Femtechs: tabus da saúde feminina como oportunidade de negócio
Apesar de ainda enfrentarem dificuldades para crescer, empresas do segmento lutam para ampliar acesso à informação e tratamentos para as mulheres
Femtechs: tabus da saúde feminina como oportunidade de negócio
BuscarApesar de ainda enfrentarem dificuldades para crescer, empresas do segmento lutam para ampliar acesso à informação e tratamentos para as mulheres
Lidia Capitani
5 de maio de 2023 - 7h48
Femtech já deixou de ser uma palavra desconhecida, ou melhor, um nicho. As estimativas sugerem que o tamanho do mercado global seja de 58,5 bilhões de dólares em 2023, com previsão para alcançar 75 bilhões de dólares em 2025, de acordo com o FemTechs Analytics. No Brasil, o setor começa a engatinhar: são 23 startups focadas na saúde e bem-estar das mulheres, segundo o Inside Healthtech Report, da Distrito. Assuntos como menstruação, menopausa e sexualidade feminina, que antes eram vistos como tabu, hoje tomam contornos de oportunidades de negócio.
As mulheres são pouco mais da metade da população brasileira, totalizando 108,7 milhões (51,1%), de acordo com o IBGE. Entretanto, as startups focadas na saúde feminina ainda enfrentam dificuldades e descrença por parte do mercado de inovação. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o setor está um pouco mais avançado, as femtechs recebem apenas 3% do total de investimento no ramo da saúde digital, segundo a RockHealth.
Quando o assunto é saúde das mulheres, são infinitas as possibilidades de soluções. Algumas categorias levantadas pelo FemTechs Analytics são, por exemplo, ciclo menstrual, saúde reprodutiva e contracepção, longevidade, gravidez e maternidade, menopausa, sexualidade, entre outros. No Brasil, o mercado avança a cada ano, com novas startups surgindo para responder às demandas, muitas vezes, esquecidas das mulheres.
Nesta reportagem, conversamos com três femtechs diferentes para entender como elas surgiram, quais os principais desafios de empreender no ramo e o que falta para que esse mercado cresça no Brasil. Conheça as histórias da PlenaPausa, focada em soluções para a menopausa, a Fertably, de benefícios corporativos para cuidar da fertilidade e da Pantys, marca de calcinhas absorventes.
A nova tendência para o mercado de bem-estar é a “economia da menopausa”. Estudos indicam que até 2025, pelo menos um bilhão de pessoas terão experienciado a perimenopausa, de acordo com o Global Wellness Summit. Mesmo sendo um processo natural e biológico, o climatério ainda é cercado de estigmas e tabus. A PlenaPausa é a primeira startup brasileira focada nos cuidados com a mulher durante a menopausa, e foi fundada por Márcia Cunha e Carla Moussali.
“A mulher madura ainda é muito pouco assistida. A menopausa é uma oportunidade para que a gente transforme essa janela numa mudança de hábito, para que as mulheres vivam mais e melhor”, descreve Márcia Cunha.
A startup surgiu de uma inquietação das fundadoras após ouvirem histórias de amigas, colegas, mentoras e das suas próprias mães que passaram pela menopausa. Márcia e Carla viram que havia uma grande oportunidade de negócio para o mercado brasileiro, mas também cercado de desafios. “86% das mulheres têm uma grande dificuldade de entender que os sintomas que apresentam estão relacionados à menopausa”, revela Carla Moussali.
Como uma plataforma de cuidados e tratamentos para o período do climatério e menopausa, a PlenaPausa oferece três opções de suplementos para amenizar os sintomas. Além disso, o aplicativo complementa o tratamento com diferentes soluções desde a avaliação dos sintomas até conteúdos educativos.
Em sua experiência como RH lidando com contratos de planos de saúde, Aleksandra Jarocka percebeu que a maioria dos planos não incluíam cuidados com a saúde reprodutiva. Em especial, os processos de fertilização in vitro e congelamento de óvulos não eram cobertos na maioria dos contratos. Conversando com outras mulheres, a fundadora percebeu que as principais reclamações rondavam os altos preços e o desconhecimento sobre esses procedimentos.
Logo, Aleksandra enxergou uma oportunidade de negócio para o mercado no Brasil, onde soluções para fertilidade não eram oferecidas no meio corporativo como em outros países. Hoje, a startup oferece benefícios corporativos que facilitam o acesso dos colaboradores aos cuidados reprodutivos. “Trata-se de uma questão que não é só da mulher, mas da saúde pública, e que as empresas devem apoiar”, ressalta.
Ao contrário de muitas femtechs, que atuam no modelo B2C, a Fertably foca em soluções B2B. Nesse sentido, a fundadora destaca como a oferta deste tipo de serviço é capaz de promover benefícios para as empresas como uma maior retenção e atração de talentos, especialmente do feminino, além de reduzir os custos com saúde. “Dados mostram que as pessoas que têm problemas com fertilidade reduzem o engajamento no trabalho e quase 20% deixam o emprego”, retrata a fundadora.
