Consumo em brechó e práticas mais conscientes
Consumidores mais conscientes buscam estilo individualizado, roupas duráveis, e um consumo descolado do fast fashion
Consumo em brechó e práticas mais conscientes
BuscarConsumidores mais conscientes buscam estilo individualizado, roupas duráveis, e um consumo descolado do fast fashion
Marina Vergueiro e Carol Scorce
31 de maio de 2023 - 12h05
No ecossistema da moda, a efemeridade é a espinha dorsal. Nas últimas décadas, acompanhar a grande fábrica de tendências que a indústria da moda se tornou é humanamente impossível. Não só para quem consome, mas também para quem produz. A responsabilidade por essa nova relação é de todos: governo, indústria, mercado e consumidor.
Quem vê na moda circular uma possibilidade de futuro e de negócio, mira, cada vez mais, na geração Z e no olhar aguçado dos mais novos para questões sociais e ambientais. E nesse mercado, nada mais “vintage” que os velhos (e agora modernos e repaginados) e bons brechós.
Hoje, 70% dos compradores de itens usados “gostam do fator sustentável” associado ao consumo desses produtos, comparado com 62% em 2018, de acordo com o estudo A (re)descoberta da moda seminova no Brasil, realizado pelo Boston Consulting Group (BCG) e o Enjoei, que ouviu 3 mil pessoas de todo o país, de diferentes idades e perfis socioeconômicos. A estimativa é de que esse mercado cresça de 15% a 20%, ultrapassando o valor do mercado de fast fashion até 2030.
Para a estudante de comunicação social e social mídia Lívian Alves, 21 anos, o consumo em brechó como parte de um estilo de vida sustentável é determinante, e dialoga com outras práticas de sua vida. Aos 15 anos Lívian abriu seu próprio brechó, e isso começou pela busca de um estilo individualizado.
“Para mim e para os outros, meu estilo de roupas está bem atrelado à minha personalidade, e consumir de brechó me faz explorar ainda mais isso, porque posso dar chance a alguns tipos de peças que ainda não são comuns no meu guarda-roupa, por exemplo. Considerando que não vou precisar investir tanto dinheiro nisso, se eu não gostar, tá tudo bem, posso passar a peça adiante. Se eu gostar, maravilha, estou experimentando algo novo (que é o que costuma acontecer). E falando especificamente de peças pré anos 2000, tem também a qualidade. As roupas tinham uma qualidade muito melhor antes do monopólio de fast fashion e cultura de tendências que duram pouquíssimo tempo por causa da influência das redes sociais”, argumenta a estudante e ex-proprietária de brechó.
E essa influência que Lívian se refere tem impacto. Para Maria Prata, jornalista, diretora de conteúdo do shopping Iguatemi e especialista no assunto, embora seja notável o crescimento do consumo de roupas e acessórios de segunda mão, é preciso levar em conta que a grande maioria da população brasileira é de baixa renda, pessoas que por muito tempo tinham pouco acesso a tendências, por exemplo, e que o fast fashion, corporificado por grandes empresas mundiais como a Shein, vendem produtos novos, com informação de moda, a preços baixíssimos. “Para solidificar uma moda circular no Brasil precisamos além de mais informação sobre o assunto, de mais acesso. Os brechós que mais crescem não são aqueles super baratos”, explica Maria.
O fim de uma era da abundância
Comprar roupa para ficar na moda. Ou pior, comprar roupa para se satisfazer momentaneamente, a chamada “indústria da dopamina”. A verdade é que as marcas insistem em vender roupas para pessoas que não precisam de mais roupas. E isso tem uma lógica simples: para a indústria, quanto mais capital acumulado, melhor. É a lógica do lucro a qualquer preço. Ainda que esse preço seja a qualidade e a permanência da vida da humanidade neste planeta.
Mas há quem diga que a era da abundância está com dias contatos. O estudo O Futuro do E-commerce de Moda, de 2021, realizado pela Dafiti Group, em parceria com a WGSN, apontou que a prioridade dos consumidores mudou.
Agora eles buscam comprar de empresas comprometidas com ações que promovem mudanças na dinâmica socioambiental, como o minimalismo, a durabilidade e a transparência. Portanto, ao se colocar de forma proativa na contenção de desgastes ao meio ambiente, a marca passa a ser reconhecida pelo consumidor e a ter uma melhor imagem pública.
O que faz o designer de produtos digitais Fernando Badharó, 35 anos, comprar em brechós é menos o preço, mais o acesso a roupas e tecidos nobres e duráveis, como algodão e linho, ou então quando ele deseja criar um look fashionista, com peças específicas. Ser sustentável é um valor para Fernando, e quando falamos em durabilidade estamos falando num consumo mais consciente, mas não é um fator determinante.
“Quando percebo que não vou usar uma roupa que está em bom estado eu dou, não vendo. Tenho uma família grande e uma roupa vai passando para o outro. Brechó hoje em dia virou estilo de vida, como outras coisas. Não acho mais barato comprar em brechó. O fast fashion tá aí. Mas eu acho que consigo comprar coisas boas, atemporais, e que tem mais a ver comigo”, explica.
A diretora de marketing do brechó Peça Rara – loja onde Fernando tem hábito de fazer compras, Florência Silveira, afirma que o perfil dos consumidores está mudando para melhor, ou seja, eles estão cada vez mais conscientes do fator sustentabilidade, mas a busca por um estilo mais individualizado e por peça de qualidade, ainda é o que mobiliza esses clientes.
“Não é difícil perceber que é melhor ter duas peças de boa qualidade do que várias que terão de ser jogadas fora. Mas para isso, o nosso trabalho de levar informação de moda, de explicar sobre esse jeito se der, mais do que sobre ter, deve ser persistente”, explica Florência.
Compartilhe
Veja também
Como as marcas podem combater o racismo na publicidade?
Agências, anunciantes e pesquisadores discutem como a indústria pode ser uma aliada na pauta antirracista, sobretudo frente ao recorte de gênero
Cida Bento é homenageada pela Mauricio de Sousa Produções
A psicóloga e ativista vira personagem dos quadrinhos no projeto Donas da Rua, da Turma da Mônica