Demissões em massa em tecnologia afetam mais as mulheres
Setor de tecnologia sofre onda de desligamentos pelo mundo e as profissionais compõem mais da metade dos demitidos
Demissões em massa em tecnologia afetam mais as mulheres
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Lidia Capitani
9 de março de 2023 - 9h31
Apenas no mês de fevereiro deste ano, as ondas de demissões em massa afetaram mais de 162 mil profissionais nas empresas de tecnologia no Brasil. Apesar das mulheres serem minoria no setor, a situação parece pender para o lado delas, uma vez que 58% do total de demitidos são do sexo feminino, de acordo com a plataforma Layoffs Brasil.
As demissões mais recentes ocorreram em empresas como a Loft, com 340 funcionários desligados na 4º rodada de desligamentos no período de um ano. A Quinto Andar, por sua vez, demitiu 160 funcionários, o que representa 4% do seu quadro. Entretanto, o setor das fintechs parece ser o mais afetado pela crise. A C6 demitiu cerca de 500 pessoas, e o PagSeguro desligou cerca de 7% da sua força total, totalizando também 500 funcionários.
O corte expressivo ocorreu após sete instituições financeiras desse mesmo perfil. Nubank, XP, PagSeguro, Stone, Inter, Pan e Méliuz, perderem juntas US$ 42,6 bilhões em valor de mercado. Pelos dados da Layoffs Brasil, foram 20 empresas fintechs que sofreram demissões massivas. Além das instituições financeiras, o movimento possui escala global e afetou diretamente as bigtechs como Amazon, Google, Microsoft, Adobe, Meta, entre muitas outras.
Analistas da FGV indicam algumas razões para a crescente onda de demissões no setor tech. De acordo com a análise, estas empresas se beneficiaram com os lockdowns globais que ocorreram durante a pandemia, uma vez que o processo de digitalização foi acelerado. O cenário tornou-se favorável à expansão destes negócios, que puderam contratar mais pessoas, principalmente da área de tecnologia.
Entretanto, a situação atual forçou muitas empresas a cortarem custos operacionais. Entre as razões listadas, estão o endividamento de muitos países no pós-Covid-19, a alta da inflação e dos juros. Consecutivamente, a escassez de investidores na bolsa, o que também influenciou o valor de mercado dessas empresas.
Entre as bigtechs, o Twitter também não passou ileso da crise. No final de 2022, ex-funcionárias da empresa entraram com um processo contra Elon Musk por ter direcionado desproporcionalmente os desligamentos entre as colaboradoras mulheres. As demissões afetaram 57% das colaboradoras femininas, enquanto apenas 47% dos homens foram desligados, de acordo com a Reuters.
As dificuldades que as mulheres enfrentam nas carreiras em tecnologia são de tendência global. Analistas da Eightfold AI sugerem que as profissionais femininas têm 65% mais chances de serem demitidas durante um processo de desligamento em massa, o que parece paradoxal, umas vez que as mulheres já são minoria no setor. Segundo uma pesquisa da Brasscom, Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, apenas 39% da força laboral da área no Brasil é ocupada por mulheres. As razões por essas disparidades são diversas e se estendem até a educação de meninas, devido à falta de apoio e incentivo para que elas entrem nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
Mesmo sendo minoria no mercado, os últimos anos foram importantes para que elas ganhassem maior representatividade. “De acordo com pesquisas recentes da Deloitte, as mulheres estavam ganhando mais espaço no setor de tecnologia. Mesmo que em um progresso lento, havia constância no crescimento. A pandemia, por exemplo, com o trabalho remoto, ajudou as empresas a cumprirem mais suas cotas de diversidade”, conta Jhenyffer Coutinho, fundadora e CEO da Se Candidate, Mulher.
Uma das razões que explicaria por que as mulheres estão sendo mais afetadas com os desligamentos são os cargos que elas costumam ocupar nas empresas de tech. Segundo dados da 365 Data Science, 27,8% dos demitidos no mundo trabalhavam em RH e recrutamento de talentos, seguido dos engenheiros de software com 22,1%. Logo atrás, surgem os funcionários de marketing com 7,1%, atendimento ao cliente com 4,6% e por fim, relações públicas, comunicação e estratégia com 4,4%.
