Fernanda Carbonari: “Quando comecei, era a única mulher na sala”
A managing director da Blackhawk Network Brasil fala sobre os gift cards no mercado de games e a presença feminina na indústria
Fernanda Carbonari: “Quando comecei, era a única mulher na sala”
BuscarA managing director da Blackhawk Network Brasil fala sobre os gift cards no mercado de games e a presença feminina na indústria
Lidia Capitani
27 de novembro de 2024 - 14h41
Fernanda Carbonari é managing director da Blackhawk Network Brasil, empresa de soluções de pagamentos via cartões-presente digitais. Na empresa há quase 13 anos, a executiva trilhou uma carreira que começou nas áreas de logística e operações, migrando para o financeiro até se tornar managing director há 6 anos.
Engenheira de formação, começou a trabalhar em startups digitais no início do século. Atuou na área de logística do Submarino, quando as empresas digitais estavam surgindo. Depois, passou por empresas como Vivara e o e-commerce Privalia, na época em que o cupom digital e clubes de compras estavam crescendo no país.
“Estou na Blackhawk Network desde 2011 e foi aqui que tive meus dois filhos — a Júlia, de 9 anos, e o Gustavo, de 7. Fiquei grávida duas vezes e retornei ao trabalho com alto desempenho. Sou muito grata à companhia por isso. Em 2015, assumi toda a região, incluindo as áreas de vendas, marketing e outras funções”, conta a executiva.
Nesta entrevista ao Women to Watch, Fernanda Carbonari fala sobre a intersecção entre o mercado de cartões-presente e a indústria dos games, uma das áreas que mais usa a forma de pagamento. Ela também discute a presença feminina em posições de liderança e reflete sobre sua trajetória em áreas predominantemente masculinas.
A Blackhawk é uma empresa americana, fundada há 22 anos, e atuamos como distribuidores de gift cards. Nosso papel é intermediar grandes marcas, como Nintendo, Xbox, PlayStation e Blizzard, com canais de distribuição no Brasil, como Carrefour, Amazon, Americanas e Via Varejo.
Em 2012, a Blackhawk teve um papel crucial para as grandes empresas de games, pois foi por meio dos gift cards que elas conseguiram entrar no Brasil durante uma grande transformação no mercado. Antigamente, comprávamos consoles e fitas de videogame. Hoje, com a digitalização, o modelo de negócio mudou para assinatura. Produtos como Xbox Game Pass e PlayStation Plus são exemplos desse novo formato.
Além disso, houve uma mudança significativa no modelo de negócios dos games com os estúdios, que passaram a ser comprados pelas empresas de console, transformando essas empresas em publishers. Nesse contexto, a Blackhawk entrou no Brasil, e o gift card se tornou o método ideal de pagamento para os gamers, seja para assinar serviços ou comprar jogos digitais.
Antes de 2015, os games representavam 80% do nosso portfólio. Isso fez com que a Blackhawk se tornasse uma empresa focada no público gamer. Para distribuirmos e fazermos marketing de maneira eficaz, tivemos que entender profundamente esse mercado. O gift card, nesse cenário, é uma ferramenta de aquisição de clientes. A maioria dos gamers faz sua primeira assinatura usando gift card, e ele também impulsiona compras adicionais, muitas vezes em pré-venda.
Em 2015, surgiu o mobile game, com jogos para iOS e Android. Com parcerias globais, como Google Play e Apple Store, nos tornamos um dos maiores transacionadores de jogos, tanto para consoles tradicionais quanto para mobile, sendo o quinto maior mercado de mobile games. Nesse mercado, o gift card continua a ser essencial para a aquisição de clientes, aumento de ticket médio e novas formas de pagamento, incluindo controle parental.
Nosso papel no Brasil é expandir o acesso a essa nova forma de comprar, facilitando o pagamento de jogos e serviços digitais. Nossos maiores clientes são os principais consoles, como Xbox, PlayStation e Nintendo, além de empresas como Riot, Blizzard, Razer, e Level Up. No final das contas, respiramos o universo dos games.
Olha, esse é um caminho. Venho refletindo sobre a presença feminina em posições de liderança, especialmente em mercados onde historicamente a participação de mulheres é menor. Tive uma experiência peculiar, pois comecei com engenharia, depois trabalhei em logística, e na Blackhawk atuamos com pagamentos e game. Esses setores eram predominantemente masculinos.
