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Opinião

Esta Barbie está…de olho

Parte de mim não conseguiu parar de pensar que eu estava assistindo 1h48 de publicidade


16 de agosto de 2023 - 9h10

(Crédito: DAndreev/Shutterstock)

Se você está lendo este texto, é quase certo que foi impactado por algum esforço de comunicação relacionado ao fenômeno rosa que dominou as redes e as ruas nas últimas semanas: o rebranding-filme da Barbie.  

Numa reviravolta extraordinária (mas um tico atrasada, não posso deixar de dizer), a Mattel entendeu que precisava deixar de ser apenas uma fabricante de brinquedos para tornar-se uma empresa de entretenimento. Em tempos de tablets e celulares nas mãos das crianças, um movimento fundamental para manter a relevância da companhia na vida dos seus consumidores – assim como para expandir seu público: esta Barbie, do alto dos meus 47 anos, assistiu o filme.  

A bilheteria arrasa-quarteirão de USD 1 Bi confirmou a tese acima – e a Mattel já anunciou outras 14 produções em curso com outras propriedades como Polly Pocket (com Lena Dunham contratada para escrever e dirigir), Hot Wheels (sendo desenvolvido por J.J.Abrams). A Mattel não veio pra brincar. 

Depois de assistir o filme, fiquei com uma mistura de sentimentos. Parte de mim celebrou a primeira bilheteria de mais de um bilhão de dólares dirigida por uma mulher, admirou o incrível universo que Greta Gerwig criou na Barbielândia, e bateu palmas para o discurso de America Ferrera, que resume brilhantemente o que é ser uma mulher para a Barbie:  

“É literalmente impossível ser uma mulher. Você (Barbie) é tão bonita, tão inteligente – e me dói ver que você pensa não ser boa o bastante.  

É como se tivéssemos que ser extraordinárias o tempo todo, mas ao mesmo tempo nos sentimos fazendo a coisa errada o tempo todo.  

Você precisa ser magra, mas não muito magra. Você não pode dizer que quer ser magra, deve dizer que quer ser saudável, mas você precisa ser magra.  

(…) 

Você precisa ser uma chefe, mas não pode ser má.  

Você precisa liderar, mas não pode descartar ideias de outras pessoas.  

(…)  

Você precisa ser uma mãe, mas não pode falar dos seus filhos o tempo todo.  

Você precisa ter uma carreira, mas também precisa cuidar de todos à sua volta.  

Você precisa lidar com o comportamento abusivo dos homens, o que é uma loucura. Mas não pode falar disso, porque eles vão reclamar.  

(…) 

E nunca se esqueça de que o sistema é viesado: reconheça isso, mas seja grata (!) 

Você nunca pode envelhecer, nunca pode ser grosseira, nunca pode se exibir, nunca pode ser egoísta, nunca pode cair, nunca pode falhar, nunca pode mostrar medo, nunca pode sair da linha.  

(…) 

E no final, você não só está fazendo tudo errado, mas também tudo é sua culpa.  

Estou tão cansada de ver todas nós fazendo das tripas coração para que gostem de nós.”  

 

Mas o meu olhar para o filme não ficou só no cor-de-rosa: se de um lado foi bastante interessante ver uma marca ter coragem de assumir suas mazelas (há uma cena maravilhosa no filme em que a Barbie escuta de um grupo de adolescentes algumas verdades duras), de outro parte de mim não conseguiu parar de pensar que eu estava assistindo 1h48 de…publicidade.   

E aí fiquei me perguntando – será que eles estão “walking the talk”?  

Fui lá no site de investidores da companhia e… dos 7 “Executive Officers” da companhia, só 1 é mulher. Oops.  

Alô alô, turma da Mattel – é hora de equiparar as cadeiras do mundo real com as da Barbielândia.  

 

__________________ 

 

Texto original e na íntegra do discurso em inglês, pra quem quiser ler:  

“You are so beautiful, so smart and it kills me that you don’t think you’re good enough. Like we have to always be extraordinary but somehow we’re always doing the wrong thing.  

You have to be thin, but not too thin, and you can never say you want to be thin, you have to say you want to be healthy, but also you have to be thin.  

You have to have money but you can’t ask for money because that’s crass.  

You have to be a boss, but you can’t be mean.  

You have to lead ,but you can’t squash other people’s ideas.  

You’re supposed to love being a mother, but don’t talk about your kids all the damn time.  

You have to be a career woman, but also always be looking out for other people.  

You have to answer for men’s bad behavior, which is insane. But if you point that out, your accuser complains.  

You’re supposed to be pretty for men but not so pretty, that you tempt them too much or that you threaten other women because you’re supposed to be a part of the sisterhood, but always stand out and always be grateful.  

But never forget that the system is rigged, so find a way to acknowledge that but also always be grateful.  

You have to never get old, never be rude, never show off, never be selfish, never fall down, never fail, never show fear, never get out of line. It’s too hard.  

It’s too contradictory and nobody gives you a medal or says thank you. No.  

It turns out in fact that not only are you doing everything wrong, but also everything is your fault.  

I’m just so tired of watching myself, every single other woman tie herself into knots so that people will like us.” 

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