Visto que o setor sofre um corte drástico de pessoal e que novas contratações foram congeladas, é de se esperar que uma das áreas mais atingidas seja a de recrutamento e seleção. Sem contar o processo de automação que o RH sofre por conta do desenvolvimento da inteligência artificial.
Uma vez que as mulheres representam 63% das pessoas que trabalham nas áreas administrativa, financeira e de RH no Brasil, segundo a Brasscom, esses cortes impactam diretamente as profissionais femininas. Além da área de seleção, o marketing, comunicação e atendimento também são áreas em que as mulheres estão mais presentes. De acordo com o relatório da Brasscom, as mulheres representam 52% do pessoal nas verticais de vendas e marketing, e 44% em serviços gerais.
“Muitas organizações estão utilizando a estratégia de “last in, first out” (ou “último a entrar, primeiro a sair”) para decidir quais pessoas colaboradoras cortar nessas demissões em massa. Isso, sem sombra de dúvidas, prejudicou as recentes contratações com um olhar de diversidade”, explica Jhenyffer Coutinho. Dados da 365 Data Science mostram que 2,5 anos é a média de tempo de empresa entre os desligados. Ou seja, muitos foram contratados durante o período da pandemia.
Visto que a presença feminina no setor seguia em ascensão nos últimos anos, as mulheres configuram-se entre as contratações mais recentes das empresas. De acordo com a Brasscom, no Brasil, houve um aumento expressivo de profissionais mulheres e negros entre 2020 e 2021. As mulheres negras tiveram o maior crescimento entre contratações do período, representando 16,8% do total, seguidas dos homens negros, com 12,9%, e das mulheres brancas, que representavam 11,8% do total de contratações no ano de 2021.
“Em minha opinião, é uma tomada de decisão extremamente enviesada, pois entra na conta o preconceito que se tem contra mulheres no universo profissional. Pessoas e a sociedade no geral pensam que o homem prioriza o trabalho e a mulher tem outras prioridades, como a família e a maternidade. É um estereótipo conduzido socialmente e que precisamos mudar! Muitas mulheres priorizam, sim, o trabalho e a carreira. Mas, o preconceito existente faz com que as empresas escolham a permanência dos homens ao invés das mulheres”, comenta Jhenyffer.
A fim de atender as mulheres afetadas pelas demissões em massa, a Se Candidate, Mulher! e o Layoffs Brasil criaram um projeto em parceria. “O objetivo é ajudar mulheres afetadas pelas demissões em massa nos últimos meses e que desejam receber suporte na busca pela recolocação no mercado de trabalho”, explica a fundadora.
Mulheres desempregadas e que foram desligadas nos últimos meses podem se inscrever para o programa. Durante 15 dias, as inscritas terão acesso a conteúdos da plataforma SCM Academy, com aulas e exercícios sobre diferentes temas relacionados aos processos seletivos, como autoconhecimento, elaboração de currículo e LinkedIn, comunicação, entrevista, planejamento e transição de carreira, entre outros.
Para ter acesso, as mulheres devem se cadastrar numa lista de profissionais demitidos do site Layoffs Brasil. Em seguida, elas serão direcionadas à plataforma da SCM Academy para conferirem os conteúdos sobre recolocação profissional. As primeiras turmas de março já estão recebendo as mentorias, e as novas cadastradas receberão uma notificação quando abrirem as próximas turmas.
“As participantes contarão com a ajuda de profissionais que são referências no mercado de trabalho em suas áreas de atuação. São elas: Andreza Maia, LinkedIn Top Voice e especialista em Diversidade e Inclusão e ESG, , a especialista em estratégia e inovação e LinkedIn Top Voice, Amanda Graciano, a especialista em recolocação profissional e mentora de carreira Ana Clara Paiva, a CEO da Se Candidate, Mulher!, Jhenyffer Coutinho, entre outras convidadas especiais”, destaca.
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