Conquistamos muito até aqui. E isto não tem a ver com sorte
Nossos méritos e conquistas são fruto de muito esforço e competência, e vão muito além de simplesmente acreditar que são uma combinação de circunstâncias
Conquistamos muito até aqui. E isto não tem a ver com sorte
BuscarNossos méritos e conquistas são fruto de muito esforço e competência, e vão muito além de simplesmente acreditar que são uma combinação de circunstâncias
7 de fevereiro de 2023 - 10h40
Quem acompanha meus artigos nesta coluna do Women to Watch já deve ter notado como, com frequência, eu trago para os meus textos situações do dia a dia ou referências pessoais que me impactam e me desafiam em um processo de desconstrução e transformação. Sinto que esta é a minha forma pragmática de testar, aprender e crescer. Assim, ao compartilhar estas experiências neste espaço, espero facilitar reflexões e contribuir com aprendizados e reconhecimento de novas possibilidades de comportamentos e ações.
Neste mês, então, o meu convite é fazer mais um exercício nesta linha. Desta vez, sobre o quanto é importante que nós, mulheres, nos reconheçamos como merecedoras pelos nossos esforços, e que, combinados com a nossa competência, são, sim, os grandes impulsionadores de nossas conquistas em um ambiente ainda desigual e cheio de desafios.
Estes dias, assistindo a um episódio da quinta temporada do seriado Handmaid’s Tale, que, aliás, sempre acompanho com o meu caderninho de anotações ao lado, fui impactada por um diálogo que me gerou imediata identificação. Com muito cuidado para não dar spoileres, o descrevo na sequência.
A protagonista da série, June, após realizar uma série de atos heróicos que envolveu, inclusive, salvar vidas, se encontra com uma mulher que a reconhece e, com muita reverência, enaltece e agradece aos seus feitos.
Ao ouvi-la, a resposta quase lacônica de June é: “Eu tive sorte”. Ela, por sua vez, é rebatida pela outra personagem, que responde com uma pergunta: “Por que mulheres sempre dizem que foi sorte quando fazem algo extraordinário?”.
Guardadas as devidas proporções dos personagens e seus feitos, mas com foco apenas no diálogo, imediatamente me transportei para alguns anos da minha história. Meus entendimentos à época e, claro, felizmente, aos episódios onde fui provocada e desafiada a reconhecer e expor, sem receios, que as nossas conquistas, progressos e esforços vão muito além de sorte.
Durante muitos anos da minha vida, quando faziam a frequente pergunta sobre quais fatos eu atribuía ter chegado, como mulher, à minha posição de liderança, minha primeira reação era sempre respondê-la de forma simplista e até evasiva. Me apoiava em argumentos de uma jornada natural de carreira, de conquistas que aconteciam de forma orgânica, e até mesmo como uma combinação de circunstâncias e oportunidades bem aproveitadas.
Até quando algumas pessoas próximas começaram a me alertar que na realidade este discurso não fazia bem para mim e muito menos para o que eu acreditava ser o poder transformador da troca genuína, da inspiração no outro e da sororidade feminina.
Passei então a me questionar sobre a razão da minha dificuldade de aprofundar neste ponto e reconhecer que, de fato, por trás destas conquistas existia muito esforço, muitos desafios enfrentados, muitos erros, acertos e aprendizados, que se tornavam ainda mais relevantes em um espaço de falta de equidade e menos espaços ocupados por mulheres.
Num primeiro momento, o meu comportamento parecia reflexo de uma mistura do sentimento de síndrome da impostora, que minimizava o valor do meu esforço e do meu mérito, com uma obrigação de mostrar naturalidade e indiferença, para desviar a necessidade de ter que explicar quase com culpa de estar presente e ocupar alguns lugares.
Após trabalhar muito nos pontos mencionados acima, entendi também que conseguir racionalizar a respeito de como eu respondia (e respondo) aos desafios, oportunidades, erros e acertos desta jornada não apenas contribuía para o meu crescente amadurecimento, mas também me permitia dividi-los com outras pessoas. Acredito muito que este ambiente colaborativo e de troca nos ajuda a construir coletivamente bons caminhos e boas soluções.
Neste meu processo, também tem sido fundamental reconhecer claramente que existem, sim, grandes desafios relacionados à pauta de equidade de gênero. Sem nunca desconsiderar que vivemos em múltiplos contextos, ao entender e compartilhar sobre nossas vivências, fica mais claro e evidente as pautas que devem ser discutidas, para construção de conscientização coletiva e respectivas ações afirmativas.
Continuar acreditando e expondo que sucesso é resultado do ambiente, das circunstâncias e da sorte nos leva não apenas a desconsiderar os méritos e esforços, mas também a perder a referência do valor das nossas conquistas e do que merece e deve ser celebrado.
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