Empreendedorismo feminino: impacto para além dos negócios
Com olhar voltado para ESG, Ambev, Coca-Cola Femsa Brasil e Google promovem programas de capacitação e aceleração de negócios para empreendedoras
Empreendedorismo feminino: impacto para além dos negócios
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Lidia Capitani
24 de janeiro de 2023 - 17h28
Com o intuito de assumir um compromisso estratégico com o aspecto social do ESG (ambiental, social e de governança corporativa), agenda de impacto cada vez maior no valor das organizações e de contribuição comprovadamente positiva para os resultados das empresas, companhias como Coca-Cola Femsa, Fundação Visa, Ambev e Google têm voltado suas atenções ao empreendedorismo feminino, por meio de programas de capacitação e aceleração de negócios para mulheres.
Ao lado de instituições de reputação sólida em torno da prática, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME) e Semente Negócios, as empresas têm apoiado e criado iniciativas de incentivo à diminuição das desigualdades de gênero na profissão, ações que, de acordo com especialistas da área, têm potencial de transformar os negócios das empreendedoras, mas de também mudar suas comunidades e toda a sociedade.
No Brasil, as mulheres empreendem tanto quanto os homens, porém, enfrentam barreiras adicionais que impedem que seus negócios avancem. Tais obstáculos vão muito além do saber fazer um plano de negócio, e incluem crenças culturais sobre os deveres delas na sociedade.
De acordo com o Sebrae, 46% dos empreendimentos iniciados no Brasil são de mulheres. Já entre os empreendedores bem estabelecidos, 31% delas têm ensino superior completo, em comparação com 22% dos homens. Mesmo mais escolarizadas, elas ainda faturam menos que eles: enquanto 31% dos homens têm renda familiar acima de 6 salários mínimos, o número cai para 22% quando falamos das empreendedoras.
Há fatores sociais que influenciam na jornada empreendedora das mulheres. Além dos preconceitos, elas enfrentam obstáculos culturais que impactam diretamente o sucesso de seus negócios.
Em primeiro lugar, as mulheres têm menos tempo para seus negócios. Por conta dos afazeres domésticos e de cuidados, que culturalmente recaem sobre as mulheres, elas passam 17% menos horas em seus negócios em comparação aos homens, uma vez que precisam trabalhar 10,5 horas a mais na semana.
O estudo “Mulheres empreendedoras e seus negócios” de 2022, realizado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME) com o apoio da Meta e execução do Instituto Locomotiva, revela que, apesar da porcentagem de mulheres que empreendem por necessidade ser a mesma daquelas que fazem por oportunidade (46%), seus perfis são bem diferentes.
Das mulheres que afirmam terem aberto seus negócios por oportunidade, 67% são das classes A e B, 65% têm ensino superior, 55% estão nos seus negócios há mais de cinco anos e 54% são mulheres não negras. Por outro lado, as mulheres que empreendem por necessidade são compostas por 71% das classes D e E, em que 56% têm formação até o ensino fundamental, 52% são negras e 51% têm negócios de até dois anos.
Outro motivo para que elas faturem menos que os homens é o fato de que elas acabam empreendendo em setores como serviços domésticos, beleza e alimentação. Estas áreas, porém, não costumam envolver tanta inovação, o que resulta em negócios vulneráveis, produtos com menos valor agregado e menor faturamento.
Quando fatores de raça e gênero entram na conta, as discrepâncias são ainda maiores. Enquanto o rendimento médio mensal das empreendedoras pretas é de R$ 1.539, o dos homens brancos é R$2.749. Logo atrás deles, estão as mulheres brancas, com R$ 2.305, e os homens negros, com R$ 1.798, de acordo com os dados do Sebrae.
Mesmo com programas especializados e focados em mulheres, ainda existem obstáculos para que elas permaneçam nos cursos. Muitas empreendedoras cumprem uma jornada tripla que inclui os cuidados com a família e da casa, e não têm tempo para se dedicarem aos programas.
A pandemia também afetou diretamente os negócios liderados por mulheres, uma vez que as escolas e creches fecharam. “Com a pandemia, o que era precário ficou muito [precário]. Nós tivemos um milhão a mais de empresas lideradas por mulheres que fecharam, em comparação às empresas lideradas por homens”, destaca Renata Malheiros, coordenadora do Sebrae Delas, programa focado no empreendedorismo feminino que surgiu em 2019, e, desde então, já capacitou mais de 100 mil mulheres em quase todos os estados brasileiros.
Para endereçar o problema e apoiar os empreendimentos comandados por mulheres, algumas empresas têm desenvolvido programas de aceleração e capacitação para as empreendedoras. Além de abordar temas técnicos, esses projetos desenvolvem habilidades socioemocionais como liderança, autoconfiança, assertividade, negociação, persuasão e comunicação em público.
