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Opinião

Etarismo: Convite a um futuro maduro

O que precisamos perceber nas pessoas não é a idade cronológica, e sim a energia, inquietude, curiosidade, alegria, vivacidade e resiliência


2 de dezembro de 2024 - 9h58

(Crédito: Shutterstock)

A trajetória de muitas diretoras de cena no Brasil começa de forma tardia, não por falta de talento ou interesse, mas devido a uma combinação de barreiras estruturais e culturais. Em um ambiente onde as oportunidades são tradicionalmente concedidas aos homens, demoramos para mostrar a “nossa cara” e dizer para o que viemos.

Às vezes, a demora se dá porque as agências não confiam. Outras, porque não temos produtora que colabore para que possamos mostrar o que sabemos fazer. E sabemos que a cada filme, descobrimos mais um pouco da nossa identidade cinematográfica, linguagem e olhar.

Como em qualquer profissão, praticar é fundamental, e no audiovisual não é diferente. Porque dirigir é um exercício artístico que fala muito de quem somos, de onde viemos, o que nos alimenta e quais as nossas fontes inspiradoras.

Ao chegar aos 40 anos, após uma jornada de luta, silêncio, dúvida, muitas de nós, mulheres, somos vistas como “velhas”, acredite. Então quer dizer que quando finalmente encontramos nosso caminho na profissão, precisamos enfrentar novamente o etarismo? Sim! Você, mulher, passa a conquistar mais um preconceito na lista que a define: velha.

O etarismo é uma forma de preconceito baseada na idade, que afeta tanto jovens quanto idosos. No entanto, manifesta-se de maneira particularmente severa contra as pessoas mais velhas. No Brasil, essa discriminação é uma realidade preocupante, atingindo diversas esferas da vida, desde o mercado de trabalho até as representações culturais e sociais.

Desde quando alguém a partir dos 40 anos é considerado velho? Cartola, por exemplo, gravou seu primeiro disco aos 40. Suzana Amaral dirigiu seu primeiro longa-metragem após os 40. Cora Coralina começou a publicar quase aos 76 anos. Agnès Varda, a cineasta belga, morreu aos 90, enquanto estreava sua última série documental, refletindo sobre os 60 anos de trabalho.

Nossa sociedade, e principalmente nosso mercado publicitário, têm muitos conceitos estabelecidos. As pessoas insistem em rotular a experiência como algo ultrapassado, quando, na verdade, a idade traz qualidades valiosas: equilíbrio emocional, técnica aprimorada, leveza para arriscar, inovação sem preconceito e capacidade de escuta.

Espero que você envelheça

Diante de tudo isso, tenho um desejo. Eu espero que você envelheça. Envelhecer é uma das poucas certezas que temos, que desejamos ter, pois se envelhecemos é sinal de que vivemos. Olha que delícia. Eu quero ter 97 anos filmando na boleia de um caminhão no Nordeste. Quem me conhece sabe que esse desejo é um mantra.

Não sei porque lutamos contra o envelhecimento, será que é por vaidade ou por medo? A real é que o melhor que temos a fazer é viver bem, com alegria e ter uma jornada cheia de histórias. E, durante essa trajetória, se preparar para chegar lá, no topo da montanha, produzindo, amando, vivendo com dignidade, socializando, comendo bem e fazendo escolhas prazerosas, ainda sim, trabalhando, criando com leveza.

O que precisamos perceber nas pessoas não é a idade cronológica, e sim a energia, inquietude, curiosidade, alegria, vivacidade, movimento, resiliência, fé. Quando alguém coleciona algumas dessas ferramentas juntas, ela não tem idade, ela inspira por estar viva. Mas, quando faltam algumas delas em alguém, até o jovem parece um velho. A Fernanda Montenegro já disse uma vez: “Acho que a idade cronológica é a menor das nossas idades. Temos a idade do espírito, do afeto e do que ainda queremos conquistar”.

Rumo a um futuro inclusivo

O combate ao etarismo é essencial para construirmos uma sociedade mais justa e é uma necessidade em um país que envelhece rapidamente. Até 2070, o Brasil terá quase 40% da população com mais de 60 anos – mais de 86 milhões de pessoas.

Desejo um futuro onde a mulher de 60 anos seja escutada com a mesma atenção que o jovem de 25, e onde a pessoa diretora transgênero, a roteirista indígena e o cinegrafista negro, enfim, compartilhem o mesmo espaço, dialogando e criando. Esse futuro requer mais do que tolerância; requer aceitação plena, apreciação pela diversidade e compromisso com a equidade.

A construção desse futuro começa hoje. Precisamos de políticas que incentivem a inclusão (no caso do etarismo, a não exclusão) nos mercados de trabalho, especialmente em ambientes criativos, onde as narrativas moldam como as sociedades se enxergam e enxergam o outro.

E, mais do que isso, precisamos de uma mudança de mentalidade, onde a escuta ativa, o respeito mútuo e a celebração das diferenças sejam práticas cotidianas. Quando combinamos essa luta com o combate ao racismo, ao sexismo, à homofobia e à transfobia, criamos a base para um futuro verdadeiramente inclusivo.

Faço aqui um convite a um futuro onde as gerações se escutem e se respeitem. Aquilo que se fazia foi o que deu origem ao que se faz hoje.

O caminho para um mundo sem preconceitos é longo, mas já estamos nessa trilha e não estamos sós.

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