De onde vem o hype do Carnaval?
A Sapucaí, onde o samba brilha para todo o mundo, já foi palco de muita repressão
A Sapucaí, onde o samba brilha para todo o mundo, já foi palco de muita repressão
27 de fevereiro de 2025 - 9h33
(Crédito: Shutterstock)
Muito antes do Sambódromo existir, aquela região já pulsava ao som do samba. Desde o início do século 20, esse espaço foi um dos principais redutos culturais e musicais do Rio de Janeiro, consolidando-se como o berço do samba na cidade.
A Praça Onze era conhecida como o coração da Pequena África, uma área onde se concentravam negros libertos, imigrantes nordestinos e trabalhadores.
Tia Ciata, uma das tias baianas, recebia em sua casa diversos músicos, compositores e sambistas, como Donga, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres e João da Baiana. Nessas reuniões, o samba foi sendo moldado como um gênero musical urbano e ganhou popularidade.
Além de um polo cultural, a Praça Onze, que também foi palco de manifestações carnavalescas, blocos e escolas de samba, mais tarde, com a urbanização da região, é reverenciada com a construção do sambódromo, marcando para sempre a história do nosso país.
Agora, pensa comigo: a Sapucaí, onde o samba brilha para todo o mundo, já foi palco de muita repressão. Percorreu-se um caminho longo até que, literalmente, uma avenida fosse aberta para que a favela legitimamente manifestasse sua cultura, com o que são hoje, os desfiles do Grupo Especial. O Carnaval, que a gente ama tanto, também teve que lutar contra o racismo e a marginalização da cultura negra e popular.
Diante desse cenário, a pergunta que não quer calar é: o Carnaval está dando espaço para quem realmente faz essa festa acontecer? A resposta, infelizmente, é não.
Esse evento que movimenta cerca de R$8 bilhões por ano está longe de ser só para as grandes elites e os bairros nobres. Quem faz o Carnaval, de verdade, é a galera da favela, com suas fantasias, as rodas de samba, tradicionais escolas de samba, os blocos de rua e, claro, a energia que faz todo mundo se jogar na folia.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, grande parte do capital que circula nessa época vem diretamente dos comércios das periferias. E não é só isso: o Sebrae revela que pequenos empreendedores das comunidades chegam a aumentar a renda em até 30% durante o Carnaval. São cenógrafos, costureiras, aderecistas, coreógrafos, dançarinos, músicos, cantores, compositores, técnicos de som, montadores, técnicos de palco, eletricistas, ambulantes, vendedores de bebidas e comida, enfim, é um exército multidisciplinar que orquestra com maestria a maior festa do nosso país.
Portanto é um paradoxo ter blocos patrocinados em bairros abastados e as comunidades padecerem sem espaço. Todo ano recebo vários pedidos de novas escolas de samba periféricas, que ainda estão dando seus primeiros passos, buscando apoio financeiro das marcas. Segundo o Observatório das Favelas, apenas 20% dos blocos nas favelas recebem patrocínio.
Basta dar uma olhada na programação dos bloquinhos de São Paulo para ver que a periferia está ficando sem opção de festa. Por isso, o verdadeiro hype do Carnaval vai muito além dos desfiles das grandes escolas de samba e dos blocos mais badalados, está na força das favelas, onde o samba nasce, se reinventa e dita tendências culturais que o Brasil inteiro segue.
Hoje, marcas que realmente entendem a cultura estão voltando seus olhos para os bailes, blocos de rua periféricos, rodas de samba improvisadas e festas nas comunidades, onde a criatividade e a originalidade acontecem de forma autêntica. O Carnaval da favela não é só um evento, é um movimento vivo, onde moda, música, dança e expressão popular se misturam e viralizam.
Quem está de olho nisso? Marcas que querem estar onde a cultura é criada, não onde ela já foi comercializada. O verdadeiro hype do Carnaval é a favela sendo protagonista da sua própria festa.
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