As melhores formas de trabalhar essas competências, de acordo com a coordenadora do Sebrae Delas, é pela mentoria e pela criação de redes de empreendedoras. “Na mentoria, você tem um espelho, tem a inspiração. Quando elas estão em rede, as curvas de aprendizado são diminuídas, elas fazem negócios entre elas, e o que achavam que só acontecia com elas, na verdade, acontece com muitas”.
Desse modo, esses programas transformam o crescimento, a competitividade e o aumento de renda dessas mulheres, mas os impactos vão muito além dos negócios. “Pesquisas mostram que, quando a mulher ganha mais dinheiro, ela tende a investir nas crianças, na família, e a comprar do seu próprio bairro. Você dinamiza economicamente as regiões”, explica Renata.
Além disso, o empreendedorismo também é uma maneira de combater a violência doméstica. “Conheço várias histórias de mulheres que estavam em relacionamentos violentos e abusivos, e, com o empreendedorismo, elas conseguiram sair dessa realidade”, destaca a coordenadora.
O programa “Empreenda como uma Mulher”, da Coca-Cola Femsa, visa incentivar e qualificar empreendedoras ligadas ao setor de alimentação. A iniciativa tem o objetivo de “acelerar” mulheres à frente de pequenos negócios por meio do fornecimento de treinamento sobre gestão e governança, da oferta de crédito mais barato e, em algumas situações, de aporte financeiro.
A iniciativa conta com a parceria do Sebrae, da ONG Aliança Empreendedora e de algumas prefeituras, e se conecta à estratégia de negócios e de ESG da Coca-Cola. A próxima edição do “Empreenda Como Uma Mulher” terá 6 mil vagas: 4 mil no município de São Paulo e 2 mil nas capitais Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Manaus e Brasília.
Em 2022, a parceria foi feita com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, e apoiou 608 mulheres empreendedoras na região metropolitana da capital gaúcha por meio de um curso online, que incluiu temas como estratégias de liderança e gestão, autoconhecimento, aspectos comportamentais, marketing e técnicas práticas para alavancar negócios. Em suas fases intermediárias, o programa analisou aspectos fortes e deficientes dos empreendimentos para propor ações e melhorias personalizadas.
O programa “Ela Pode”, do Google e do Instituto Rede Mulher Empreendedora, surgiu como um braço local de outro projeto da empresa, o “Women Will”, iniciativa global que busca o desenvolvimento econômico das mulheres. Nascido em 2018, o programa impactou 206 mil mulheres logo no primeiro ano, alcançando quase 2 mil cidades, sendo 67% do norte e nordeste do país.
>A iniciativa foca no desenvolvimento de habilidades socioemocionais de mulheres brasileiras em situação de vulnerabilidade socioeconômica, abordando temas como gestão do tempo, crenças limitantes, o relacionamento da mulher com as finanças, e também criando redes de contato entre as participantes. Em 2018, o programa foi ofertado no Google Campus for Startups na cidade de São Paulo. Porém, no mesmo ano, o Google ofereceu um aporte de 1 milhão de dólares para levar a capacitação para todo o Brasil.
Durante a pandemia, o curso foi transferido para uma plataforma online, mas, em 2022, houve cursos remotos e presenciais. Dividido em etapas, a segunda fase seleciona algumas mulheres para receberem mais uma rodada de capacitação e um aporte de capital semente.
Outra parceria do IRME resultou no projeto “Bora Empreender com Comida”, com a Ambev. A primeira fase do programa acontece online, de forma contínua, até maio de 2023, com vários ciclos de seleção para as próximas etapas, e inclui cursos presenciais e lives. Após a seleção das participantes do primeiro ciclo, as selecionadas receberão mentorias. Na última fase, 40 selecionadas terão um aporte financeiro e mais dois meses de capacitação.
Esta primeira edição do programa acontece nas cidades de São Luís e Recife, e tem como objetivo impactar 2 mil pequenas e microempreendedoras, com prioridade para mulheres negras e moradoras de comunidades.
Também criado no ano passado, a Fundação Visa e o RME criaram o programa “Elas Digitalizam”. O intuito é ajudar as mulheres empreendedoras a desenvolverem estratégias digitais para seus negócios. Dessa forma, o processo é dividido em três fases. Na primeira e segunda etapas, elas receberão capacitações e mentorias, enquanto a terceira fase inclui a aceleração e o recebimento de um capital semente.
O curso aborda questões sobre a digitalização de negócios, a criação de estratégias digitais, e temas como branding, marketing, jornada de compra, experiência do cliente, identificação de personas e proposta de valor. As inscrições encerraram em setembro de 2022.
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