Como a atualização da NR-1 favorece a saúde mental das mulheres
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, discute como a norma protege as mulheres do assédio e do adoecimento mental
Como a atualização da NR-1 favorece a saúde mental das mulheres
BuscarTatiana Pimenta, CEO da Vittude, discute como a norma protege as mulheres do assédio e do adoecimento mental
Lidia Capitani
28 de abril de 2025 - 7h40
A NR-1 é a Norma Regulamentadora que estabelece diretrizes para a segurança e saúde no trabalho. O tema tem chamado atenção recentemente após uma modificação no texto que deixa claro que as empresas precisam gerenciar o risco psicossocial no ambiente de trabalho. A atualização foi publicada em agosto de 2024 e entrará em vigor no dia 25 de maio de 2025.
A modificação é uma resposta do poder público para a escalada de afastamentos e diagnósticos de transtornos mentais que ocorrem no Brasil a cada ano. “O retrato do Brasil hoje é de um País que adoece cada vez mais. De 2014 em diante, a gente tinha, em média, 200 mil afastamentos por transtornos mentais por ano. Em 2023, foram 288 mil. No ano passado, 472 mil”, reforça Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, empresa que oferece soluções para saúde mental.
No seu ponto de vista, a norma é positiva porque obrigará que as empresas passem a mapear, monitorar e reduzir os riscos psicossociais, com possibilidade de multa para aquelas que não o fizerem. Nesta entrevista, Tatiana Pimenta discute como as organizações podem se adaptar ao novo texto e como isso favorece as mulheres no ambiente profissional.
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude (Crédito: Juliana Frug/Divulgação)
A NR1, publicada em 2022, trata do gerenciamento de risco ocupacional. E, se estou lidando com pessoas dentro de um ambiente de trabalho, isso inclui cuidar da saúde mental. Só que a maioria das empresas sempre ignorou a pauta da saúde mental e continuavam focadas só nos riscos físicos, químicos e biológicos. Foi aí que tanto o Ministério do Trabalho quanto o Ministério Público do Trabalho entenderam que era importante mudar a redação da norma para deixar claro que gerenciar riscos no ambiente de trabalho não é só olhar para o químico, físico ou biológico. Principalmente em organizações onde existem grandes estressores e fatores que podem causar adoecimento emocional nos trabalhadores.
Tem outro ponto, que é a responsabilidade civil do empregador, prevista na CLT. Eu não posso causar dano ou agravo à saúde de um trabalhador. Se o ambiente de trabalho é tóxico, se há assédio, sobrecarga ou um nível de estresse que faz as pessoas adoecerem, é responsabilidade do empregador eliminar esses fatores de risco. Então, sobre a norma, os auditores têm sido bem enfáticos: não existe nenhuma nova obrigação. A obrigação é a mesma, o que muda é que agora está mais claro que o risco psicossocial vai ser cobrado. A partir do dia 26 de maio, o Ministério vai ser mais efetivo nas cobranças e nas autuações das empresas que não estiverem olhando para o tema.
A necessidade dessa atualização vem do próprio adoecimento da população. Os afastamentos vêm escalando, e isso está custando caro para o governo. O INSS está pagando a conta de muitos casos que, sim, são responsabilidade das empresas. Então, é nesse ponto que o governo começa a atuar: primeiro, para reduzir essa curva de afastamentos; segundo, para garantir que as empresas tomem medidas preventivas e ajam de forma mais estratégica para reverter esse cenário.
A primeira coisa é as empresas investirem no mapeamento dos riscos psicossociais. Elas precisam ser proativas, identificar quais são os perigos existentes no trabalho, qual o tamanho desse risco — considerando a severidade e a probabilidade de acontecer — e, a partir disso, adotar medidas de controle. Se eu identificar, por exemplo, que tenho um risco elevado de assédio, preciso agir diretamente na causa. Não adianta oferecer terapia para o colaborador se o problema é estrutural. Preciso ter políticas claras para resolver casos de assédio, um canal de integridade que funcione de verdade, uma política bem definida sobre o que acontece com quem comete assédio. Preciso ter treinamentos para toda a organização: explicar o que é assédio, o que não é, como funciona, treinar lideranças para uma comunicação mais assertiva e falar sobre segurança psicológica no ambiente de trabalho.
Se o risco for sobrecarga, não adianta montar uma sala de descompressão, colocar cadeira de massagem, ginástica laboral. Vou ter que contratar mais gente, rever metas, olhar para como as pessoas estão trabalhando. São muitos os riscos relacionados à saúde mental no trabalho. Para cada um desses riscos, eu preciso de medidas de controle, e sempre seguindo uma hierarquia: primeiro tentar eliminar; se não for possível, reduzir; e, se nem isso for possível, ao menos controlar o risco.
Acho que um ponto fundamental, principalmente pra mim, como mulher que já passou por indústrias bastante machistas, é atuar de forma severa contra o assédio. Porque a maioria das vítimas de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho são mulheres. E isso contribui diretamente para o adoecimento da população feminina. Então, quando conseguimos medir e implementar medidas de controle efetivas, promovemos um ambiente mais saudável para todo mundo. Mas, especialmente, ao erradicar o assédio, a gente protege as mulheres do adoecimento e elas passam a trabalhar com mais segurança.
