Da apatia à ação: como a geração Z tem redesenhado a liderança
Jovens líderes femininas olham para diversidade, desenvolvimento, propósito, comunicação e bem-estar como pilares da transformação do trabalho e da gestão
Da apatia à ação: como a geração Z tem redesenhado a liderança
BuscarJovens líderes femininas olham para diversidade, desenvolvimento, propósito, comunicação e bem-estar como pilares da transformação do trabalho e da gestão
Lidia Capitani
11 de novembro de 2024 - 14h28
Stéfany Mazon, 29 anos, é a líder mais jovem da Microsoft. Hoje, ela lidera o time de vendas de Azure, plataforma de computação em nuvem da big tech, para o time de dados e inteligência artificial. “Desde pequena, dava aulas particulares, fui monitora em movimentos juvenis, levei jovens para o exterior e liderei iniciativas na faculdade”, conta. “Sou extremamente motivada por desafios, e quando penso em liderar pessoas, meu foco é impactar suas vidas. O desafio de conversar com um colaborador, indicar um caminho e vê-lo ter sucesso, ou até fracassar, é algo incrível para mim. Isso me motiva a cada dia”, reflete a líder, que tem o objetivo de se tornar CEO aos 40 anos.
Stéfany faz parte de 54% da geração Z que ambiciona ser líder no mercado de trabalho, conforme destaca o estudo “Carreira dos sonhos 2024”, da Cia de Talentos. Esse número, entretanto, tem diminuído a cada ano em que a pesquisa é realizada. Em 2014, 67% diziam querer ser líderes. Em 2010, 87%. Os dados demonstram como essa geração enxerga a liderança e o mercado de trabalho de maneira diferente.
O outro lado desta moeda, contudo, revela uma geração apática. Enquanto apenas 18% da geração X sente apatia “sempre ou frequentemente”, esse número sobe para 40% da geração Z. “Com a crise econômica, desemprego, guerras, ameaça ambiental e, mais recentemente, a pandemia, o amanhã não é mais percebido como fonte de esperança ou promessa de crescimento”, aponta o texto do estudo.
“A apatia leva a uma estagnação dos sonhos, e essa é uma preocupação, pois, se esse grupo representa o futuro da força de trabalho, precisamos trabalhar coletivamente para ajudá-los a enxergar esse futuro de maneira mais otimista e promissora”, reflete Paula Esteves, sócia e co-CEO da Cia de Talentos, responsável pela pesquisa.
O estudo revela que a nova geração preza pela saúde mental e pelo bem-estar antes de tudo. Além disso, esses profissionais destacam três principais fatores que valorizam na hora de escolher uma empresa: desenvolvimento, fazer o que se gosta e boa imagem no mercado. “Essa geração entende que o trabalho ocupa apenas uma parte da vida e que é fundamental cuidar da saúde e das pessoas ao redor”, explica Esteves.
“Um aspecto importante é o empoderamento, que permite às pessoas expressarem suas vozes e serem autênticas no ambiente de trabalho. Valorizam a diversidade e o propósito, encorajando que cada um traga sua verdade e sua história”, aponta a CEO. “Além disso, buscam uma comunicação mais próxima, transparente e clara, que estabeleça vínculos e, consequentemente, confiança. Querem um ambiente de trabalho acolhedor, que ofereça momentos de desenvolvimento, autonomia e significado”, continua.
Devido às múltiplas crises e por serem a primeira geração que nasceu com a internet e com o acesso fácil à informação, esses jovens têm uma tendência de querer resultados a curto prazo. “Somos imediatistas demais, queremos tudo para ontem. Ganhar muito em um ano, construir a carreira e se aposentar rapidamente, ser o maior influenciador em pouco tempo”, reflete Nicole Pappon, 26 anos, fundadora da Grapa Digital, agência de marketing de influência. “A vida está mais rápida, mas nossos pais e avós levaram tempo para construir uma carreira, crescer e até para estruturar uma família. Esse imediatismo gera ansiedade, e isso acaba nos prejudicando”, completa.
Apesar disso, existe uma parcela dessa geração que é movida pela transformação. “Historicamente, todas as gerações trazem transformações: a geração X com o empreendedorismo, a geração Y com o foco em propósito e qualidade de vida, e, agora, a geração Z, que se destaca pela ênfase em diversidade, inclusão e propósito”, ressalta a executiva da Cia de Talentos.
O movimento “quiet ambition”, que tem marcado essa geração, não reflete, portanto, a totalidade dos jovens. Na verdade, é um reflexo da transformação do papel e do lugar que a liderança ocupa em suas vidas. “A diminuição da ambição não indica falta de desejo, mas uma reflexão sobre como essa ambição impactará a qualidade de vida”, aponta Paula Esteves.
