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Doppelganger digital e as marcas no mundo real

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Opinião

Doppelganger digital e as marcas no mundo real

Quando as marcas aspiram ser humanas e os humanos viraram marcas, o que acontece se você passa a ser confundida com outra pessoa que fere os valores da sua marca pessoal?


16 de fevereiro de 2024 - 7h40

Quando as marcas aspiram ser humanas e os humanos viraram marcas, o que acontece se você passa a ser confundida com outra pessoa que fere os valores da sua marca pessoal? Pois foi isso que aconteceu com a jornalista e escritora canadense Naomi Klein, o que a motivou a escrever “Doppelganger: A Trip into the Mirror World” (ainda sem tradução no Brasil), lançado recentemente.

O livro seminal de Naomi Klein, “Sem Logo” (Record), causou uma pequena revolução no início dos anos 2000, ao criticar a tirania das marcas, com insights que mais tarde se mostraram premonitórios. Uma década antes, outra Naomi, Naomi Wolf, influenciava as mentes com “O Mito da Beleza” (Rosa dos Tempos), uma crítica social sobre o uso das imagens para oprimir as mulheres. Como muitas pessoas, eu frequentemente confundia as duas.

Foi somente quando a Naomi Wolf se tornou uma “ativista” antivacina, alinhada com os valores da extrema-direita americana e dada a teorias da conspiração, que a Naomi Klein passou a se preocupar seriamente com a confusão, o que gerou o livro sobre sua doppelganger. Nele, Klein nos leva até o Mirror World, ou mundo do espelho, das redes sociais, onde aperfeiçoamos nossos reflexos digitais e criamos nossas identidades pessoais. Um lugar onde as duas Naomis se tornam uma só.

Como uma crítica contundente das marcas, Klein se incomodou em assumir que esse equívoco impactava seu branding pessoal. Afinal, o que significava que uma marca progressista feminista pudesse ser confundida com uma conservadora extremista? Podia sinalizar uma falta de reconhecimento de marca, de consistência ou, em última instância, diluição de marca – um caso excessivo de extensão de marca.

Klein admite ter falhado em desenvolver, manter e proteger sua marca pessoal, permitindo que ela se diluísse e fosse confundida com outra. Qual seria a estratégia a adotar nessa situação?  Se ela fosse uma marca corporativa, isso implicaria em trabalhar para criar uma marca “melhor”, mais distintiva e reconhecível. Mas como agir quando a marca diluída ou comprometida é a de uma pessoa?

Embora este seja um caso extremo, não é difícil imaginar que isso levante questões que em breve poderão ser relevantes, à medida que as fake news evoluem para deep fakes, a linguagem humana é substituída por modelos de linguagem de grande escala, e torna-se impossível distinguir entre conteúdo real e gerado por inteligência artificial.

Recentemente, o Twitter bloqueou as buscas por Taylor Swift após imagens da cantora nua, criadas por IA, viralizarem. Isso sugere que nem mesmo marcas “boas” – amadas, consistentes e relevantes – estão imunes de terem uma má cópia por aí. E que há uma lacuna significativa em defesas legais ou estruturais para impedir isso. Se já é difícil proteger uma marca de cópias ruins ou de deslizes de posicionamento, como proteger os seres humanos com suas diversas características e contradições?

São perguntas que não têm respostas fáceis ou únicas, mas que merecem reflexão. Assim como a nossa relação com a tecnologia evolui, também evolui a relação das marcas (sejam elas humanas ou não). Se antes o foco era atrair consumidores por meio da proposta única de venda de uma marca (USP), hoje sabemos que essa proposta única é fugaz e facilmente copiável. O que se tem defendido é a construção e consolidação de um ponto de vista (POV) único da marca. Uma perspectiva que apenas essa marca, com sua trajetória, características e escolhas, é capaz de oferecer para a produção ou posicionamento de um produto. Ideias que apenas ela pode inspirar nas pessoas, e que até mesmo a mais criativa das IAs teria dificuldade de reproduzir.

As marcas podem se diluir, se perder ou seguir crescendo, mas as poderosas ideias que elas foram capazes de gerar deixam seu legado. Como Naomi Klein escreve: “ideias são ferramentas de transformação, pessoal e coletiva”.

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