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Opinião

Coragem, um substantivo feminino

Como um incidente de burnout me fez repensar sobre como devemos estar atentas umas às outras


22 de maio de 2023 - 9h28

(Crédito: shutterstock)

Não é fácil ser mulher. Mais difícil ainda é ser mulher preta. Mulher, preta, pobre e lésbica. Mulher, preta, pobre, lésbica e gorda. Mulher trans. Mulher mãe. São muitas camadas. Mas uma coisa não muda em todas elas: é preciso muita coragem para seguir em frente.  

Recentemente fiquei embasbacada com um ato corajoso de uma profissional que admiro muito. Todo dia fico, se procurar direitinho. Talvez porque ainda me falte toda essa coragem. O ato veio de uma liderança feminina que faria uma palestra para um cliente meu. Combinei tudo com ela com um mês de antecedência, para não termos ruídos. O dia, o tema, o deck. Fizemos reuniões de briefing para falar sobre público, objetivo e todas aquelas coisas. O cliente produziu e enviou o convite do evento para seu público, com o nome e a bio dela estampados no e-mail marketing. Nada de novo. 

Na semana do evento, combinamos que ela mandaria a apresentação para alinharmos tudo e deixarmos o keynote com o cliente. No dia anterior, ela sumiu. De manhã, chegamos a falar e ela disse que enviaria o documento mais tarde. Depois, não deu retorno. Esperei. Não queria insistir, porque quem me conhece de verdade sabe que sofro de ansiedade e depois de uma gravidez, um puerpério e uma pandemia, eu me treino para não ser inconveniente e dar um tempo para as pessoas. 

À noite, ela apareceu. Disse que foi parar no hospital porque teve uma crise de pânico e ansiedade. Descreveu tudo para mim. Eu, que também já passei por situações parecidas na adolescência e, depois, na gravidez, senti muito e disse que poderíamos adiar, mas que para isso ela deveria me enviar uma mensagem formal sobre o contratempo, para que eu pudesse repassar ao cliente e remarcarmos um novo dia. 

Ela disse que ficava preocupada de deixá-los na mão, de me deixar na mão, mas fui firme e disse que tudo seria resolvido. Estava nervosa também, mas sabia que precisava agir conforme meus valores. Só pude acalmá-la e repeti: ela só precisaria mandar a tal da mensagem, e não havia necessidade de expor o motivo do imprevisto se não quisesse. Insisti algumas vezes que ela não precisaria falar sobre saúde mental, ansiedade e pânico. Que poderia trazer o que melhor lhe coubesse naquele momento, para não ficar mais ansiosa ainda ou algo do tipo.  

Em pouco tempo, a mensagem que eu repassaria ao cliente veio: “Desculpe chamar somente nessa hora. Hoje, depois que falamos perto do meio-dia, tive uma crise de ansiedade muito forte e precisei ir para o hospital. Fui diagnosticada com burnout no fim de agosto, e por isso emendei dez dias de férias depois de um evento. Voltei ontem pro trabalho e acho que não levei o diagnóstico e os cuidados tão a sério quanto deveria. Não consegui parar de trabalhar nas férias”.  

O texto seguiu: “Ontem comecei a trabalhar às 8h e parei só 1h da manhã. Hoje, acordei no horário normal, às 6h30, para resolver umas coisas, e pelas 14h comecei a passar muito mal, achei que estava tendo um infarto. Taquicardia pesada, suor frio, baixa pressão, língua dormente, dor no peito. Fui correndo para a emergência e foi ataque de pânico e ansiedade. Fui medicada, neste momento estou bem, mas amanhã inclusive preciso ver um outro médico especialista. Peço mil desculpas por avisar isso na véspera do evento, mas gostaria de ver a possibilidade de mudarmos de data, por favor. Pois neste momento estou bem, mas não acho que amanhã estarei 100% para fazer a palestra, mesmo que pela manhã descanse. Me avisa se podemos mudar, por favor. Peço mil desculpas pelo inconveniente. Obrigada desde já”. 

Minha resposta foi mais admiração e um “conte comigo”, mas confesso que fiquei em dúvida se estava diante de um ato corajoso ou de um episódio de estresse. Depois, entendi que eram as duas coisas, no mínimo. Passei a acompanhá-la mais ainda, ficamos mais próximas e presenciei um ato corajoso atrás do outro. Agora, minha admiração é cada vez maior, com muita empatia, esperança e um pouco mais de coragem. Esperança de um futuro melhor e mais transparente no mercado de trabalho e no mundo corporativo, de estagiários a lideranças, de fornecedores a clientes. Coragem para ser um pouco mais quem eu sou e levar meus valores adiante. 

“Coragem” é um substantivo feminino e contagia muito. Que nós, mulheres, consigamos ser cada vez mais corajosas e nos apoiar em nossos atos de bravura.  

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