Eu, Guilherme e a mãe do Rodolfo
Precisamos incentivar que outras profissionais equilibrem seu tempo entre a maternidade e seus projetos, caso queiram
Precisamos incentivar que outras profissionais equilibrem seu tempo entre a maternidade e seus projetos, caso queiram
8 de fevereiro de 2024 - 6h30
Uma vez, quando era criança, meu filho Guilherme me fez uma pergunta que me marcou: “Mãe, você sabe qual é o trabalho da mãe do Rodolfo? Cuidar dele!” Isso foi em um dos muitos dias que cheguei à noite do trabalho. Na hora, senti um aperto no peito, uma culpa irremediável, mas respondi “que legal, filho, que bom, né?” e pensei “um dia o Rodolfo vai crescer”. Sim, senti o golpe. Esse foi um dos muitos momentos em que meu trabalho, algo que amo fazer e que, depois de muitos anos, ainda me empolga, entrou em desacordo com outra parte indispensável de mim: meu filho.
Estou há muitos anos no mercado de trabalho. Acompanho a trajetória de muitas mulheres, faço parte de grupos de discussões e fóruns sobre liderança e inclusão femininas desde muito antes de isso se tornar uma tendência. Tenho notado um crescente movimento de mulheres que optam por dedicação exclusiva aos filhos, assim como a mãe do Rodolfo. Por diversos motivos, vontades e sonhos. Mas, muitas, desafiadas pela dificuldade de equilibrar os desafios da maternidade e a vida profissional. É para essas que faço um apelo: não abandonem suas carreiras.
Já no início desta reflexão, reforço que tive o privilégio de ter uma rede de apoio que me fortaleceu emocionalmente enquanto esperava o Guilherme. Sei que essa não é uma realidade de muitas mulheres no nosso País. Mas, cada vez mais tenho certeza de que uma profissional de destaque e uma mãe incrível podem coexistir. Desde que nos livremos da culpa feminina e das comparações, algo que nos assola, nos restringe e nos impõe limites que não precisamos aceitar.
Sou economista de formação e iniciei minha carreira profissional no mercado financeiro, especialmente por gostar de números. Fui trabalhar em um banco e criei uma carreira e uma vida sólida fora do País. Desde então, sempre tive disposição, disciplina e persistência para alcançar meus objetivos – e foi assim que os alcancei, até ser impactada por uma paixão ainda desconhecida.
Em 1997, passei de uma posição no mercado financeiro para garantir a hora e a temperatura certas para a cidade de São Paulo. Fui convidada para fazer a análise e a proposta de viabilidade financeira de um projeto de mobiliário urbano, até então uma novidade no Brasil, estudei o assunto, me apaixonei e assumi a direção da empresa. Naquela época, não tínhamos conectividade na cidade, então, eu acordava todos os dias às 4 horas da manhã para checar se o principal relógio da companhia, instalado na Avenida Paulista (localizado na frente do MASP), estava funcionando corretamente.
Gosto de entrar em todos os processos da minha vida de cabeça. Quando descobri que seria mãe do Guilherme, fiquei imersa nessa operação. Para mim, era inegociável abrir mão, de um ou outro. Eram os dois projetos mais importantes de minha vida até então.
Duas semanas antes do meu filho vir ao mundo, tínhamos como meta instalar 370 relógios na cidade de São Paulo – e paramos em 369, pois Guilherme nasceu. Algum tempo depois, o relógio número 370 eventualmente ganhou as ruas. Eu e meu filho continuamos nossa jornada de vida. E eu me sentia duplamente realizada, o Guilherme e meu trabalho se complementavam. Ele inclusive ajudava, marcando as calçadas com colorjet enquanto escolhíamos um novo local para um relógio.
Apesar de estarmos ganhando cada vez mais visibilidade e a oportunidade de seguir o caminho que desejamos para nós mesmas, vejo que pressões sociais, desigualdade de oportunidades e um ambiente complexo ainda nos limitam. Uma pesquisa feita pela Catho aponta que mais de 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos, enquanto entre os homens essa proporção é quatro vezes menor.
Entre as dificuldades enfrentadas pelas profissionais que são mães no mercado de trabalho estão os problemas por ter que se ausentar porque a criança está doente – ou porque tiveram que conciliar a profissão com seu papel de mãe. Neste caso, para mim, existe uma resposta evidente: precisamos umas das outras para seguirmos com os nossos projetos para que possamos, de fato, ocupar espaços. Desistir não pode ser a única opção.
Ao nos apoiarmos, mostramos para a sociedade que a maternidade e o nosso papel como líderes profissionais nos cabem perfeitamente e, além disso, nos impulsionamos a sermos ainda mais excelentes. E, para que isso aconteça, reforço que precisamos nos solidarizar umas às outras e normalizar a coexistência de nossos compromissos como mães e os desafios profissionais. Vai haver aquela pausa durante a reunião porque a escola te ligou, sim. Faz parte. E vão ter os dias em que você vai chegar tarde e vai perder alguma coisa. Paciência. Nada disso nos faz incapazes, como mães ou profissionais. Pelo contrário: estas experiências nos fazem crescer em ambos os papéis.
Precisamos incentivar que outras profissionais equilibrem seu tempo entre a maternidade e seus projetos, caso queiram. Precisamos contratar novas mulheres mães. Precisamos apoiar mulheres com opiniões e desejos distintos. E precisamos nos livrar de comparações, com urgência.
Alguns anos depois do episódio que abre esse artigo, Guilherme comentou que todos os dias a mãe do Rodolfo estava na porta da escola o observando. Um mico, segundo ele. Eu, discretamente, sorri.
Um gentil agradecimento à Marta, amiga querida e mãe de Rodolfo, livre para fazer suas escolhas e cuja amizade fez tanto bem para meu filho.
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