Como Viviane Duarte hackeou a indústria com a Plano Feminino
Com o “empowertizing”, união de empoderamento e publicidade, a empreendedora desafiou o status quo da mulher na propaganda
Como Viviane Duarte hackeou a indústria com a Plano Feminino
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Lidia Capitani
1 de novembro de 2024 - 8h41
Viviane Duarte é CEO da Plano Feminino, consultoria para empresas e agências sobre gênero, raça e diversidade, a qual fundou há 14 anos. Formada em jornalismo e com especializações em marketing, ela trilhou uma trajetória como liderança de marketing e comunicação em multinacionais.
À época, na primeira década dos anos 2000, a publicidade ainda era repleta de estereótipos sobre o lugar e o papel das mulheres. Desse incômodo, Viviane fundou a Plano Feminino exatamente para desafiar as marcas a repensarem sua comunicação. Os primeiros anos foram desafiadores. Ela chegou a ouvir que os criativos, em sua maioria homens, tinham “licença poética” para criar campanhas que retratavam mulheres no lugar de cuidadoras da casa ou em papeis secundários.
“O primeiro case que nos abriu portas foi com a Seda, em 2011, na campanha ‘Caçadoras de Beleza’, que apresentou uma mulher negra retinta com cabelo crespo como destaque. A campanha recebeu prêmios, elevou a participação de mercado da marca e mostrou o impacto positivo de uma marca que valoriza a representatividade”, afirma.
Hoje, após 14 anos de estrada, a Plano Feminino oferece não apenas consultoria, mas tem também um pilar B2C, focado no desenvolvimento profissional de mulheres. Além disso, há 8 anos, Viviane criou o Instituto Plano de Menina, que visa conectar meninas de 16 a 24 anos da periferia com o mercado de trabalho.
Essa preocupação com o impacto social vem de sua própria história: Viviane foi criada na periferia de São Paulo, num lar de mulheres que sustentavam a casa como sacoleiras do Brás. “Aprendi com elas a força do trabalho e da negociação. Elas faziam o possível para sustentar a família, e esse exemplo moldou a mulher e profissional que sou hoje”, reflete.
Antes de se tornar a empresária de sucesso que é, Viviane foi sacoleira ao lado de sua mãe e avó, vendedora e empacotadora de loja, atendente de telemarketing e professora de teatro. “Ao contar minha história para outras mulheres, acho importante mostrar que não cheguei pronta. Houve muitos obstáculos e aprendizados que me moldaram. Todas essas versões passadas me prepararam para estar aqui e contar essa história com resiliência e empatia”, conta.
Nesta entrevista, Viviane Duarte fala sobre o começo da Plano Feminino, seu trabalho como consultora e mentora, e reflete sobre como a publicidade teve que mudar sua abordagem da diversidade frente às pressões das redes sociais e das consultorias que surgiram para mudar o status quo.
Eu era executiva de marketing de produto e investia muito em pesquisas para entender o poder de compra das mulheres. À época, em 2007, já estava claro que as mulheres detinham 80% desse poder em várias indústrias, mas a comunicação ainda era cheia de estereótipos.
Mesmo sendo a única mulher na mesa com vários executivos homens, percebia o machismo nas reuniões — sempre havia piadinhas e comentários. Lembro de uma vez em que discutíamos o lançamento de uma bebida de soja, e o diretor de marketing disse que ele queria escolher as modelos para o ponto de venda, inclusive as roupas que usariam. Aquilo me incomodava muito, mas ainda era difícil nomear o problema.
Ao mesmo tempo, as pesquisas mostravam o quanto as mulheres influenciavam as compras, mas as campanhas sempre as retratavam em papeis secundários, cozinhando, limpando ou ao lado do motorista. Comecei a questionar isso e criei uma defesa para as marcas que eu gerenciava. Em uma reunião global, apresentei essa proposta, mas os executivos acharam tudo absurdo. Um dos superintendentes chegou a dizer que não colocaria “preto” em uma campanha para um produto premium.
