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Economia prateada: longevidade e inovação combinam?

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Economia prateada: longevidade e inovação combinam?

Empreendedoras e especialistas falam sobre as oportunidades e desafios do mercado sênior no Brasil 


16 de outubro de 2024 - 7h20

Até 2030, o Brasil será o sexto país com maior número de pessoas acima de 60 anos do mundo. Hoje, a população 50+ é composta por 55 milhões de brasileiros, que movimentam 1,6 trilhões de reais por ano, de acordo com estudo da Locomotiva. As projeções indicam que esae grupo só crescerá nos próximos anos, chegando a 90 milhões de pessoas em 2045. Nesse contexto, surge a economia prateada, um mercado de negócios e iniciativas com foco no público sênior. 

Apesar dos grandes números, esse ainda é um mar a ser explorado. “Há muito dinheiro parado na mesa porque as pessoas não percebem a necessidade de criar soluções, produtos, serviços e inovações para esse público consumidor”, destaca Andrea Tenuta, head de novos negócios na Maturi, consultoria de diversidade etária e geracional. 

“A Maturi foi criada como uma plataforma voltada para a contratação de profissionais mais velhos, focando em pessoas com 50 anos ou mais, onde identificamos uma dor maior, tanto do lado dos profissionais quanto das empresas. Esse número, no entanto, varia de acordo com a demografia de cada companhia, ficando entre 40 e 60. Não há uma quantidade exata, mas é nessa faixa que percebemos uma queda significativa no mercado”, afirma Andrea.  

Andrea Tenuta é head de novos negócios na Maturi, consultoria de diversidade etária e geracional (Crédito: Divulgação)

Com nove anos de existência, a Maturi expandiu sua atuação. Hoje, a empresa oferece treinamentos visando não apenas a contratação, mas a inclusão desses profissionais. Com uma comunidade de 250 mil pessoas cadastradas, o desafio agora é que não existem vagas suficientes. Por isso, a empresa passou a oferecer treinamentos que incentivam o empreendedorismo. 

Aqui entra o trabalho da SilverHub, uma aceleradora de negócios que nasceu com o intuito de promover soluções que atendam as necessidades desse público. A aceleradora foi fundada em 2021 por Cristián Sepúlveda, CEO, Marcos Eduardo Ferreira, presidente do conselho, e Arine Rodrigues, executiva de negócios.  

Novo paradigma do envelhecimento

Mas, antes de empreender a SilverHub, Arine já tinha um negócio com foco em longevidade, o Vida60mais, plataforma de marketplace e educação. “Quando comecei, em 2020, era como capinar um mato altíssimo. Poucos entendiam o que estávamos fazendo. Hoje, sinto que o diálogo avançou, mesmo que lentamente”, reflete. 

Para entender o momento desse mercado no Brasil, a Lab Nova Longevidade, cocriação da Ashoka com o Instituto Beja e o Itaú Viver Mais, com foco no público sênior, realizou um mapeamento das iniciativas brasileiras. O estudo encontrou 400 iniciativas em 30 frentes de atuação diferentes, sendo que 62% delas tinham 5 anos ou mais de existência. A Ashoka é uma organização que apoia empreendedores sociais no mundo inteiro. 

Arine Rodrigues, executiva de negócios da SilverHub (Crédito: Divulgação)

Dentre as frentes de atuação mais frequentes, 82% tinham foco no “envelhecimento saudável” e 17% em “educação midiática”. “Um ponto importante é a questão cultural, que envolve não apenas a produção e disseminação de conhecimento sobre envelhecimento, mas também uma educação voltada para a longevidade. Precisamos identificar quais iniciativas estão contribuindo para essa produção e disseminação de conhecimento e de que forma elas estão combatendo o idadismo e as representações negativas das pessoas idosas”, aponta Marília Duque, à frente do Lab Nova Longevidade. 

