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Emanuelle, Tess e o direito das meninas de fazer o que querem

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Blog da Regina

Emanuelle, Tess e o direito das meninas de fazer o que querem

Caso de escola que teve de promover um campeonato feminino de futebol por decisão judicial e comemoração de menina inglesa após vitória na semifinal da Eurocopa Feminina reforçam a força do futebol na representatividade e equidade


28 de julho de 2022 - 8h22

Comecei a escrever esse texto enquanto assistia a partida entre Inglaterra e Suécia, primeira semifinal da Eurocopa Feminina 2022 nesta terça-feira, diretamente de Londres. Minha ideia inicial aqui era focar na história de Emanuelle Oliveira, revelada pela Folha de S. Paulo no início da semana. A garota de 10 anos de Belo Horizonte conseguiu finalmente realizar seu sonho: jogar um torneio de futebol na escola onde estuda, no bairro local de Barreiro, no último dia 12.

Ela fez cinco gols na primeira partida, que terminou em 6 a 1, e marcou um no empate por 2 a 2 no segundo jogo. Foi campeã. Seria uma competição comum na vida escolar, a não ser pelo fato de que ocorreu após a família da garota ter buscado a Justiça. Emanuelle e suas colegas do 5º ano, que formaram os dois times, só disputaram as partidas depois que uma liminar obrigou o Colégio Santa Rita de Cássia a incluir a menina no campeonato interno, sob o risco de multa de R$ 20 mil em caso de descumprimento.

A decisão judicial obrigava a escola a permitir a participação da garota em um torneio com os meninos, mas isso não foi necessário. A batalha de Emanuelle na Justiça pelo direito de jogar bola levou o colégio a montar dois times femininos, e o torneio ocorreu. Na decisão, o juiz Rodrigo Ribeiro Lorenzon traz o relato da garota de que “já está habituada a jogar futebol e treinar com meninos”, tanto nas aulas de educação física como na escolinha que frequenta.

 

Emanuelle Oliveira, 10 anos, conseguiu finalmente  jogar um torneio de futebol na escola onde estuda após a família da garota ter buscado a Justiça (Crédito: Arquivo pessoal)

“Apesar disso, ao que parece, a requerida [colégio] não cogitou incluir a autora em uma equipe masculina, de modo que não é possível verificar qual seria o fundamento da negativa nessa hipótese.” Ainda segundo o juiz, a menina “não foi admitida única e exclusivamente pelo fato de não haver equipe de meninas”.

O magistrado diz também que “não é razoável admitir que a autora seja impedida de participar de torneio de futebol (esporte que ela já pratica) apenas por não haver equipes femininas na disputa”.

Emanuelle é fã do esporte desde muito pequena. Ela acompanha de perto o Cruzeiro, time cuja paixão divide com os pais, e se diverte com jogos como Fifa no videogame. Além das telas e do entretenimento, o futsal é o esporte que pratica desde os cinco anos, quando começou a treinar em uma escolinha no bairro.

Com a retomada das aulas presenciais, no primeiro semestre deste ano, ressurgiu também o antigo desejo de jogar bola com os colegas e disputar os campeonatos promovidos pela escola. A expectativa acabou se transformando em frustração diante do questionamento que Emanuelle sempre levava para casa: por que não há disputas de futebol feminino nos campeonatos internos?

A partir do incômodo da filha, sua mãe, a estudante de psicologia Daniele Oliveira, conta que tentou contato diversas vezes com o colégio. Recebia constantemente o retorno de que não havia meninas interessadas em praticar o esporte. Tampouco autorizavam a jovem a jogar no torneio com os meninos.

A pedido de Emanuelle, a mãe persistiu e enviou, ao longo de dois meses, dezenas de emails para a diretoria, mas sempre recebia a resposta de que não havia a possibilidade de formar uma equipe feminina.

Com os pedidos negados, a família aproveitou uma festa junina para manifestar a indignação diante da resistência da escola em permitir que a aluna participasse do campeonato. Pai, avó, tia e padrinhos apoiaram. Daniele e Emanuelle levaram cartazes e camisetas que continham frases afirmando que mulheres gostam, sim, de futebol, e que a luta pelo esporte é também uma luta por igualdade.

O protesto trouxe à tona histórias parecidas. “Apareceram outras alunas pedindo para jogar, as coisas tomaram uma proporção muito grande, e vimos que estávamos diante de um tipo de preconceito inaceitável”, contou Daniele à reportagem da Folha.

Depois do ato, a direção da escola aceitou marcar uma reunião, mas deixou claro que não permitiria que Emanuelle participasse do campeonato no time de seus amigos. Foi diante desse cenário que Daniele decidiu procurar uma advogada, que entrou com ação judicial com caráter de urgência para que a menina pudesse jogar.

Ao som de Sweet Caroline

Enquanto a Inglaterra goleava a Suécia por 4 a 0 para chegar à final do Campeonato Europeu Feminino, uma garotinha de Wakefield conquistou os corações da nação que criou o futebol, dançando e cantando junto com a música Sweet Caroline após o apito final em Bramall Lane, em Sheffield.

Tess, de oito anos, que ainda nem tinha nascido quando as Lionesses (apelido da seleção feminina de futebol inglesa) chegaram à sua última grande final em 2009, tornou-se uma superestrela literalmente da noite para o dia depois de ser flagrada pela câmera mostrando seu apoio à Inglaterra – e o clipe se tornou viral.

 

Tess, de oito anos, tornou-se uma superestrela literalmente da noite para o dia depois de ser flagrada pela câmera mostrando seu apoio à Inglaterra – e o clipe se tornou viral (Crédito: Reprodução/Twitter/BBC)

“Eu descobri quando Sweet Caroline terminou. Minha mãe ficava recebendo mensagens de pessoas dizendo: ‘Tess está na televisão, Tess está na televisão!'”, disse ela à BBC Radio One.

“Quando eu for mais velha, quero ser jogadora de futebol, então estava olhando como elas estavam comemorando e pensando em como eu iria comemorar.” O hit de 1969 de Neil Diamond, uma música 45 anos mais velha que Tess, virou tradição no final dos jogos da Inglaterra.

“Na escola, temos uma discoteca de fim de ano na sala de aula e escolhemos músicas, e sempre há algumas pessoas que escolhem Sweet Caroline e então todos cantamos a música”, explicou ela.

Questionada sobre como foi assistir à soberba vitória da Inglaterra por 4-0 dentro do estádio, Tess disse: “Foi incrível. Não tenho palavras”. Ele teve a visão perfeita para assistir toda a ação se desenrolar e ver sua jogadora favorita, Alessia Russo, uma jovem que acabou de ser contratada pelo Leeds United, marcar um audacioso movimento de calcanhar.

Os brilhantes movimentos de dança de Tess lhe renderam uma conversa com a lenda inglesa Ian Wright no BBC Breakfast, na manhã desta quarta-feira, e o ex-atacante do Arsenal estava interessado em saber se as Lionesses influenciaram as ambições da jovem: “Quando você vê as meninas jogando, você pensa, ‘Oh, eu poderia fazer isso um dia?’ Isso faz você sentir isso?”

Tess foi direta ao ponto: “Sim, definitivamente!”

Exemplos como o de Emmanuelle e Tess reforçam a força do futebol como elemento de representatividade e equidade.

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