“Ser líder antigamente era diferente de ser líder hoje. A liderança atual deve, sim, buscar resultados e inspirar a equipe, mas também precisa gerir em um modelo híbrido, cuidar da saúde mental e emocional das pessoas e administrar mudanças em um mercado impactado pela inteligência artificial e outras perspectivas. Essa complexidade faz com que as pessoas reavaliem a posição de gestor”, continua a executiva.
Nicole, por exemplo, não desejava ser uma liderança, mas, em casa, tinha dois modelos de carreira em quem se inspirar: o comum CLT, defendido por sua mãe, e o empreendedorismo, espelhado em seu pai empresário. “Nunca quis ser líder, muito pelo contrário. Sempre que aparecia trabalho em grupo e alguém tinha que liderar, eu fugia. Mas algo que me ajudou muito foi o vôlei. Joguei profissionalmente por oito anos e, por dois deles, fui capitã do time. Não era algo que eu esperava, mas acabei assumindo e aprendi a lidar com isso. Claro, esporte e vida profissional são diferentes, mas há muita semelhança, como a responsabilidade, o contato direto e a transparência com as pessoas”, afirma.Apesar de fugir do papel de liderança, parece que a função acabou alcançando Nicole nesse pega-pega, e ela aprendeu a enxergar a beleza de impactar pessoas. “Empreender sempre foi um desafio. Tem muita coisa envolvida: gestão de pessoas, estratégia, finanças, resultados, marketing. Desde o começo, cada etapa foi desafiadora, mas amo ver o crescimento das pessoas com quem trabalho, ver campanhas saindo do papel, influenciadores que vêm de cidades pequenas e acabam crescendo, realizando sonhos e ajudando suas famílias. É muito gratificante acompanhar esse processo”, diz.
Para reverter essa situação de apatia dos jovens, cada instituição — seja empresa, governo, escola, coletivo ou mídia — tem um papel na construção de um novo significado de trabalho e liderança. “Essa é uma função que também deve ser exercida pelas gerações anteriores: compartilhar as crises que enfrentaram, como superaram esses desafios e oferecer apoio, coragem e engajamento. Essa geração é o futuro, e se não trabalharmos com eles, como serão nossas organizações?”, reflete Paula Esteves.
Nesse contexto borbulhante, repleto de crises e transformações, a CEO da Cia de Talentos destaca a importância da gestão para a mudança, também como uma maneira de engajar essa geração no trabalho. “As empresas estão passando por um redesenho organizacional, redefinindo cargos, papéis e responsabilidades, adotando modelos ágeis e contratando por habilidades em vez de descrições de cargos tradicionais. Essa constante gestão de mudanças é necessária. Falar sobre ficar confortável no desconfortável é crucial, pois o desconforto é inevitável. Precisamos ensinar as pessoas a navegar melhor nesse mundo incerto”, explica.
Para Juliana Felmanas, diretora de planejamento estratégico e inovação da Cimed, a liderança sempre fez parte da história de sua família. “Desde cedo, estive imersa no mundo da Cimed, influenciada pelo meu avô, mãe e tio, que sempre foram líderes na empresa. O sentimento de fazer acontecer e de seguir o legado familiar foi uma constante na minha vida”, relata. Apesar da influência familiar, Juliana traz o DNA da geração Z para seu estilo de liderança.
“Acredito que a diversidade de ideias é fundamental para a inovação. É essencial criar um ambiente onde todos se sintam à vontade para compartilhar suas opiniões e contribuir com soluções criativas. Valorizo a transparência e a comunicação aberta, o que ajuda a construir confiança dentro da equipe”, afirma a diretora da Cimed.
Neste contexto incerto, a gestão da mudança requer exatamente os valores compartilhados por Juliana: a comunicação transparente e uma cultura organizacional inclusiva. “Como comunico o que está acontecendo e como ouço as pessoas para prepará-las para a mudança?”, questiona Esteves. A pesquisa da Cia de Talento mostra que, durante períodos de mudança, uma gestão mal feita pode levar os colaboradores à exaustão e ao desinteresse pelas atividades.
“A gestão da mudança deve ser feita com proximidade e boa comunicação. É importante alternar momentos de quietude com inquietude. A inquietude gera movimento e busca, enquanto a quietude permite que as pessoas processem a informação. Não podemos sobrecarregá-las com conteúdo sem dar espaço para que elas o absorvam”, completa.
