Do balcão à mesa
Se eu voltei para agência porque não estava curtindo trabalhar em marca? Não, muito pelo contrário. Decidi voltar porque eu estava louca para implementar meus novos aprendizados na profissão pela qual eu sempre fui apaixonada
Se eu voltei para agência porque não estava curtindo trabalhar em marca? Não, muito pelo contrário. Decidi voltar porque eu estava louca para implementar meus novos aprendizados na profissão pela qual eu sempre fui apaixonada
5 de setembro de 2022 - 8h59
“Ah, que legal você já ter trabalhado em cliente”. Ouço isso com frequência e todas as vezes aprofundo o assunto um pouquinho mais na minha cabeça e na maneira como encaro as relações agência–marca.
Um pouco de como chegamos até aqui: comecei na propaganda em meados da década de 90, meio que de paraquedas. O vestibular se aproximava e eu não sabia o que escolher, só tinha a certeza de que seria algo relacionado à área de humanas. “Mas, Lu, você é tão palhaçona, devia fazer publicidade”, disse displicentemente meu cunhado, na época, sem nem imaginar que aquela frase solta entre duas colheradas de arroz ditaria as próximas décadas da minha vida. Não cursei publicidade, mas Desenho Industrial. No entanto, logo no segundo ano (ou foi no terceiro?) já comecei o estágio para aprender a ser redatora em uma das agências mais legais do mercado. Imagine você, aos 20 anos, trabalhando ao lado de figuras icônicas, almoçando em grande estilo como mascote e curtindo a festa da firma com shows de grandes artistas. “Achei meu lugar, é isso que quero da vida”, pensei com a certeza que só a pouca idade traz. Trabalhava naqueles horários insanos, mas criava frases divertidas (aquelas que meu ex-cunhado adorava), historinhas com finais surpreendentes para vender coleira antipulgas, com alguém pagando para fazer essas ideias acontecerem. Era o paraíso.
Ou quase.
Ser mulher naquela época não era propriamente bom para os (meus) negócios. O tempo foi passando e o teto foi baixando. Eu nem percebia o absurdo que era, só ficava brava com meu DNA por não ser homem e poder criar livremente nas agências dos meus sonhos. As minhas queridas amigas parceiras de profissão podem engrossar esse coro. Aliás, deixo aqui minha enorme admiração por elas, que navegaram com a habilidade de um Roberto Scheidt as águas turbulentas de um mercado onde a frase “seu portfólio é ótimo, mas fulano não contrata mulheres” era corriqueira e encarada com a maior naturalidade.
Os anos se passaram e com eles mil campanhas, ideias e projetos em português, inglês e espanhol. Trabalhei em todo o alfabeto de letras que compõem os nomes das grandes agências e cheguei a abrir a minha própria, uma experiência que me ensinou demais. Novos canais, novos jeitos de pensar comunicação, sempre tudo novo. E eu me reinventando loucamente para não me tornar o dinossauro mais jovem da história. Minha querida profissão me fez conhecer uma infinidade de assuntos, mercados, pessoas, públicos e países.
Mas tinha uma coisa que nem os mais de 20 anos em grandes agências de publicidade em diferentes culturas conseguiram me ensinar.
Setembro de 2019. O PLIN do inbox do Linkedin anunciava mais do que uma mensagem, uma mudança no jeito que eu iria encarar a profissão para sempre. Era a recruiter de uma empresa que eu já admirava muito me convidando a participar de um processo para ser Diretora Criativa. Cuidar e ajudar a construir a marca em todas as suas expressões e pontos de contato. Basicamente, trabalhar o presente e prepará-la para o futuro. Confesso que não tinha ideia de como seria, e os primeiros meses foram de puro aprendizado e descobertas. A parte boa é que a minha bagagem era muito bem-vinda, então a troca era constante. Para falar a verdade, tive o friozinho na barriga de virar júnior de novo. Nessa experiência, tive acesso ao tipo de informação que nunca sonhei em ter trabalhando com marcas em agências. Descobri e entendi que o tal do “cliente” só é cliente durante 10% do tempo. Os outros 90% são compostos por trabalho interno, profundo, de entendimento de demandas e dores – algumas presentes nas entrelinhas – e criar soluções para saná-las. Fui impactada pelo fato de que as melhores ideias quase nunca são aquelas que vão ser premiadas em festivais, mas sim as que trazem resultados e mudam o ponteiro, no curto e no médio prazo. Vai dizer que um cupom aplicado no horário certo ajudando a fechar a meta da semana não é uma puta ideia? Aprendi também que adotar práticas mais processuais não significa se render à burocracia, mas sim facilitar o trabalho e, por consequência, melhorá-lo. Sabe a famosa refação? Então, em processos mais azeitados ela diminui como num passe de mágica. Não é incrível?
Há 7 meses, depois de tomar umas das decisões mais difíceis da minha carreira, pulei pro lado de cá (ou de lá) do tal balcão. Se eu voltei para agência porque não estava curtindo trabalhar em marca? Não, muito pelo contrário. Decidi voltar porque eu estava louca para implementar meus novos aprendizados na profissão pela qual eu sempre fui apaixonada. E a conclusão a que cheguei – e que tento dividir – é que a cratera que divide os dois universos deve diminuir cada vez mais. Seria ingênuo da minha parte achar que ela vai sumir, já que estar dentro da empresa dá acesso ilimitado a informações. Mas, interessar-se verdadeiramente pelos negócios dos clientes e entender suas dores e necessidades é o melhor jeito de trilhar caminhos que os criativos normalmente não percorrem. E, dessa forma, estreitar a relação e colocar mais trabalhos relevantes na rua. Vai por mim: funciona.
Durante 2 anos eu não fui cliente. Fui uma profissional de marca que, entre outras mil atribuições, dividia as necessidades da ponta do iceberg com as agências e fomentava a parceria para chegar na melhor solução para ambos os lados. Entendi que ninguém é menos “criativo” porque se interessa por vendas.
Quando o balcão vira uma mesa, daquelas redondas, com várias cadeiras, onde os presentes conversam e trocam livremente, o resultado vem para todos.
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