“Outro hub relevante é o de saúde e cuidado, onde a questão de gênero também é crucial. No Brasil, a família tem uma grande sobrecarga no papel de cuidadora da pessoa idosa, e essa responsabilidade recai majoritariamente sobre as mulheres”, continua a pesquisadora. “Além disso, percebemos a importância de dar visibilidade a bons exemplos. Constatamos que, para criar demanda, é necessário destacar não apenas indivíduos que estão envelhecendo bem, mas também iniciativas de diferentes setores que realmente contribuem e podem ser vistas como boas práticas para transferir tecnologia e escalar impactos.” 

Um dos objetivos do mapeamento, de acordo com Marília Duque, é criar um novo paradigma do envelhecimento. “Esse paradigma visa criar uma sociedade onde todas as pessoas possam envelhecer contribuindo para suas famílias, comunidades e territórios, tornando-se agentes de transformação”, explica. 

Invisibilização das mulheres maduras

Para isso, a pesquisadora destaca a importância de “quebrar o pacto de silêncio” sobre o tema, que ainda é um tabu, principalmente para as mulheres, que se veem invisibilizadas nessa fase da vida. “Apesar da crescente visibilidade de celebridades e artistas envelhecendo, a experiência de envelhecer no Brasil ainda é desigual e varia conforme a formação e o território”, complementa. 

Marília Duque é pesquisadora no Lab Nova Longevidade (Crédito: Divulgação)

A menopausa, por exemplo, é um demarcador importante dessa divisão na vida da mulher. De acordo com a pesquisadora, existem lugares no Brasil, em especial no Nordeste, que se referem às mulheres na menopausa como “não-mulheres” ou “mulheres secas”. Outra questão que invisibiliza a mulher madura é a cultura jovem-cêntrica e os ideais de beleza feminina, que cultuam a jovialidade. “À medida que envelhecemos, nos distanciamos desse referencial de beleza, como se fôssemos sendo apagadas. Não há espaço para uma mulher que envelhece, com toda a sua subjetividade, feminilidade e sexualidade”, aponta Marília. 

A mídia e a publicidade têm um papel vital na busca por esse novo paradigma da longevidade. “Ainda temos uma visão hedonista nas propagandas, que continuam a reforçar a imagem da juventude. Enquanto essa representação prevalecer em nossos programas de TV e revistas, o público sênior ficará esquecido como consumidor”, afirma Juliana Ramalho, CEO da Talento Sênior, empresa de talent as a service que atua na contratação de profissionais 45+ sob demanda, do Grupo Talento Incluir. 

O casamento entre inovação e longevidade 

A Talento Sênior surgiu de uma inquietação que Juliana teve quando ainda era uma jovem estagiária. Ela viu seu mentor se despedir da empresa assim que completou 60 anos. “Ao ver as pessoas sendo demitidas, percebi que, após os 60 anos, quem saísse não retornaria mais ao mercado”, diz a CEO. Assim, a empresa adotou um novo modelo de trabalho e prestação de serviço, o “talent as a service”. “Isso significa que a companhia pode contratar um profissional sênior para um projeto específico ou para um acompanhamento contínuo, mas não em tempo integral”, explica. 

Juliana Ramalho é CEO da Talento Sênior, do Grupo Talento Incluir (Crédito: Divulgação)

Dessa forma, as startups da economia prateada surgiram para atender esse público, mas os desafios são grandes e partem principalmente de questões culturais sobre a visão do profissional maduro e seu papel na sociedade. “Não estamos nos preparando adequadamente e só vamos nos deparar com essa realidade quando a previdência realmente colapsar e não soubermos como agir. O que estamos tentando fazer é antecipar esse movimento, alertar as pessoas, destacar dados e fomentar discussões, como, por exemplo, sobre como as pessoas desejam ser chamadas”, destaca Arine. 

“Um estudo interessante da Dom Cabral revela que nem isso temos definido. As expressões ‘maduros’ e ‘longevos’ trazem a analogia das frutas, enquanto o termo ‘idoso’ carrega uma conotação negativa. Esse estigma é reforçado por percepções errôneas sobre o envelhecimento”, continua. 