Foi aí que decidi criar a Plano Feminino. Inspirada no conceito de “empowertizing”, que une empoderamento e publicidade, comecei a pensar em como as marcas poderiam influenciar positivamente a vida dos consumidores. A Plano nasceu dessa frustração com o ambiente corporativo e da vontade de construir uma nova forma de comunicação.
Em 2010, montei a Plano com um manifesto forte e contei com o apoio de amigos e contatos. Levei dois anos batalhando até conseguir o primeiro grande projeto, que foi com a Seda. A partir daí, passamos a atender grandes clientes como Heineken, Jeep e Itaú, e aos poucos outras indústrias também começaram a nos procurar.
A Plano, hoje, é dividida em dois pilares principais. O primeiro, o B2B, é a área de consultoria, onde trabalhamos diretamente com marcas e agências. Já o segundo, o B2C, é uma parte muito importante para mim, porque é onde eu me conecto diretamente com as mulheres do mercado e com as que seguem a Plano, ajudando-as a tirar seus planos do papel. Nesse pilar, ofereço mentorias gratuitas sobre criação de marca pessoal, storytelling, planejamento estratégico de negócios, além dos conteúdos nas plataformas como Instagram e LinkedIn, e do meu livro “Quem é Você na Fila do Pão?”. Temos uma comunidade de mais de 50 mil mulheres.
Um exercício essencial que fazemos é o SWOT, onde cada mulher analisa seus pontos fortes, fracos, ameaças e oportunidades, explorando como seus pontos fortes podem fortalecer sua história. Sempre falo sobre o “xablau com propósito”, ou seja, saber valorizar o que você tem de único e colocar sua identidade e história na mesa, independentemente de onde você veio.
Às vezes, enfraquecemos nossa própria trajetória ao nos comparar com quem teve mais privilégios, mas, quando colocamos os pontos fortes em destaque, conseguimos ocupar os espaços com confiança. Esse pilar da Plano ajuda muito as mulheres a entenderem seu valor e suas capacidades e, ao longo dos últimos 15 anos, já ajudamos milhares a tirarem seus projetos do papel, desenvolverem negócios e carreiras prósperas, navegarem pelo mundo corporativo e perderem o medo de se venderem como profissionais.
Além disso, criei o Plano de Menina, um instituto que nasceu da minha vontade de dar ainda mais profundidade às ações de impacto. O instituto, com seus oito anos de história, é voltado para capacitar e conectar meninas de periferia ao mercado de trabalho, com o foco em aumentar a autoconfiança e a autoestima. Trabalhamos com jovens de 16 a 24 anos, oferecendo habilidades técnicas e emocionais para que possam romper ciclos viciosos, ganhar independência financeira, e evitar cair em relacionamentos abusivos, por exemplo. Hoje, temos meninas trabalhando em empresas como Louis Vuitton, Ambev, Meta, entre outras.
Quando fui convidada a ir para a Meta, fiquei três anos e meio lá e recebi o desafio de criar uma área que ainda não existia, a connection planning. Como diretora dessa área para a América Latina, minha missão era construir um setor que gerasse receita incremental ao conectar diferentes áreas e ecossistemas da empresa. Esse papel casava muito com a minha habilidade como conectora, pois sempre fui muito bem relacionada e uso minhas skills – de jornalista, publicitária e marqueteira – para reunir pessoas e desenvolver projetos.
A área de connection planning se dedicava a integrar as inteligências do Instagram, WhatsApp e Facebook. Dela, saíam produtos e projetos de branded content. Nossa ideia era gerar projetos de grande impacto em branding e conteúdo, aumentando a receita e oferecendo algo inovador para as marcas na América Latina.
Essa experiência na Meta foi transformadora para mim. Além de me conectar ainda mais com o mercado internacional, abriu portas para que, hoje, a Plano atue não só na América Latina, mas também em Nova York. A Meta me proporcionou esse início e me deu uma visão mais ampla de minha própria capacidade empreendedora. Lembro que, quando fui chamada, me disseram: “Você tem esse skill de empreendedora, de enxergar oportunidades onde ninguém vê, de conectar rápido as coisas”. Esse reconhecimento foi fundamental para eu acreditar ainda mais na minha potência.