O segundo ponto destaca a cultura inclusiva, que envolve um ambiente saudável, onde as pessoas possam prosperar e contribuir. Assim, a gestão da mudança requer que as lideranças cultivem uma escuta ativa, se mostrem vulneráveis, demonstrem que não têm todas as respostas, e que sejam um exemplo, principalmente de equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Stéfany Mazon, líder na Microsoft, faz questão de dividir seu tempo e mostrar que tem vida além do trabalho: “Faço exercícios quase todos os dias e agora estou me dedicando à música. Gosto muito de receber pessoas em casa e me considero quase uma chefe de cozinha. Em meio a esse mundo louco, onde estamos sempre aprendendo novas tecnologias e liderando equipes, ter essas válvulas de escape é crucial”.
Para a liderança jovem, mostrar essa vulnerabilidade tem dois lados. Primeiro, pela falta de experiência, os líderes dessa geração entendem que não têm todas as respostas e, assim, buscam o apoio da equipe. “O esporte me ensinou essa humildade, de reconhecer erros e a aprender com todos. Tenho 26 anos, sou muito nova, e brinco que cada dia é um aprendizado”, reflete Nicole.
Por outro lado, a insegurança prevalece nos momentos difíceis. “Confesso que, até hoje, às vezes, fico nervosa ao tomar decisões sérias para a empresa”, relata Pappon. Por isso, a fundadora conta com seu time e outras lideranças para trocar ideias e trazer experiências prévias que ajudem a traçar novos caminhos para a empresa.
Assim, uma maneira das empresas começarem a apoiar a geração Z para ser a liderança do futuro é fornecendo capacitação e desenvolvimento, tanto de hard skills quanto de soft skills. Na trajetória de Stéfany Mazon, seus mentores tiveram grande impacto na construção da líder que é hoje. “Na Microsoft, tive a oportunidade de participar de diversos treinamentos de liderança que me impulsionaram muito, pois sempre há pessoas com mais experiência para que possamos aprender”, conta.
A falta de experiência é um desafio para essas lideranças, não apenas por conta da insegurança de tomar decisões em momento difíceis, mas também na hora de transmitir credibilidade, como na relação com clientes, fornecedores e outros públicos externos. “Era como se me olhassem com aquela desconfiança de ‘quem é essa jovem, recém-formada e sem experiência?’”, afirma Nicole.
“Lembro de uma vez, logo no começo, quando fui a uma reunião e todos eram homens. Assim que cheguei, perguntaram onde estava a minha chefe e disseram que iriam esperá-la. Eu disse: ‘Não, sou eu mesma, a dona da agência”, conta a fundadora da Grapa Digital. “Aos poucos, fui conquistando meu espaço, conseguindo clientes grandes e entregando um trabalho bem feito. Assim, passei a ser vista como alguém sério, que entrega resultados”.
Uma experiência pessoal marcou a vida de Stéfany e a maneira como ela lida com a insegurança. Em uma das visitas de um executivo do exterior ao Brasil, ela viu a CEO da empresa um tanto nervosa, lendo seus materiais. “Cheguei para ela e disse: ‘Você está preocupada, né? Eu sou pequena aqui dentro, você é a CEO’. Ela me respondeu: ‘no momento que você não estiver mais preocupado, tem algo de errado’”.
“Levo esse lema comigo até hoje: a sorte favorece os preparados. Porque muitas vezes as pessoas se preparam, mas as mulheres enfrentam a síndrome da impostora. Assumir esse risco e usar a insegurança e a ansiedade a nosso favor nos torna mais corajosas”, ressalta Stéfany. “No meu caso, em quatro anos e meio na Microsoft, tive cinco promoções, mesmo não me sentindo sempre preparada. Mas sempre tive uma rede de apoio, o que é essencial”.
A liderança sempre será um caminho com obstáculos e desafios, que requerem diferentes habilidades. Apesar da falta de experiência, essa nova geração traz consigo novos valores para o trabalho e reflexões importantes sobre o que significa ser líder. O resultado é uma juventude que não assumirá papéis de liderança se não for para provocar transformações.
Para as jovens Stéfany, Juliana e Nicole, buscar desenvolvimento é um passo essencial para a liderança. A insegurança sempre existirá, por isso, o conselho é ir com medo mesmo e não subestimar seu valor. “Acredito que o caminho da liderança é uma jornada, e cada passo conta, então é muito importante estar disposta a se desafiar e a crescer. Para mim, o principal é acreditar no seu potencial”, conclui Juliana.
Compartilhe
Veja também
Maioria dos assédios no Brasil ainda ocorre no trabalho
Pesquisa "Mapa do Assédio", realizada pela KPMG, aponta ainda que tipificação de gênero é a segunda mais recorrente
A jornada internacional e criativa de Bianca Guimarães
Novo episódio do videocast Falas Women to Watch recebe a sócia e diretora executiva de criação da agência Mischief, em Nova York