Como as marcas podem navegar na economia do escapismo?
Agatha Kim comenta nova pesquisa da WMcCann, que aponta necessidade de fugir da realidade como tendência de comportamento
Como as marcas podem navegar na economia do escapismo?
BuscarAgatha Kim comenta nova pesquisa da WMcCann, que aponta necessidade de fugir da realidade como tendência de comportamento
Lidia Capitani
3 de fevereiro de 2025 - 14h31
Novo estudo da Truth Central, unidade global de inteligência do McCann Worldgroup, explora a verdade sobre o escapismo. A pesquisa intitulada “The Truth About Escapism” revelou que 90% dos brasileiros acreditam que distrações podem ser uma forma saudável de lidar com o estresse do dia a dia. Essa necessidade de “escapar” criou a chamada “economia do escapismo”, que movimenta cerca de US$ 10 trilhões de dólares no mundo e segue crescendo.
Embora o setor de viagens e turismo detenha a maior fatia desse mercado (US$ 3,2 trilhões), categorias como bens de luxo (US$ 460 bilhões), álcool (US$ 1,8 trilhões), saúde e bem-estar (US$ 220 bilhões), cassinos e jogos de azar (US$ 372 bilhões), jogos (US$ 106 bilhões), parques temáticos (US$ 50 bilhões) e beleza (US$ 66 bilhões) também desempenham papeis significativos entre os métodos para fugir da rotina. De acordo com o estudo, essa economia deve crescer para US$ 13,9 trilhões até 2028, abrindo grandes oportunidades para as marcas se apropriarem do tema.
No Brasil, quando perguntados “do que você está tentando fugir?”, a principal resposta foi “da minha própria mente” (42%). A segunda foi “das notícias” (34%). Entre as atividades preferidas para escapar, os brasileiros destacaram “scrollar” por horas no celular (50%). Outro ponto interessante da pesquisa é a busca por atividades offline e caseiras. 82% dos brasileiros preferem relaxar em casa a sair, e 79% afirmam que estão tentando desenvolver hobbies mais offline, como leitura, exercícios, artes e ofícios.
Em entrevista ao Women to Watch, Agatha Kim, CSO da WMcCann, comenta sobre o contexto da economia do escapismo e sobre como as marcas podem se apropriar deste tema.
“A saúde mental é o gatilho para todo esse movimento, especialmente quando temos tantas ferramentas que nos permitem desconectar. Não há mais espaço para o ócio. Você quer fugir da sua rotina, então entra nas redes sociais, mas acaba ficando mais ansioso com o que vê. Por isso, é importante encontrar maneiras das pessoas se interessarem pela realidade. Esse é o espaço para as marcas se conectarem com o espírito do momento”, reflete.
Quais são os principais achados do estudo?
Após a pandemia, com todo esse momento incerto que vivemos, o escapismo se tornou um tema fundamental. Antes, estava muito associado a férias, viagens, e era algo ocasional. Hoje, devido a esse cenário de incertezas, o escapismo se tornou diário. As pessoas buscam cada vez mais escapar da realidade, e as redes sociais e a tecnologia têm um papel importante nesse processo. No Brasil, a principal forma de escapismo é rolar o feed nas redes sociais.
Para mim, isso também reflete como o escapismo virou uma forma de distração. Não é apenas uma fuga da realidade, mas uma maneira de escapar da própria mente. No Brasil e globalmente, as pessoas estão tentando fugir não apenas do seu dia a dia, mas da ansiedade que a rotina gera. Isso está diretamente relacionado à crescente consciência sobre saúde mental. No cotidiano, as pessoas buscam maneiras de melhorar o próprio bem-estar e se cuidar.
Outro ponto forte, especialmente no Brasil, é a vontade de fugir das notícias. Isso se intensificou pela polarização política, tragédias recorrentes e o aumento da violência, o que leva as pessoas a se alienar. Esse equilíbrio entre se alienar e não se desconectar da realidade é algo com o qual teremos de lidar nos próximos anos. O escapismo não pode ser uma forma de alienação completa. Precisa ter equilíbrio. Às vezes, é difícil equilibrar o cuidado com a saúde mental e o desejo de estarmos informados sem cair na tentação de nos viciar nas redes sociais. É uma constante busca.
O que seria a economia do escapismo explorada pelo estudo?
A economia do escapismo envolve tudo o que gera receita a partir desse desejo das pessoas de fugir da rotina e da realidade. O turismo, como era de se esperar, sempre esteve muito conectado a isso. Ainda é a área central, mas hoje vemos outras indústrias surgindo com base nesse desejo de fuga. Bebidas alcoólicas, por exemplo, representam uma forma de querer fugir da realidade. Compras também entram nesse cenário, e não apenas no shopping, mas online, algo muito impulsionado pelas redes sociais. A mídia é outro exemplo: no Brasil e globalmente, muitas pessoas recorrem a séries, filmes e games para se desconectar. Tudo isso faz parte da economia gerada por essa busca por maneiras de escapar do que está incomodando no dia a dia.