Sendo em sua maioria negócios criados por mulheres e para mulheres, as femtechs já nascem com a agenda ESG no centro do negócio. “Qualquer empresa do mercado das femtechs já tem esse olhar visando o empoderamento das mulheres”, diz Emily Ewel, co-fundadora e CEO da Pantys. A marca de calcinhas absorventes já nasceu com uma visão de impacto social e ambiental muito forte, e hoje, tornou-se uma referência de sustentabilidade no mercado brasileiro.
A Pantys nasceu em 2017, por iniciativa de duas empreendedoras, Emily Ewell e Duda Camargo. Após um ano e meio de pesquisa, o primeiro produto foi lançado e logo se destacou por ser uma alternativa mais sustentável aos absorventes descartáveis, responsáveis por gerar um grande volume de resíduos plásticos. “Só no Brasil, 15 bilhões de absorventes são descartados todo ano. Esses produtos são feitos 90% de plástico e demoram mais de 500 anos para decompor”, destaca Emily Ewell.
O lançamento foi um sucesso. As vendas digitais acabaram com o estoque inicial em apenas três semanas. Desde então, a marca desenvolveu novos produtos para diferentes públicos, como os sutiãs absorvente para as mães, as linhas fitness e praia, as cuecas absorventes para homens trans que menstruam, além do primeiro absorvente interno brasileiro biodegradável.
Para além da entrega de produtos sustentáveis, a missão da empresa é inspirar mais mulheres a adotarem hábitos de consumo consciente e a se sentirem mais confortáveis e seguras durante o período menstrual. “Eu acredito que uma empresa precisa criar valor em todos os sentidos: valor financeiro, social, ambiental, de equipe, saúde, comunidade. Precisamos fazer uma mudança de ‘shareholder ‘puramente financeiro, para ‘stakeholder model’, que faz mudanças no mercado”, resume a fundadora sobre sua visão de negócio.
De modo geral, os desafios são os mesmos para a maioria das femtechs. Elas batalham para trazer maior conscientização sobre as demandas femininas e sobre a necessidade das mudanças de hábitos e paradigmas. Para a Fertably, de Aleksandra, ainda falta maior sensibilização por parte das companhias. “Muitas empresas têm consciência que é importante, mas, ao mesmo tempo, encontrei empresas e especialmente investidores que não acreditaram e diziam que isso só gera custo adicional”, relata.
Uma vez que o perfil dos investidores ainda é majoritariamente masculino, as dores e soluções apresentadas pelas femtechs são muito distantes da realidade desses investidores. Com esse afastamento, as empreendedoras mulheres lutam para conseguir apoio dos fundos. “Nos Estados Unidos, 4% do Venture Funding vai para mulheres fundadoras, no Brasil esse número é 0,2%. Essa é a maior barreira para o crescimento desse mercado”, relata Emily Ewell. “O consumidor brasileiro está muito aberto para novidades, para aprender, para conhecer. O mercado existe, mas o problema realmente é o capital”, continua.
Para as fundadoras da PlenaPausa, o desafio é duplo. “Ser mulher à frente de um negócio é preciso se provar muitas vezes, mas ser mulher à frente de um negócio feminino é ter que se provar duas vezes mais. Porque você tem que mostrar não só que é capaz de executar, mas que realmente existe demanda para a sua solução. Então, é uma dupla verificação”, descreve Carla.
As femtechs possuem grande potencial de crescimento não somente pela quantidade de mulheres que vivem no Brasil, mas também pela demanda por serviços especializados e de qualidade. Entretanto, uma das grandes oportunidades e necessidades do mercado é a educação das pessoas, empresas e investidores sobre a importância e especificidades da saúde feminina.
Além de promover a conscientização, a informação é capaz de criar novos caminhos de diálogos e combater estigmas, que perpassam não somente pelo preconceito, mas também pelo silenciamento. “É muito importante falar sobre educação, não só para explicar como o corpo funciona, mas também sobre onde as pessoas podem tocar ou não, coisas simples assim, mas que precisam ser ensinadas”, destaca Emily Ewell. “Muitas vítimas de violência sexual nem sabem que foram abusadas. Então, educação é um poder que muda as vidas das pessoas”, continua.
Nesse sentido, a educação sobre a saúde e os corpos femininos deve focar a população no geral, tanto homens como mulheres. “Os meninos também têm que saber como funciona o ciclo menstrual, até para dividir a responsabilidade de engravidar. Não é só responsabilidade da mulher, é responsabilidade de todo mundo, dos homens e dos meninos”, destaca Ewell.
No ambiente de trabalho, esse esforço para trazer mais conscientização sobre as questões da saúde feminina também é de suma importância para o bem-estar, retenção e desenvolvimento dessas mulheres. “Mais de 56% têm dificuldade ou sentem que os sintomas da menopausa impactam negativamente suas funções no trabalho”, destaca Márcia Cunha. “A menopausa está no caminho de ser o próximo grande tabu a ser abordado pelas empresas, e precisamos trazer isso de uma maneira mais tranquila e gerar informação para que essas mulheres possam buscar o tratamento”.
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