Se parar para pensar, ao longo desse tempo, as coisas evoluíram bastante. Já trabalhei em logística como a única mulher e, hoje, isso já não ocorre. Acho que o Brasil está um pouco à frente da América Latina nesse aspecto. Embora os números ainda sejam duros, como o fato de, apesar de 52% dos gamers serem mulheres, apenas 25% estão em cargos de desenvolvedores, acredito que isso se reflete em diversas áreas, não apenas em games. Tem a ver com a presença feminina nas áreas STEM. Já foi muito pior, mas a evolução está acontecendo. Porém, ainda temos um longo caminho a percorrer.
O número que tenho, embora difícil de obter, é que cerca de 30% a 35% dos estudantes que estão nessa área são mulheres. Isso reflete um problema de base, principalmente em relação ao acesso e representatividade. No Brasil, acredito que estamos começando a superar isso, pois é um lugar onde há muitas mulheres executivas em games. Grandes empresas do setor já têm diretoras e vice-presidentes. Aqui, ser executiva é mais fácil do que em outros países da América Latina. Culturalmente, a situação melhorou muito. Já superamos muitos gaps de entendimento, como aquela ideia de que, por não jogar, você não pode ocupar uma posição de liderança na indústria dos games.
No entanto, ainda estamos no caminho da representatividade. Globalmente, vejo sinais positivos. Por exemplo, a CEO da Blackhawk, Talbott Roche, é mulher, e na área de produto e tecnologia, 50% dos vice-presidentes são mulheres. A Nintendo anunciou três mulheres no conselho este ano, e o Xbox colocou a primeira mulher negra como presidente. São avanços importantes.
Vejo que as grandes empresas, como Blackhawk, Nintendo e Xbox, têm assumido um papel crucial. Isso nos mostra que é possível chegar lá. No meu caso, hoje não sinto dificuldades em me sentar à mesa. Em reuniões relevantes, planejando o futuro, discutindo mudanças de modelo de negócios… e me sinto confortável.
Eu diria que não, mas é um “não” com vírgula. Essa é uma visão muito pessoal. Desde a faculdade, fiz minha carreira em ambientes predominantemente masculinos, e acho que isso envolve uma certa adaptação. Só agora, mais recentemente, é que percebo a situação de estar em uma mesa e ser a única mulher. Com o tempo, a gente vai se acostumando com as coisas.
No início, quando estava em engenharia e logística, muitas situações passavam despercebidas por mim. Se fosse hoje, meu olhar seria diferente. Em 10 anos, houve uma grande transformação. Se estivéssemos conversando há uma década, provavelmente seria uma situação diferente, talvez eu fosse a única mulher na sala.
Dentro da Blackhawk, já houve discussões sobre a composição de equipes. Chegamos a discutir se uma posição seria mais adequada para um homem, justamente por conta das demandas de viagem. Essas questões faziam sentido à época, pois estávamos ajustando a realidade da empresa.
Hoje, no entanto, isso já não faz sentido. Na minha posição como executiva, se alguém ainda estiver se perguntando sobre o gênero, é porque estamos fazendo negócio com o parceiro errado. Acredito que o maior desafio que enfrentei foi a dúvida sobre se o outro lado ou mesmo os colegas iriam respeitar uma mulher em uma posição de liderança, especialmente se não houvesse um homem na mesa.
A Blackhawk é uma empresa B2B. Como nosso objetivo é trabalhar com empresas como a Nintendo e Decathlon para criar e expandir seus programas de gift card, esses programas geram receita adicional e atraem novos clientes. Um exemplo global é o da Sephora: uma pessoa que só usa produtos básicos da marca, com o gift card, pode ser incentivada a comprar seu primeiro batom de marca. Esse é um exemplo fora do universo dos games, mas ilustra como funciona.
Embora lidemos com marcas e canais como varejo, carteiras digitais e bancos, nossa atuação é B2B. No Brasil, um canal importante para nós é o varejo, que é muito diverso. Por isso, é raro encontrar equipes de executivos de contas compostas exclusivamente por homens, já que o setor é bem diverso.
Os bancos e o mercado financeiro ainda têm um caminho a percorrer quanto à diversidade, mas os canais de e-commerce são mais modernos e diversos. Sinto que o maior desafio é expandir a base, pois há uma falta de mão de obra devido ao crescimento do mercado.
Essa diversidade não é a realidade em outros lugares. Em países da América Latina, como o México, e na Europa e Estados Unidos, apesar dos esforços, acredito que o Brasil está à frente, especialmente em áreas como pagamentos digitais, Pix e carteiras digitais.
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