Aprendi muito lá, especialmente sobre navegar no universo corporativo e usar a tecnologia de forma estratégica. Pedi para sair porque queria voltar integralmente para o meu negócio, com toda a autonomia como empreendedora e com o propósito da Plano, que é a minha verdadeira paixão. Nesse processo, surgiu a oportunidade de vender uma parte da Plano para a Mynd, o que foi um marco importante. Foi um passo desafiador e gratificante, desde fazer o pitch, valuation, até negociar uma oferta de milhões com um grande grupo. Esse momento me posicionou como empresária, negociadora e foi um grande orgulho pessoal.
A internet e as redes sociais ajudaram muito nesse movimento. No meu trabalho com a Plano, consegui dar voz a marcas com propósito devido a esse alcance. Antes, quando alguém tinha uma reclamação, ela vinha pelo site ou pelo 0800, e a solução era enviar um kit de brinde. Mas, hoje, com as redes, qualquer um pode postar direto na página da marca, reunir gente, criar um coletivo, e até derrubar campanhas milionárias. Então, as marcas perceberam que não dava mais para ignorar.
A gente viu muito isso a partir de 2013 e 2014, com campanhas sexistas sendo tiradas do ar pela pressão coletiva de mulheres que se uniam para derrubá-las. Além disso, o trabalho da Plano e de outras consultorias ajudou a mostrar que existiam formas mais responsáveis de se comunicar. Houve também movimentos sociais fortes, com mulheres, pessoas LGBTQIA+ e negros dizendo: “Chega, queremos ser representados, não invisibilizados”. Essa força coletiva, somada à pressão do mercado, ajudou as marcas a entenderem que não existe mais “licença poética” para diminuir ou excluir ninguém.
A partir disso, as marcas cresceram em empatia, curiosidade, e perceberam que precisavam furar suas próprias bolhas. Hoje, a cocriação é mais forte, com profissionais de publicidade saindo da própria zona de conforto para ouvir outras perspectivas além do seu “clubinho”. Há inovação e inteligência em lugares como Capão Redondo, Bahia, Pará, e isso enriquece os negócios, trazendo uma visão mais inclusiva e consciente para o mercado.
Nas mentorias exclusivas para mulheres negras, meu foco principal é fortalecer a autoconfiança delas. Trabalho para que cada uma aprenda a valorizar sua própria história, assim como eu fiz com a minha. Como a Michelle Obama menciona em seu livro “Minha História”, precisamos reconhecer o valor das nossas experiências. Estive em um evento com a Oprah onde ela reforçou a importância de combater a síndrome da impostora e acreditar que estamos exatamente onde merecemos estar. Para isso, a autoconfiança é essencial.
Com mulheres negras, ajudo a desenvolver essa confiança, destacando suas forças e o potencial que carregam. Incentivo que elas ampliem suas conexões, pois, mesmo sendo importante o apoio entre nós, precisamos também romper bolhas e nos conectar com outras pessoas no mercado, de diferentes origens e experiências, para hackear o sistema.
Esse “hackeamento” passa por levantar a cabeça, reconhecer nossa inteligência emocional e ser estratégica. Não precisamos ser próximas de todos, mas devemos focar no que queremos conquistar. Se eu tivesse me fechado, não teria alcançado o sucesso que tenho hoje. Ensino a elas que é preciso identificar estrategicamente as pessoas e 0s contatos relevantes, os eventos certos e construir uma narrativa de força e realização. Não vamos expor nossas dores em qualquer lugar, porque, infelizmente, a dor da mulher negra é muitas vezes romantizada e transformada em entretenimento. É essencial ter inteligência emocional e estratégia para buscar o que é nosso de direito.
Nas mentorias, oriento cada uma a se preservar, celebrar suas vitórias, e buscar conexões que importam para suas trajetórias. Sabemos que, como executivas negras, temos que lutar muito mais, porém, com esse passo a passo, elas aprendem a hackear o sistema, se posicionar e entender o jogo para saírem do lugar de sofrimento e alcançarem as conquistas que merecem.
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