Assim, tais iniciativas também contribuem para o combate ao etarismo. “Quando falamos de etarismo, não é só pela dificuldade de conseguir uma vaga ou ser contratado, mas em todas as esferas, porque vivemos em uma sociedade etarista. As pessoas não percebem, mas ainda falta valorização das pessoas que estão envelhecendo”, reflete Andrea.  

Outro desafio, principalmente das startups da economia prateada, é a falta de investimentos. “Os investidores ficam hesitantes, ponderando se vão ou não apostar no futuro. Para as startups, isso significa que o case precisa ser muito bem estruturado, com projeções de faturamento detalhadas, para que possamos atrair o cheque dos investidores que estão dispostos a entrar nesse mercado. É um campo arriscado, mas com propósito e um caminho sem volta”, aponta Arine Rodrigues. 

Oportunidade de ouro

Apesar do mapeamento indicar que a maioria das iniciativas do mercado de inovação em longevidade têm mais de 5 anos, a avaliação das empreendedoras é que falta maior engajamento e letramento das empresas com a pauta. “É um mercado ainda muito novo. Embora seja uma temática que tem ganhado mais atenção, há um universo gigante a ser explorado”, indica Andrea Tenuta. “Comparado a outros segmentos, diria que ainda está extremamente no início, muito devido à falta de repertório das pessoas sobre o assunto.” 

Além disso, as especialistas apontam a urgência desse tema virar prioridade “Hoje, quem fala sobre longevidade no País está com a agenda super demandada, porque são poucos tratando de um assunto que não é do futuro, mas do presente. O último censo mostra que a expectativa de vida cresce enquanto a natalidade diminui”, avalia Arine. 

A verdade é que estamos vivendo uma revolução demográfica, que aponta para o envelhecimento da população e para uma inversão da pirâmide etária. “Estamos envelhecendo num ritmo muito acelerado. O que a França levou 120 anos para fazer, nós estamos fazendo em 20, mas estamos menos preparados. Já não somos mais um país jovem, então há muitas áreas inexploradas para atender ao envelhecimento da população”, aponta Andrea. 

Por isso, a pesquisadora Marília Duque destaca a importância das iniciativas que focam na educação, tanto para o público geral — sobre os potenciais, necessidades e desejos da população sênior –, quanto para as pessoas maduras, incentivando o “life long learning”. “A educação é fundamental, desde a educação formal, que é essencial para o desenvolvimento cognitivo e as oportunidades na vida, até a educação para a longevidade, que ensina que estamos envelhecendo desde o dia em que nascemos”, diz. 

Se o aumento da população idosa não for suficiente para chamar atenção do mercado, os dados econômicos talvez possam ser: 64% dos maduros são responsáveis por toda ou pela maior parte da renda da casa no Brasil, como aponta o estudo da Locomotiva. “A renda dos maduros é frequentemente vista como vulnerável, quando, na verdade, eles são protagonistas”, destaca Arine. 

“É fundamental que a sociedade olhe para os seniores com respeito, reconhecendo-os como o novo foco de consumo e a nova base da pirâmide, que agora está em cima, e não embaixo”, concorda Juliana Ramalho. “À medida que superamos as barreiras que a sociedade impõe, as oportunidades se abrem em diversos campos: saúde, esportes, turismo, entretenimento e arte. O público 50+ é um grande consumidor nessas áreas, porque tem dinheiro e mais tempo disponível”, complementa. 

Além do aumento da população madura, também enfrentamos uma tendência de diminuição do grupo jovem. “Conforme o nível de instrução das mulheres aumenta, a natalidade tende a cair, resultando em menos filhos. Isso configura um cenário de colapso para a previdência e a saúde”, afirma Arine. 

