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Opinião

Do que você tem medo?

Nós, mulheres, que sempre fomos orientadas a ter medo da rua escura, das más companhias, de beber demais e ficar vulnerável, podemos usar esse sentimento a nosso favor


17 de abril de 2024 - 8h17

(Crédito: Adobe Stock)

Os medos existem para nos manter vivos. Foram eles que nos impediram de sucumbir aos perigos no início dos tempos e, com certeza, os medrosos foram os grandes vencedores da seleção natural. Há quem defenda que caçar e enfrentar o medo das feras tornaram os homens mais corajosos, e que cozinhar fez de nós, mulheres, criaturas dóceis e conciliadoras. Enfim, tem louco pra tudo.

Fato é que o seguro morreu de velho e o medo anda em baixa. E para comprovar isso, não precisa de nenhum instituto de pesquisa, basta entrar nas redes sociais que você vai encontrar um feed repleto de coragem e vitórias. Expressões como “be bold” e “arrisque” estão por todos os lados, e os perfis parecem muito ousados e corajosos, especialmente os masculinos.

Homens arriscam mais? Parece que sim. E se remontar ao início dos tempos parece exagerado, ir até a infância já pode sugerir alguns indícios desse excesso de confiança. Meninos são criados para ser fortes, aventureiros, exploradores, mais livres do que as meninas que, em geral, não devem extrapolar os limites do que é considerado feminino, delicado e agradável. Enfim, se a ideia era formar seres humanos mais autoconfiantes, deu certo pra eles. Agora, se isso é bom, já é outra história.

Homens entre 20 e 24 anos têm 11 vezes mais chances de morrer por causas externas do que mulheres. E o que são essas causas externas? Homicídios, acidentes de trânsito, afogamentos, quedas acidentais… uma infinidade de atitudes que pressupõem situações de risco. Enfim, o exagero da autoconfiança. Quando o assunto é doença, a estatística também não ajuda: 62% dos homens só procuram o médico quando os sintomas são insuportáveis. Afinal de contas, demonstrar dor ou “fraqueza” não faz parte da cultura masculina; cuidar de si mesmo, então…

E falando em doenças, o alcoolismo, considerado doença pela OMS desde 1967, apresenta um dos dados mais assustadores: “um homem morre a cada 10 minutos no Brasil em razão do consumo de álcool”, resultado de uma cultura que não permite que o homem seja “fraco” para a bebida. Comportamentos que têm na raíz pilares absolutamente exaltados no mercado de trabalho e nos manuais de liderança, como: demonstrar força acima de tudo, ser corajoso em qualquer circunstância, e não ter medo nunca. O oposto do que ainda se espera de uma mulher.

E para falar da indústria da criatividade, quantas reuniões não acontecem todos os dias com homens tendo ideias absolutamente inconsequentes, enquanto mulheres assumem a postura chata de “colocar o pé no chão”? E em quantas situações homens não se exaltam, levantam a voz e são tidos como destemidos, enquanto uma mulher na mesma situação seria chamada de histérica? Em geral, homens dão chilique porque acham que podem.

Mas se a criatividade pressupõe uma certa ousadia e correr risco é, sim, parte do job, se masculinizar pode parecer bem útil à primeira vista. E talvez até funcione para alguém, mas se rigidez emocional; negligência da saúde e fobia ao fracasso são atitudes que abreviam a vida dos homens na sociedade, por que funcionaria no trabalho?

O histórico do medo como conselheiro é consistente. Afinal, ele já vem nos livrando de roubadas há milhares de anos. Aliás, nós, mulheres, que sempre fomos orientadas a ter medo da rua escura, das más companhias, de beber demais e ficar vulnerável, estamos muito acostumadas com esse sentimento. E podemos usá-lo mais uma vez a nosso favor testando ideias, dando ouvidos ao contraditório e deixando sempre um plano B na manga, mesmo que ele só exista na nossa cabeça.

Se na sociedade a gente se protege porque o risco é a própria vida, no trabalho a gente pode tentar a máxima do “vai com medo mesmo”.

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