adaptando, pois o modelo de negócio é diferente. Nas empresas em que trabalhei antes, como o Nubank e a Uber, o foco era mais em produto, com uma perspectiva de entrega final. Aqui, a empresa é mais voltada para consultoria, ajudando outras organizações a navegarem pela transformação digital de maneira excelente, com o apoio das nossas pessoas. Estou aprendendo bastante sobre esse modelo de negócio, e tem sido desafiador, mas também muito legal.
É uma empresa mais antiga, com quase 30 anos de história, o que traz um legado bacana. Ao mesmo tempo, há a oportunidade de trazer novas perspectivas e contribuir com algo novo, mesmo em um ambiente consolidado. Em SG, como mencionei, vejo muito espaço para testar e inovar.
A responsabilidade pela inteligência artificial é algo fundamental. Quando falamos de IA, muitas vezes parece algo distante, intangível, mas na realidade, existe um fator humano por trás, guiando essa tecnologia. Portanto, essa responsabilidade precisa ser compartilhada com a inteligência humana. Assim como temos responsabilidades no nosso dia a dia, mesmo que ainda não exista uma legislação clara no Brasil sobre como usar a IA, nós, como indivíduos e organizações, temos o dever de endereçar essa governança.
Na CI&T, por exemplo, temos uma solução chamada Flow, que traz essa governança de maneira compartilhada, garantindo a segurança da informação e seguindo protocolos para o uso adequado da IA. Isso nos permite evitar vieses inconscientes, como o racismo, e assegurar que estamos agindo de forma responsável. A IA não deve ser uma “terra sem lei”. Hoje, conseguimos estabelecer algumas diretrizes e criar uma governança para que o uso da inteligência artificial seja mais controlado e seguro.
Acredito em uma liderança mais democrática. Gosto muito de construir junto com o meu time e trago bastante da minha vivência e da minha família para o meu estilo de liderança. Minha família sempre foi muito unida, e minha avó sempre dizia: “Pensa no outro, não olha só para o seu próprio umbigo”. Esse ensinamento me acompanha, e é algo que levo para a minha forma de liderar.
Sou muito colaborativa com o time, não tomo decisões sozinha. A gente discute, analisa, e decide junto. Então, vejo minha liderança como democrática e colaborativa, o que gera mais confiança. Não acredito em liderança rígida ou inflexível. Claro que, em alguns momentos, precisamos tomar decisões, e meu papel exige isso, mas essas decisões precisam ser baseadas em dados, discutidas previamente e considerar a visão de quem está na ponta, e não apenas a perspectiva estratégica.
O BHR, o Black HR, surgiu de uma dor. Acredito que grandes negócios e organizações nascem justamente disso, de uma necessidade não atendida. Essa percepção veio ao longo da minha experiência em duas grandes empresas, e também na CI&T. Como profissional de RH, percebi que não havia pessoas como eu nos espaços onde estava. Quando falo “pessoas como eu”, me refiro a mulheres negras, de periferia, que não tiveram os mesmos privilégios e acessos que outras pessoas. Eu me sentia muito sozinha nesse lugar.
Foi então que comecei a me conectar com outras mulheres, como a Priscila, a Jéssica Sandim e a Letícia, que são minhas sócias. A Jéssica não faz mais parte, mas no começo ela estava conosco. Nós compartilhávamos essa sensação de solidão nos espaços que frequentávamos e decidimos que não era possível a inexistência de outras mulheres negras no RH. Foi assim que fundamos a organização, com o objetivo de dar protagonismo a outras mulheres e pessoas negras na área de RH.
Hoje, temos uma comunidade no WhatsApp com quase mil pessoas, profissionais negras que atuam em diversas áreas do RH. O foco é dar visibilidade a essas mulheres, e não apenas em São Paulo. Percebemos que existe um mito, ou melhor, uma realidade, de que o sucesso está em São Paulo ou no Rio. Por isso, nossa intenção sempre foi expandir a rede e trazer perspectivas de outras realidades do Brasil. Hoje temos tantas que o grupo cresceu bastante. É, de fato, uma comunidade.
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