Por que as pessoas estão buscando mais válvulas de escape do que antes?
Todo dia há algo que nos incomoda e nos faz querer fugir. Como mencionei, a própria mente é a principal razão pela qual as pessoas buscam esse escape. O Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo, com medo do futuro e frustração por não saber o que virá. Isso gera muita ansiedade, que é especialmente intensa para as mulheres. Elas carregam a responsabilidade de cuidar de duas gerações – pais e filhos – e lidam com múltiplas jornadas, o que provoca ainda mais pressão e cria um desejo constante de escapar.
Quando olhamos para os jovens, a situação é ainda mais grave. Índices de depressão e ansiedade são elevados, principalmente porque a geração Z, ao contrário de outras, nunca teve estabilidade. Ela vive um cenário de total incerteza econômica, social e emocional.
No Brasil, o que realmente nos aflige é a ansiedade interna, o que se reflete muito no desejo de escapar da nossa mente. Embora existam questões globais que causam ansiedade, fiquei impressionada com o fato de que, aqui, o maior foco é a própria mente, impulsionada por fatores como incerteza, instabilidade e futuro.
Quais oportunidades surgem para as marcas nesse contexto? Como elas podem se apropriar desse tema?
Elas podem abraçar o desejo das pessoas de escapar, oferecendo o que elas buscam em termos de entretenimento, alívio e humor. Não é à toa que o brasileiro é campeão mundial de memes. Esse comportamento já está enraizado na nossa cultura. As marcas podem entregar conteúdo que permita às pessoas esquecerem um pouco da realidade. Isso se relaciona com a indulgência, ou seja, abraçar essa necessidade de escape.
Mas, como tudo na propaganda, existe um equilíbrio. Por outro lado, as marcas também têm a oportunidade de transmitir uma mensagem de esperança, trazendo otimismo. Depende do propósito e do posicionamento de cada marca. Algumas podem oferecer essa forma de escape por meio de conteúdo e entretenimento, enquanto outras podem trazer uma mensagem mais positiva, um espaço de conversa e troca. O que também é desejado, especialmente por quem não quer se alienar o tempo todo.
Na propaganda, sempre existe essa tensão humana entre querer se esconder por um momento ou se conectar com a realidade. Acho que isso vai perdurar por muito tempo e se tornará uma das maiores questões de comunicação nos próximos anos. É a dicotomia entre o escapismo, a alienação e o desejo de se manter conectado com o que acontece no mundo.
Quais setores podem aproveitar mais essa oportunidade?
Acho que a categoria de viagens é a mais óbvia para trabalhar o escapismo. A que mais tende a se aproveitar disso é a de mídia e entretenimento, porque as pessoas já estão naturalmente buscando essas experiências. Plataformas de redes sociais e games claramente estão indo por esse caminho.
No entanto, existem outras vertentes que também têm potencial. A experiência, seja como estratégia de marketing ou na categoria de eventos, shows e afins, é algo que pode se aproveitar desse contexto de escapismo. Ações do tipo permitem que as pessoas saiam da rotina, vivenciem algo novo, mas ao mesmo tempo se conectem com o que está acontecendo ao redor, com outras pessoas e com seus sentidos. Oferecer experiências de marca é uma maneira de resolver essa tensão sem polarizar.
A categoria de experiência tem grande potencial para crescer. As marcas já estão começando a abraçar isso, e acho que eventos, festivais e novas formas de presença física são essenciais quando falamos sobre escapismo.
Como uma marca pode definir a melhor maneira de se posicionar diante do escapismo?
Tudo depende do papel da marca. Da função que ela quer ter com os consumidores e o que ela pode realmente dizer. Algumas marcas estão naturalmente mais conectadas à ideia de oferecer conforto e indulgência. Para elas, é muito mais natural convidar as pessoas a se abraçarem, o que também é necessário às vezes – abraçar a necessidade de indulgência. Então, sempre volto para o papel da marca.
Outras marcas têm um olhar diferente, buscando conectar as pessoas com o que realmente importa para elas, com a sua verdade, com a realidade e com as pessoas ao seu redor. Se isso está na essência da marca, fica muito mais fácil ela se conectar com seu público.
No final, é sempre sobre isso: o que a marca pode e quer dizer para seus consumidores. Uma marca que é mais indulgente, por exemplo, tem mais dificuldade em se conectar de outras formas. Mas marcas com uma amplitude maior, como as de telecomunicações, que estão no segmento de oferecer conteúdo e conexões reais, precisam entender o que vão oferecer de acordo com seu posicionamento. O segredo está em se voltar para dentro e entender o que ela pode realmente dizer.
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