“A questão da longevidade vai cair nas mãos de todas as famílias e dos CEOs das empresas, que terão de enxergar isso como um grande mercado consumidor. Se você focar apenas nos jovens, seu mercado vai encolher”, destaca Juliana. 

Um mercado do presente 

O primeiro passo para adentrar no mercado de longevidade é entender quem são seus públicos. “É impressionante como é óbvio entender o perfil do seu consumidor, mas muitos não percebem. Isso acontece porque o tema ainda é muito distante, e muitas vezes temos equipes jovens tentando entender um público maduro”, aponta Andrea. 

Nesse processo, também é fundamental compreender a heterogeneidade desse público, buscando suas necessidades e desejos. “Reconhecer essas necessidades implica entender que, assim como pensamos em classe social e grau de escolaridade como variáveis, devemos também considerar as ‘velhices’ no plural”, destaca Marília. “Isso significa que o mercado precisa inovar ao olhar para longevidade, porque uma pessoa de 50 anos é completamente diferente de uma de 80 ou 60. Não dá pra colocar todos num mesmo grupo”, complementa Arine. 

Depois, Marília destaca a necessidade de incluir as pessoas maduras nos processos de desenvolvimento de produtos e soluções e nos testes de validação. “Se não as incluímos, as chances de que esses itens não atendam realmente ao que elas desejam são muito altas”, afirma. Mesmo que o público da empresa não seja uma pessoa idosa, é importante entender se este grupo está presente em algum momento da jornada do cliente. “A dependência da renda da pessoa idosa no Brasil é tão significativa que, talvez, seu cliente seja, sim, uma pessoa idosa. Ele pode estar comprando para o filho, o neto ou um pai mais velho”, diz a pesquisadora. 

Entretanto, para que esta população consuma, ela precisa estar dentro do mercado de trabalho. E aqui existe outra barreira: a inclusão do profissional sênior. “As empresas estão diminuindo bastante as contratações, especialmente de pessoas mais velhas, alegando as mesmas desculpas de sempre, como o aumento no plano de saúde e a aversão a contratar quem pode sair rapidamente”, aponta Juliana. “Precisamos garantir que essa população tenha renda e esteja consumindo, caso contrário, o País vai parar. Para que isso aconteça, é essencial que eles estejam empregados”, continua. 

“Muitas empresas não veem as pessoas idosas como valiosas na força de trabalho, resultando em desligamentos precoces. Isso significa perder a colaboração dessa diversidade. Além disso, existe uma limitação nas oportunidades abertas para esses profissionais, que são vistas como incapazes de continuar aprendendo e se desenvolvendo”, complementa Marília. 

Empreendedorismo e regionalismo

Para aqueles que não conseguem a recolocação profissional, ou buscam uma transição de carreira, o empreendedorismo surge como solução. “As próprias pessoas que estão envelhecendo começam a empreender para atender suas necessidades. Todos os dias, vejo startups com ideias incríveis, como caixas de produtos e serviços voltados para a geração sanduíche, que cuida de filhos e pais, além de medicamentos e cuidados com a saúde”, afirma Andrea. 

Além da variedade de frentes de atuação que o mercado de longevidade pode atuar, Arine destaca as diferentes experiências de envelhecimento que são influenciadas pela classe social e regiões do país. Por isso, a empreendedora decidiu levar o Vida 60+ Expo, que ocorre no final de outubro, para Pernambuco. “Cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre já têm mais idosos do que adolescentes, mas no Norte e Nordeste, o diálogo sobre longevidade ainda é muito limitado.” 

Iniciativas como as startups desse mercado e os eventos que promovem discussões sobre longevidade são as que estão trazendo a pauta para a agenda de todos. Mesmo que a passos lentos, o tema está começando a despertar interesse. “A realidade é que o mercado está começando a perceber a importância da população acima de 60 anos. Esse entendimento está se espalhando, porque é um fato: essa faixa etária vai ter um papel muito maior em todas as decisões do que a juventude”, conclui Juliana Ramalho. 

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