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Opinião

Dizer sim ao mistério

O ChatGPT preenche os vácuos de memória e informação que não temos a paciência de buscar ou cavucar, mas é também à prova de brilhantismos


5 de março de 2025 - 12h26

(Crédito: Shutterstock)

“Que eu me mantenha sempre longe dos que acreditam ter todas as respostas.

Que eu esteja sempre entre aquelas que dizem “veja!”,

e riem de assombro,

e curvam a cabeça em reverência.”* (livre tradução)

Tenho retornado com alguma frequência para esse trecho do poema da Mary Oliver chamado “Mysteries, yes”, em que ela nos faz refletir e sentir a beleza dos mistérios. Ele se tornou meu mantra para o ano.

Não falo de mistério no caminho das bruxas, astrologia e tarot. Ainda que me agradem as perspectivas que os desenhos do céu e influência da lua me trazem.

Falo sobre aceitar o que eu não sei e o que eu não tenho como saber.

À revelia da tecnologia à nossa disposição hoje, com toda a convicção que ela parece exalar de que há respostas exatas que o ChatGPT e todos os 149 zettabytes de informações da Internet podem prover, sabemos que a vida é mais bagunçada e imprevisível que um algoritmo é capaz de prever.

Ainda que haja vislumbres disso e a ciência avance para este caminho de tentar capturar a alma humana, sou das que acreditam que “não existe máquina capaz de traduzir o nosso riso, nossa lágrima, nossa mística, nossa mágica”.

Noto quão sedutor é contar com os assistentes virtuais de inteligência artificial generativa. Jovens estrategistas e criativos parecem ver um atalho para terminar um trabalho moroso de forma mais rápida, aparentemente à prova de erros. Perdem o processo de aprendizagem.

O ChatGPT preenche os vácuos de memória e informação que não temos a paciência de buscar ou cavucar. Mas é também à prova de brilhantismos.

Pois grande parte do trabalho da criatividade é sobre estarmos abertas para a ignorância.

É desconfortável não saber, mas como profissional do planejamento, uso isso como ferramenta.

Tudo o que eu não sei me aponta para uma nova descoberta.

Exige disciplina não querer correr para o HD mental ou terceirizar a imaginação e pensar “onde eu já vi isso?”, ao invés de perguntar “onde eu não vi isso?” ou “o que eu não sei sobre isso?”, sem medo de errar.

Criar e solucionar exige a humildade do não saber, não entender.

Que a gente se mantenha longe das certezas.

Que a gente seja capaz de rir com assombro dos mistérios.

E aprender com eles.

*“Let me keep my distance, always, from those who think they have the answers. Let me keep company always with those who say “Look!” and laugh in astonishment, and bow their heads”.

– do livro “Devotions”, Penguin Random House (2017).

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