E aí tem um outro ponto importante, que é a questão da equidade. Por exemplo, na nossa escala de segurança psicológica, um dos itens que medimos é a equidade, e o que vemos é que muitas empresas ainda não oferecem isso entre homens e mulheres. Isso gera frustração e, muitas vezes, sobrecarga. Eu mesma vivi isso sendo uma mulher em posição de liderança no setor da construção civil. Para mim, era muito claro que eu precisava trabalhar quatro vezes mais para que meu trabalho fosse visto, para receber um elogio, um reconhecimento, ou até uma promoção. Então, quando falamos de riscos psicossociais, é essencial olhar também para a promoção da igualdade de oportunidades, independentemente do gênero. Isso também faz parte de construir um ambiente de trabalho mais justo e saudável.
O ponto central é a intencionalidade. Não é só fazer reserva orçamentária e mapear os riscos psicossociais. É sobre o que você faz com esse mapeamento depois. Identifiquei os riscos, e agora? Quais medidas de controle vou tomar? Se identifiquei um ambiente assediador, o que eu faço pra corrigir? Ou eu simplesmente ignoro? É aí que está a diferença. Para mim, as boas práticas estão nas empresas que usam os dados dos assessments de risco psicossocial para implementar boas medidas de gestão. Porque no fim do dia, estamos falando de gestão de risco. E isso tem tudo a ver com a saudabilidade e sustentabilidade do negócio. Ambientes mais saudáveis geram mais produtividade, menos absenteísmo e menos turnover. Então, as empresas precisam amadurecer esse entendimento de que saúde mental faz parte da estratégia. As companhias que fazem investimentos consistentes e assertivos têm resultados muito expressivos.
Hoje, temos um número muito grande de mulheres no mercado de trabalho. A força de trabalho feminina é relevante e precisamos cuidar dessas profissionais. Boas práticas incluem, por exemplo, análises dos cargos para entender o que pode ser flexível, o que não pode, e qual o formato de trabalho. Isso faz total diferença para uma mulher que é mãe, por exemplo. Então, como a empresa está olhando para isso? Como é que ela se adequa para oferecer um ambiente que proporcione estrutura de saúde para essa mulher, e que também incentive que ela seja produtiva?
Desde pequenas multas até autos de infração, que vão ser os primeiros a aparecer em casos de descumprimento. Se eu não identificar o risco, tenho auto de infração. Se não avaliar corretamente, também. Se não tomar medida de controle, idem. São vários fatores que podem gerar ou influenciar uma penalidade. E, com recorrência, a situação pode escalar para algo mais crítico, como interdição, termos de ajuste de conduta ou até ações civis públicas por parte do Ministério Público. Agora, o que vejo de positivo é que estamos falando de uma norma prevencionista, que vem de um lugar super inovador, vanguardista. As pessoas não estão adoecendo só por dor nas costas. Elas estão adoecendo por ansiedade e estresse, e isso não é de agora. É uma tendência que já vem de mais de uma década e, se a gente não fizer nada, 2025 vai bater um novo recorde de afastamentos.
Hoje, já estamos desperdiçando muito dinheiro por não tratar esse problema com clareza. Não tem estrutura no serviço público para cuidar, e muitas empresas, em vez de oferecerem suporte, estão adoecendo as pessoas. Eu torço, sinceramente, para que o governo seja efetivo na fiscalização. E acredito que vai ser, porque na semana passada começaram a formação os 900 novos auditores. Essa turma deve terminar a formação ali por volta do dia 25 de maio. Sobre as dúvidas mais frequentes, o que eu escuto muito são: “ah, é subjetivo, não sei como medir, não está claro, a norma não diz qual instrumento usar”. Eu costumo dizer: é bom que a norma não traga um instrumento específico, porque temos uma diversidade enorme de setores econômicos no Brasil, e um instrumento único pode não servir para todos. Essa liberdade de escolha dá autonomia para argumentar por que você escolheu o instrumento A, B ou C, e por que está usando determinada metodologia.
A norma é clara nesse sentido: você precisa mapear os riscos, usar instrumentos validados e justificar sua escolha. E eu acho que muita dessa sensação de “não está claro” vem de um lugar de negação. Porque as empresas que já entenderam que precisam mapear já começaram a fazer. Então, pra mim, essa dúvida não é bem dúvida. É negação.
Vejo essa norma como muito positiva. Primeiro, porque ela traz um certo empoderamento para as áreas de saúde e de RH. A gente está há nove anos atuando com saúde mental, e é muito comum esses setores desenharem programas, submeterem para o orçamento e o projeto ser negado. Tem empresa que manda o programa ano após ano, e é sempre negado. A justificativa é sempre a mesma: “não é prioridade da empresa”. O que eu vejo é que os colaboradores vão ter ganhos com isso. Uma parte das empresas vai se adequar por estar comprometida com compliance, especialmente aquelas que têm áreas de compliance fortes. Essas não vão esperar serem multadas para agir. Então, de certa forma, isso vai fomentar a estruturação de mais programas de saúde mental nas empresas e vai tirar muita gente da negligência.
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