1 de julho de 2024 - 15h03
(Crédito: Adobe Stock)
No processo de transição da minha carreira, me senti quase como uma aprendiz. Deixei um cargo de liderança e uma vasta experiência no terceiro setor para ingressar no mundo corporativo. É uma virada de carreira pouco convencional, é verdade. Em geral, as pessoas saem das grandes empresas com o sonho de trabalhar por propósito em organizações com causas sociais bem estabelecidas. Já no meu caso, a mudança foi motivada pelo desejo de gerar impacto sob uma outra perspectiva. Em uma grande corporação, teria a oportunidade de alavancar mais recursos e influência para promover e mudanças positivas em diversos stakeholders.
Quando estava prestes a completar 50 anos, recebi um convite interessante: assumir o cargo de Diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos do Grupo L’Oréal no Brasil. Tornar-me a primeira mulher negra a ocupar essa posição foi um marco importante para a companhia e para mim.
Apesar disso, muitas pessoas próximas mostraram-se surpresas com a minha mudança. Não apenas pela possibilidade de eu estar me afastando do meu propósito, mas também porque, de fato, o dia a dia no trabalho é bem diferente. No terceiro setor, tem-se a sensação de maior autonomia e liberdade criativa. Talvez, devido às estruturas mais enxutas e aos recursos escassos, nos tornamos intraempreendedores. Há uma lógica mais colaborativa no trabalho, com menor interferência hierárquica. Essa visão de gestão mais humanizada, com capacidade de agregar as pessoas, é uma das bandeiras que vivi na prática trabalhando no terceiro setor e que tenho buscado difundir no ambiente corporativo.
O papel de um executivo em uma grande companhia é como o de um governante. É preciso pensar em direitos humanos, dignidade, pobreza… Muitas empresas, como a L’Oréal, têm um PIB maior do que vários países. A capacidade de influência que uma companhia dessas tem é enorme, assim como as oportunidades de impactar na agenda positiva de 2030, dialogando com os stakeholders.
Num país de tamanha desigualdade econômica e social como o Brasil, acreditamos na força da beleza para a transformação social. Buscamos no dia a dia do trabalho maneiras de manter o senso de propósito, especialmente por meio de iniciativas corporativas com foco na sustentabilidade. É um desafio constante, mas também uma oportunidade de impactar positivamente a vida de muitas pessoas.
Na L’Oréal, encontrei espaço para transformar minhas convicções em ações tangíveis. Aqui, fui muito bem recebida e posso fazer parte dessa transformação extra-financeira, tão valiosa quanto a performance financeira. Para qualquer transição de carreira, é muito importante escolher bem a organização na qual você vai se associar. Eu pesquisei muito e tive a felicidade de migrar para uma empresa que nos deixa confortável em ser “walkthetalk”. E que também trabalha em estreita colaboração com organizações sociais locais e internacionais. Isso é um grande estímulo para mim. Não parei de ter contato, de apoiar e fazer pontes com questões que me tocam. Elas me estimulam ainda mais a desenvolver um trabalho com um impacto positivo na vida das pessoas. Afinal, essa é e sempre vai ser minha principal missão.
Nesta coluna, vou trazer um pouco dos temas que acredito que precisamos jogar luz para a construção de uma sociedade menos desigual. Quero falar sobre mulheres, sobre voluntariado… A transição de carreira, por exemplo, pode ser ainda mais difícil para mulheres, que enfrentam menores salários e participação no mercado de trabalho, mesmo que a escolarização feminina seja superior à masculina. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — referentes a 2022 — apontam que 53,3% das mulheres participam da força de trabalho. Enquanto isso, a taxa masculina é de 73,2%. Dentro do mercado, mais um gap: do total de pessoas em cargos gerenciais, 60,7% eram homens e 39,3% mulheres.
E por falar em mulheres, acabei de lançar o livro ‘Mulheres do Terceiro Setor’, que fiz a organização junto a Sandra Helena Pedroso e Andréia Roma, no qual destacamos histórias inspiradoras de líderes no campo social. Os relatos mostram esse poder coletivo que temos em moldar um mundo mais justo e inclusivo por meio do trabalho social, que pode ser feito pelo terceiro setor ou por meio de voluntariado e iniciativas da indústria, como falamos aqui.
Para quem quer fazer o mesmo caminho de transição, sugiro buscar, no dia a dia do mundo empresarial, maneiras de manter o senso de propósito e a paixão que inicialmente o levaram ao terceiro setor, seja por meio de iniciativas corporativas de responsabilidade social ou de voluntariado. Ao optar pelo mundo corporativo, vale avaliar o estágio em que a empresa está com relação a pautas de diversidade, inclusão e impacto social. Algumas ainda estão engatinhando nessas agendas, o que pode significar obstáculos maiores no desenvolvimento de projetos e implantação de cultura que vão ao encontro desses temas.
Fazer a transição de carreira, sem mudar de profissão, também traz uma mistura de excitação e incertezas. A curva de aprendizado é significativa. E é nesse sentido que me senti voltando a ser aprendiz, aberta a aprender, a absorver uma cultura e até um palavreado diferente do meu. Ao mesmo tempo, tem sido uma oportunidade única de aplicar habilidades e experiências valiosas em um novo ambiente.
A transição é uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, bem como uma chance de continuar fazendo a diferença no mundo de maneiras novas e significativas. É o que tenho buscado.